Passado mais de um ano do início da invasão da Ucrânia, o mundo tem assistido ao conflito mais sangrento em território Europeu desde o fim da II Guerra Mundial. Esta Guerra trouxe-nos muitas questões sobre a Ordem Mundial, mas no contexto Europeu, trouxe um silêncio absoluto sobre o tema “Exército Europeu”, tema esse que tinha vindo a ser debatido ao longo de vários anos, sobretudo nos bastidores da política Europeia.

O conceito de Exército Europeu refere-se à potencial criação de uma força militar comum para a União Europeia e tem sido a França o principal motor desta causa, nomeadamente por Nicolas Sarkozy e Emmanuel Macron, que até conseguiram persuadir a Chanceler Angela Merkel a tomar também uma atitude positiva perante esta ideia, algo que irritou profundamente Donald Trump.

Importa recordar que a França é membro da NATO, e a sua relação com esta organização foi tudo menos pacífica. Em 1959, o presidente Charles de Gaulle considerava que os Americanos e Britânicos tinham demasiada força dentro da aliança, e propôs uma gestão tripartida. Não satisfeito com a resposta, decidiu retirar a França da NATO, e em 1966 não havia mais tropas Francesas debaixo do comando desta organização.

No entanto, nunca foi uma verdadeira retirada, pois os Gauleses apoiaram a NATO durante os seus 43 anos de afastamento, nomeadamente durante a Crise dos Misseis em Cuba, a Guerra Fria e mais tarde, na intervenção da NATO na Jugoslávia e no Afeganistão.

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Curiosamente, a França anunciou o retorno à plena participação na cimeira Estrasburgo-Kehl em 2009, (43 anos depois) e é quando o tema Exército Europeu volta à discussão com mais frequência.

Os Franceses são grandes defensores do Exército Europeu, no entanto há uma grande dicotomia no seio dos seus políticos. Tal como referido por Sarkozy, os franceses querem ter mais poder no comando da NATO, mas por outro lado não querem ficar amarrados ao controlo dos americanos, e vivem em conflito porque consideram que sua participação no comando militar da NATO pode pôr fim ao projeto de criação de uma defesa europeia.

Mas necessita a Europa de um Exército Europeu? A Europa ou a União Europeia?  No velho continente há já 18 organizações supranacionais, todas elas com interesses políticos e económicos. Conseguimos incorporar mais uma, esta com cariz militar?

Por si só, este tema levanta dúzias de questões que ainda hoje não têm resposta convincente.

Poderíamos começar por questionar quais são as novas ameaças que justificam tal necessidade. Será a invasão da Ucrânia o suficiente para justificar um Exército Europeu? O fluxo migratório e a necessidade de controlar fronteiras? A interminável militarização da China e da Coreia do Norte? O programa nuclear do Irão? O terrorismo?

Independentemente das novas ameaças que possamos enumerar, já existe a NATO, onde estão todos os países da União Europeia, mas esta última não tem uma componente de Defesa, pois tem vivido na sombra da protecção americana, e por tal, tem-se dedicado a todos os outros temas da sociedade, descurando a Defesa. Por tal, os EUA insurgiram-se contra o desinvestimento dos Europeus nas suas Forças Armadas, e  em 2014, na Cimeira de Gales, os membros da NATO comprometeram-se a investir um mínimo de 2% do seu PIB nas suas Forças Armadas – algo que a grande maioria, senão todos, não cumpriu. Este adormecer europeu fez-nos descurar princípios fundamentais, como a capacidade de subsistência. Ao longo dos últimos 30 anos, os europeus relocalizaram a grande maioria da sua indústria no sudeste asiático, tudo por motivos económicos. Convencidos da estabilidade e da paz mundial, em 30 anos perdemos o know-how e a capacidade produtiva. A pandemia foi o primeiro abrir de olhos, com a incapacidade interna de produção de medicamentos e materiais médicos e total dependência de fornecimento da China e da Índia. Hoje, estamos perante a incapacidade da industrial militar europeia. A falta de capacidade de produção de munições é um facto, e recentemente o Chanceler Oliver Schulz viu-se forçado a ir ao Brasil e tentar que Lula da Silva autorizasse a exportação de munições do maior fabricante da América Latina. Regressou de mãos vazias.

