À medida que as conversas do ano eleitoral americano se vão desenrolando através de histórias bizarras de cães assassinados, vermes comedores de cérebros e envolvimentos presidenciais com estrelas pornográficas, o mundo para além das praias ocidentais torna-se mais ameaçador a cada dia que passa. E está a tornar-se mais claro que entre as escolhas oferecidas ao povo americano no próximo Novembro está a que os indaga se estes gostam da sua política externa displicente ou imprudente.

Para muitos americanos é difícil recordar ou imaginar um historial de política externa mais displicente do que o do atual presidente. Começando com o ultraje de abandonar o Afeganistão e de o entregar aos Talibã, meses depois de Joe Biden ter tomado posse e semanas depois de ter garantido que não haveria uma tomada de poder por parte dos mesmos. E agora, aos olhos de muitos americanos, parece estar a terminar com a displicência de abandonar o seu principal aliado do Médio Oriente, que se emprega numa tarefa de eliminar o Hamas, que é não só o seu próprio inimigo, mas também um inimigo dos EUA. No fundo, cedendo à pressão internacional que se levanta derivado da situação vergonhosa em curso em Gaza, mas que para uma fatia substancial do eleitorado americano, é vista como um recuo condescendente e evidenciador de vulnerabilidade.

Pelo meio, o mandato do Presidente Biden tem sido marcado por uma diplomacia por vezes vista como desastrosa, tímida e estranhamente deferente para com os seus adversários estratégicos.”A América está de volta”, disse Biden no início da sua administração. Macron perguntou “Até quando?”. Três anos depois, podemos acrescentar: “Até não estar mais.”

Para seu crédito, a administração compreendeu rapidamente o significado e as implicações da agressão da Rússia na Ucrânia. Mas mesmo quando identificou a ameaça e forneceu assistência vital a Kiev, parou repetidamente de dar à Ucrânia o tipo de apoio que poderia ter permitido aos seus militares repelir a horda russa. Em vez disso, em quase todas as ocasiões, aparentemente receoso de provocar um conflito mais alargado com a Rússia, limitou o apoio para permitir apenas que a Ucrânia continuasse simplesmente a prolongar a guerra em vez de a ganhar.

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A administração também tem feito uma boa gestão para com a China, identificando o desafio estratégico que Pequim representa e até forjando alguns acordos diplomáticos e de segurança para construir uma aliança mais alargada contra a superpotência oriental.

Mas o fosso entre esta mudança retórica e diplomática e a afetação de recursos para a executar é cada vez maior. Enfraquecido por cortes reais nos gastos com a defesa, sobrecarregado por equipamento envelhecido e pessoal inadequado, o estado de prontidão das forças armadas americanas torna-se mais alarmante a cada semana que passa.

No Médio Oriente, para além de Israel, o passo em falso de alienar a Arábia Saudita, ao mesmo tempo que se perseguia a quimera de uma aproximação ao Irão, encorajou a República Islâmica, ao mesmo tempo que proporcionou novas aberturas à Rússia e à China na região.

Falar de forma ininteligível para as massas e carregar uma lança invisível é seguramente o caminho mais curto para se perder a superioridade estratégica que os Estados Unidos passaram um século a desenvolver.

Com a realidade de um império americano enfraquecido num mundo cada vez mais instável, não será surpreendente que boa parte dos eleitores americanos recordem a presidência de Donald Trump como uma era dourada do poder americano e da paz mundial. Mas estes deveriam olhar para trás com mais atenção para se lembrarem do que é uma política externa de Trump.

Foi o Presidente Trump que assinou o acordo inicial com os Talibãs para a retirada dos EUA e, embora afirme que não teria retirado da forma como o seu sucessor o fez, uma vez que os insurrectos foram encorajados desta forma, uma saída desordenada estaria sempre garantida.

No que respeita à Ucrânia, o Partido Republicano minou perigosamente a segurança nacional americana com os seus esforços para retirar o apoio à resistência ucraniana, em grande parte devido ao rancor pessoal duvidoso de Trump contra Zelensky e a uma fraqueza e admiração ainda mais duvidosa e pessoal para com Putin.

Para o grosso do eleitorado americano, Trump acertou em cheio no Médio Oriente enquanto presidente, renunciando ao acordo nuclear com o Irão, eliminando um dos líderes militares mais eficazes da República Islâmica, aprofundando aliança com Israel e a Arábia Saudita e, com os acordos de Abraão, deslaçando o nó cego das relações israelo-árabes.

Mas mesmo aqui Trump não está isento de culpas. Parece ainda guardar rancor de Benjamin Netanyahu por ter tido a ousadia de felicitar Biden por ter ganho as eleições há quatro anos.

É esta a imprudência que uma nova presidência de Trump ameaça, esta estranha elevação do ego acima do interesse estratégico comum e, em muitos casos, uma camaradagem com alguns dos homens mais improváveis e estrategicamente hostis do mundo. Quem será o próximo autocrata por quem Trump se poderá “apaixonar”, como fez com Kim Jong-un, o norte-coreano que gosta de executar os seus opositores políticos com artilharia antiaérea? O Ayatollah Ali Khamenei, talvez, se o líder iraniano for suficientemente astuto para dizer algo que encha suficientemente o ego de Trump? Entretanto, temos de aguardar o veredito dos caprichos de Trump também no que diz respeito aos seus aliados da NATO, entre os quais se encontra o nosso país e a nossa região geopolítica.

A este registo perigoso de preferir consistentemente os adversários da América aos seus próprios aliados, temos de acrescentar a manipulação imprudente de segredos governamentais por parte de Trump, dentro e fora do cargo.

De uma coisa podemos ter a certeza, as eleições que se aproximam oferecem mais quatro anos. Mais quatro anos de uma política displicente, incerta e enfraquecedora de Biden (com o bónus adicional de que parte desse tempo poderá ser partilhado pela perspetiva ainda mais alarmante de uma presidência de uma anti-carismática e irrelevante Kamala Harris no caso de doença ou inaptidão de Biden). Ou mais quatro anos de diplomacia imprudente e instável de Trump, cuja única bússola de vida parece ser a sua satisfação pessoal.

Cenário difícil para dois homens – longe de uma idade adequada para liderar impérios – à beira de serem recolocados num palco mundial cada vez mais moderno e complexo, cujo piso se encontra num impiedoso lamaçal rodeado de floresta em chamas.