Numa época em que o sistema fiscal começa a ser questionado, e quando Portugal enfrenta uma difícil situação pandémica que afetou o país social e economicamente, é importante que esta discussão seja feita. O Estado tem aumentado, em grande parte, o seu financiamento através de impostos, descapitalizando a população e as empresas, tornando estas mais dependentes do poder público para suprir as suas necessidades, que por sua vez, lhes dá respostas cada vez menos eficientes. Numa altura em que os portugueses não se identificam com as escolhas feitas quanto à aplicação dos seus impostos, estes aumentam progressivamente, asfixiando a atratividade das empresas portuguesas, quando, neste cenário pandémico, tanto precisávamos delas.

Numa altura em que surge a notícia de que a receita dos impostos do Estado deverá sofrer, este ano, uma quebra de 10%, especula-se qual será a resposta do poder público face a esta quebra. O Governo prevê uma recuperação da receita fiscal na ordem dos 7% em 2021, mas a que preço? Mais ainda, cabe referir que o reforço da despesas com prestações sociais vai aumentar em cerca de apenas 3%, o que, suspeita-se, seja pouco para a situação pandémica que o país vive. Estes dados são ainda mais alarmantes quando, esta semana, num estudo divulgado pela CIP se ficou a saber que as empresas pagam cerca de 4300 taxas, atingindo cerca de 20% do seu volume de negócios (11º maior, face aos Estados-membros da União Europeia), referindo ainda que, “com o objetivo de criar fluxos de receita estáveis, são criados tipos tributários anómalos, sucessivamente agravados”, criando ainda “sobrecargas supostamente temporárias, mas que tendem a ser permanentes”. Ou seja, estão a ser criadas, cada vez mais, pequenas taxas para suprir as necessidades de financiamento do Estado. Prova disso, é também a carga fiscal, que atingiu o valor mais alto em 2018, representando 35,4% do PIB, com um aumento nominal de 6,5%, para 71,4 mil milhões de euros. Em 2019, a carga fiscal representou 34,8% do PIB, conseguindo o Estado, no entanto, arrecadar mais 4% nominais, atingindo os 74 mil milhões de euros, demonstrando-se, assim, que, uma carga fiscal mais elevada não significa mais receitas para o Estado. Estas podem ser obtidas através de uma carga fiscal menor sobre um PIB mais elevado, PIB este, que carece do crescimento da economia, que não deve ser limitado através de taxas que sobrecarregam as empresas e a população.

Olhemos também para a dificuldade das empresas na atração de quadros em Portugal. Quando se fala de novo aumento do salário mínimo, é preciso entender a sobrecarga que os aumentos de salários têm nas empresas. Vejamos este exemplo: em 2020, um trabalhador que aufere o salário mínimo, recebe 635 euros brutos e, após impostos, fica com 565 euros líquidos – do seu salário saem 70 euros em impostos para o Estado, mas o seu empregador paga ainda mais 151 euros de impostos, ficando a taxa de imposto real em 28,1%. O colaborador tem um custo mensal de 856 euros para a empresa, arrecadando o Estado 221 euros. Ora, em 2021, estimando um aumento de 20 euros do salário mínimo, para que o colaborador possa ganhar mais 17 euros líquidos, a empresa terá um custo acrescido de 27 euros, ou seja, por cada aumento de 20 euros, o Estado vai buscar 10 euros. E o cenário agrava-se quando o trabalhador recebe o dobro do salário mínimo em valores brutos – este colaborador levará para casa 929 euros, ficando o Estado com 643 euros: 341 euros pagos pelo colaborador e 302 euros pela empresa, ficando a taxa de imposto real em 40,9%. Ou seja, o trabalhador que ganhe o dobro do salário mínimo (100%), tem um aumento de apenas 64% no seu salário líquido, representando um aumento de 200% no custo para a empresa. Em suma, uma empresa paga 3 vezes mais para contratar um colaborador que ganhe duas vezes mais do que o salário mínimo, mas este, por sua vez, apenas ganha 1,64 vezes de salário líquido.

A tabela fiscal atual, para além de não permitir um aumento do poder de compra aos trabalhadores, o que estimularia o consumo e, a partir daí, a obtenção indireta de outros impostos através de taxas sobre o consumo, não permite ainda às empresas contratar quadros médios, ou altos, com a mesma competitividade como outras empresas noutros países, tendo de, efetivamente, pagar um elevado salário para que o colaborador sinta alguma diferença em termos líquidos.

Numa altura em que se fala de medidas de dedução do IVA para o turismo, os outros setores voltam a ficar esquecidos. Portugal insiste em financiar-se numa estratégia fácil mas frágil, assente em medidas simples de reembolso do IVA na restauração e não apresentando qualquer plano de recuperação, que permita diminuir a dependência do setor do turismo e a dependência dos impostos cobrados. Irá asfixiar ainda mais a criação e o crescimento de empresas de outros sectores, que iriam gerar mais postos de trabalho, não representando eficácia no combate ao desemprego. Este situa-se em 8,1%, prevendo-se uma fraca recuperação para 7,5%, mas é necessário que se perceba que o combate ao desemprego não é feito através de transferências sociais, mas sim da criação de empregos, empregos estes que não são gerados devido à fraca atratividade fiscal portuguesa. Além disso, se o Estado continuar a aumentar a carga fiscal sobre os trabalhadores, irá também continuar a reduzir um poder de compra já de si baixo, o que poderá levar a um efeito de poupança por parte das famílias, já de si potenciado pela situação pandémica, consumo do qual o setor do turismo tanto depende, sobretudo numa altura em que a globalização e a circulação de turistas internacionais se encontram fortemente reduzidas.

Não estará na altura de terminar com a imposto-dependência do Estado, traçando um novo plano competitivo, que passe por uma reformulação do sistema fiscal com vista à procura da fixação de capital, criação de postos de trabalho e aumento do consumo?

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