Vamos ser sinceros: na questão do confinamento, as regras foram alteradas a meio do jogo. Quando foi introduzido pela primeira vez, o principal objetivo do confinamento era o de impedir que os serviços públicos de saúde viessem a ficar sobrecarregados. Todos ficámos chocados com aquelas imagens horríveis vindas de Itália, em que os médicos, por não terem camas de cuidados intensivos suficientes, se viram forçados a fazer de Deus e a escolher tratar, de entre os pacientes críticos, aqueles que tinham mais hipóteses de sobreviver.

Objetivo esse que foi atingido. Não há sinais de que os sistemas de saúde públicos estejam ou possam vir a colapsar. Contudo, o confinamento, apesar de ter vindo a ser progressivamente aliviado, continua. O bicho-papão de uma segunda onda paira sobre nós. As escolas continuam fechadas. Os restaurantes são obrigados a trabalhar com cotas inferiores à sua capacidade. Os hotéis estão vazios e as companhias aéreas cada vez mais fragilizadas.

Tudo isto pode ou não ser necessário. O futuro o dirá. O que me incomoda é a falta de debate acerca de outras alternativas possíveis. E existem alternativas. Os meios de comunicação social, os responsáveis políticos, a OMS e alguns epidemiologistas continuam a acenar-nos com o temor a Deus. Para começar, isto foi tão bem conseguido que, mesmo que o governo decretasse a abertura das escolas amanhã, é de duvidar que a maioria dos pais deixasse os seus filhos regressar às aulas. Também duvido que a maioria dos restaurantes e empresas regresse à normalidade tão cedo. Continuamos a viver num limbo em que não é possível fazer planos para o futuro, nem tão pouco pensar em como será a vida na próxima semana ou no próximo mês. Em suma, tornámo-nos prisioneiros das decisões do governo.

Não houve sequer discussões públicas suficientes sobre se estes confinamentos são ou não epidemiologicamente sensatos. Podemos afirmar que parte da responsabilidade disto cabe aos media. Poucos são os dissidentes a quem é dada voz audível. A contração sem precedentes históricos da vida económica, a destruição dos meios de subsistência das pessoas, as operações e os tratamentos oncológicos que foram suspensos, as consequências emocionais e traumáticas que este confinamento continua a ter, tudo isto é considerado significativamente menos importante do que a própria Covid-19. Ao contrário, a narrativa da política do medo continua a estar na ordem do dia. Todos os dias continuamos a ser bombardeados com o número de mortos ou de novos infetados nas últimas 24 horas. São estes números que permanecem na mente das pessoas e que guiam todos os nossos movimentos. Mas pouca importância é dada aos especialistas que discordam desta política. Também pouca relevância é dada às dificuldades económicas por que as pessoas estão a passar. O nosso mundo parece ter sido resumido a um único tema – Covid-19.

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Contudo, só existe uma única verdade, e encontrámo-la? Ainda não existe um conhecimento científico definitivo no que diz respeito à Covid-19. A OMS e todas as autoridades de saúde que têm vindo a seguir as indicações dos especialistas já falharam várias vezes. Em fevereiro, fomos informados de que a Covid-19 não poderia ser transmitida de humano para humano. No início, as máscaras não eram consideradas necessárias, agora são indispensáveis e quem for apanhado sem uma poderá ser multado ou preso, dependendo do país em que viva. Por um lado, libertaram-se alguns prisioneiros, por outro, há pessoas que são presas por supostamente porem outros em risco. Que sentido faz isto tudo?

O modelo estatístico do professor Neil Ferguson foi fundamental para influenciar as políticas de luta contra a pandemia de muitos governos. No entanto, recentemente, ele próprio foi visto a desrespeitar as políticas de distanciamento social que ele mesmo apregoava. Em toda a comunicação social do Reino Unido não se falava de outra coisa se não do facto de ele ter sido apanhado em flagrante a furar o confinamento social por razoes do seu foro pessoal sentimental. O que está aqui em causa é a hipocrisia do seu comportamento. Mas, acima de tudo, o que deveria ser questionado são as medidas impossíveis (e, ouso dizer, não provadas) que ele nos disse para tomarmos. Em primeiro lugar, era de uma grande ingenuidade acreditarmos que todos adeririam religiosamente ao confinamento social global. As pessoas são capazes de ajuizar e de tomar decisões sensatas. Visitar os pais ou companheiros e fazê-lo com sensatez não é exatamente o mesmo que pôr em risco a saúde pública em geral.

O que mais me impressiona é não ter havido, inicialmente, grande discussão e análise crítica dos pressupostos e do modelo matemático do Sr. Ferguson. As suas estatísticas foram consideradas como a única verdade possível. Segundo o seu modelo, o Reino Unido perderia 500.000 vidas e os EUA entre 1 e 2 milhões se nada fosse feito. Atualmente, estão ambos muito longe disto.

Podemos legitimamente argumentar que foram tomadas medidas e que, por isso, não temos uma ideia clara de quais poderiam ser os números reais, caso não as tivéssemos tomado. É verdade. Assim sendo, deveríamos tomar como exemplo um país que não seguiu o cenário de destruição iminente de Ferguson – a Suécia que, segundo a estimativa, pagaria o preço de 40.000 mortes por não ter optado por uma política de confinamento. De momento tem cerca de 4500. Uma ligeira diferença. E quanto à experiência comprovada do professor? Em 2005, previu que 200 milhões de pessoas morreriam de gripe das aves, que afinal matou 282 pessoas em todo o mundo entre 2003 e 2009. Não é o melhor dos currículos.