Sem dúvida que a Europa tem de se afirmar no campo militar. Com as crescentes tensões na Ásia e no Pacífico, o nosso Santo Protector (os EUA) tem de se redireccionar, tal como anteriormente anunciado por Barack Obama, e Bruxelas não pode deixar de reflectir sobre o tema. É uma prioridade.

Em termos de forças Europeias, o Reino Unido é a maior potência militar do continente, mas está na ilha que recentemente saiu da União. O maior exército é o Turco e grande parte da sua força está sentada na Ásia. Assim, como podemos falar em Exército Europeu? Como se vê, não será um tema de fácil consenso, e ainda nem abordamos a soberania de cada Estado Membro, o Comando e Controlo das Forças, a possível perda de identidade nacional, e muito menos da dificuldade na tomada de decisões por diferendos políticos. Por outro lado, temos países que em nada conseguem contribuir, ou com muito pouco. É exemplo disso Portugal, e a condição do seu equipamento diz tudo.

Podemos trocar soberania por protecção? Talvez as grandes potências vejam isso como a moeda de troca, mas não podem os mais pequenos e mais pobres cair não só nessa tentação, mas também nessa desgraça. Por exemplo, para Portugal significaria perder o controlo da sua Zona Económica Exclusiva e respectivos recursos marítimos e marinhos.

O apoio militar à Ucrânia tem demonstrado a verdadeira incapacidade europeia de gerir um conflito. Qualquer pacote de apoio militar demora semanas para reunir consenso. É exemplo disso o acordo para o envio de carros de combate, ou então a ainda não decisão do envio de aviões de combate. Ou então os pacotes de sanções à Rússia. São já 10 conjuntos e quase sem resultados. Talvez esta incapacidade seja propositada ou até tenha objectivos políticos obscuros, mas não nos esqueçamos que continuam a morrer civis e militares, e os cidadãos europeus não podem compactuar com este declínio de valores ocidentais.

Uma implicação potencial de um Exército Europeu comum é que poderia levar a uma redução da dependência dos Estados Unidos para o apoio militar. Isto poderia potencialmente pressionar a relação transatlântica, particularmente se os Estados Unidos perceberem que os seus interesses já não estão alinhados com os da Europa. Pelo contrário, um Exército Europeu comum poderia também conduzir a uma Europa mais forte e mais independente, o que poderia beneficiar a relação transatlântica a longo prazo.

Para abordar as potenciais implicações nas relações transatlânticas, será importante que a Europa e os Estados Unidos mantenham linhas abertas de comunicação e trabalhem para assegurar que os seus interesses se mantenham alinhados. Isto poderia envolver o estabelecimento de directrizes claras para a cooperação e coordenação militar, bem como a criação de mecanismos para a resolução de desacordos e conflitos.

O tema do Exército Europeu está muito longe de ser resolvido. E seja qual for a decisão, entretanto torna-se fundamental que os políticos Europeus consigam dar passos intermédios em assuntos prioritários, pois independentemente da decisão final, estes serão o pilar do futuro. A promoção de uma maior unidade e cooperação entre os estados-membros, assim como a capacidade de responder aos desafios de segurança, tanto dentro como fora das suas fronteiras, são apenas dois dos pilares a assegurar. Será igualmente importante assegurar que a solução futura esteja estreitamente integrada com as instituições existentes da União Europeia, tais como o Serviço Europeu de Acção Externa e a Agência Europeia de Defesa, assim como a Política Comum de Segurança e Defesa.

Dos diferentes pilares, um que não pode voltar a ser descurado é o da Indústria de Defesa. Não sendo de ignorar o valor acrescentado que traz à economia Europeia, tal como o respectivo desenvolvimento tecnológico e criação de emprego, a guerra na Ucrânia veio demonstrar como os Estados devem ser auto suficientes neste domínio, e uma Europa mais forte será uma Europa que está preparada para futuros desafios e que não depende de terceiros.

Numa conclusão pessoal, acredito que o contexto geoestratégico está a ser profundamente alterado. A solução para este tema passará por uma solução intermédia entre a actual NATO e um futuro Exército Europeu. A temática é complexa e exige um profundo debate, com ações imediatas. Enquanto se debate o tema, e será discussão para vários anos, os diferentes Estados têm de cumprir com os valores de investimento acordados na Cimeira de Gales e também investir fortemente na Indústria de Defesa. Não pode é a Europa continuar a ser governada com base em pressupostos pacifistas, quando nas suas fronteiras tem dois Estados altamente belicistas.

Melhores cumprimentos,

Francisco Cudell