As previsões de Ferguson, apesar de erradas, podem, inicialmente, ter salvo vidas, não o contesto. Os nossos responsáveis pela saúde pública não estavam preparados para uma pandemia mundial, transmitida pelo ar e altamente infecciosa. A curva pandémica necessitava de ser aplanada. Agora, se isto deveria ter sido conseguido à custa de medidas draconianas é outra questão. Se tivéssemos optado por uma abordagem mais focada, em oposição a um confinamento social global que fechou em casa todas as pessoas jovens e saudáveis, talvez tivéssemos alcançado o mesmo resultado em termos de sinistralidade humana. Poderíamos ter concentrado esforços e mais recursos para proteger aqueles que mais precisavam da nossa proteção: pessoas em lares de idosos e pessoas com doenças crónicas e outras condições subjacentes que constituem os grupos de maior risco para contrair o coronavírus.

Nada disto foi discutido. Tomámos como exemplo a situação da China e da Itália e aplicámos o mesmo remédio, prejudicando seriamente a nossa economia no processo e causando grandes estragos e miséria no bem-estar financeiro, emocional e físico das pessoas. E, contabilizámos as mortes que poderiam ter sido evitadas se as pessoas se tivessem deslocado em busca de assistência médica quando dela necessitavam em vez de terem ficado em casa, com medo de ir aos hospitais?

As nossas sociedades têm vindo a tornar-se completamente avessas ao risco e há uma autêntica relutância em usar o bom senso. Já não contemplamos o que são bens sociais e necessidades sociais. Há algum tempo nas redes sociais, circulavam imagens perturbadoras de creches francesas, onde as crianças tinham quadrados marcados no chão aos quais deveriam estar confinadas. Em primeiro lugar, isto deita por terra a própria finalidade de um infantário, local privilegiado para que as crianças aprendam a interagir socialmente. Em segundo lugar, e quem já teve alguma experiência em lidar com crianças pequenas sabe-o, é quase impossível fazer com que as crianças cumpram essas regras. Já é bastante difícil conseguir que se mantenham nos seus lugares à mesa, quanto mais obrigá-las a ficarem confinadas a um quadrado desenhado no chão quando têm os seus amigos a poucos metros de distância. Por fim, esta estratégia constitui uma situação que é completamente antinatural e francamente desumana. Ainda para mais, é uma regra que lhes está a ser imposta numa altura em que não há ainda provas científicas de que represente de facto um enorme risco para a saúde permitir que as crianças estejam a menos de dois metros umas das outras. De momento, as evidências sugerem que é bem menos provável que ocorra transmissão do vírus entre crianças pequenas do que entre adultos.

Há uma narrativa crescente de que a Covid-19 irá tornar-se endémica, ou seja, de que será uma doença que nunca desaparecerá completamente e se tornará parte da família de doenças com as quais tiremos de nos habituar a viver. A Covid-19 não foi uma pandemia sem precedentes. Sem precedentes foi a nossa reação a esta doença e a forma como continuamos a reagir-lhe.

O problema agora é: como será que podemos sair do confinamento? As pessoas foram tão eficazmente assustadas que vai ser muito difícil fazer com que saiam para ir trabalhar, ir a restaurantes, ir de férias ou regressar à escola. Uma coisa é abrir os restaurantes; outra, completamente diferente, é persuadir as pessoas a sair para irem comer fora.

Todas estas novas regras trazem consigo uma grande indefinição. Afinal de que estamos realmente à espera? De uma cura milagrosa ou de uma vacina que tenha sido descoberta apressadamente sem que tenha sido suficientemente testada? Quantos estarão dispostos a correr o risco de administrar aos seus entes queridos uma vacina cujos efeitos secundários não são ainda suficientemente conhecidos? Deveremos aguardar que a doença simplesmente desapareça?

Com toda esta incerteza, como é possível gerir um negócio com sucesso? Se tem um restaurante e sabe que, neste momento, terá de sentar os seus clientes a dois metros de distância uns dos outros, como poderá servir um número de pessoas suficiente para cobrir as suas despesas? Não há países sem economia. Uma economia não é meramente um conceito abstrato. É o que nos permite ter a vida que temos. Não é possível ter uma vida como a que conhecemos sem ter uma economia que funcione. A sociedade implodiria e todos seríamos atirados de volta para tempos indesejáveis, em que não teríamos nada mais com que contar a não ser connosco mesmos.

Os países têm vindo a definir diferentes políticas e a tomar diferentes medidas para sair do confinamento. O conhecimento científico não está solidificado. Os governos cometem erros. Não são infalíveis. As ideias mudam. Nem sequer há consenso entre epidemiologistas e outros especialistas desta área. Com toda esta incerteza no ar, alguém terá de tomar decisões. Mas deixem que estas se baseiem o mais possível na ciência, nos factos e no senso comum, e não na política. Permitam que estas decisões tenham por base um equilíbrio de importância entre todas as dimensões do problema, e que não contemplem apenas uma. Acima de tudo, ouçam-se também os discordantes, aqueles que sempre acharam que o confinamento total não era uma boa ideia. Afinal, a liberdade de expressão e o protesto político sempre foram algo pelo qual as pessoas estavam dispostas a dar a vida.

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