Está a desenrolar-se na Assembleia da República um processo de revisão constitucional ao qual o país, à semelhança de tantas outras matérias de âmbito nacional de inequívoca importância, não tem dado a merecida e devida atenção.

A espuma dos dias, acompanhando a tendência frívola dos tempos actuais, encaminha de forma tendenciosa e sensacionalista os interesses dos portugueses para onde é mais conveniente a cada momento, deixando a descoberto importantes assuntos que, sem dúvida deveriam merecer uma demorada reflexão de âmbito colectivo.

A comissão eventual de revisão constitucional culminará em breve com a conveniente organização dos trabalhos que foram desenvolvidos até data, bem como com o agendamento necessário para as audições de algumas entidades, que foram escolhidas pelos partidos políticos para serem ouvidas e que terão de ser levadas a efeito até ao final do mês de Julho. Seguidamente, ao longo do próximo mês de Setembro os partidos políticos poderão então vir a apresentar propostas de alteração às suas próprias iniciativas, ou então às iniciativas que tenham sido propostas por outros partidos políticos, e somente depois disso, e porque a revisão constitucional exige aprovação por dois terços. poderão sentar-se para negociar as duas maiores forças políticas com representação no Parlamento, começando assim a fase decisiva de votação artigo a artigo.

Quase 20 anos depois esta será a oitava revisão efectuada à nossa Lei Fundamental.

Mas contribuirão os vários projectos de revisão constitucional, propostos pelos partidos políticos, para um fortalecimento da Constituição da República Portuguesa ou poderão estes vir a fragilizá-la, contribuindo até, em alguns casos, para a sua inviabilidade normativa?

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Os poderes de revisão constitucional existem e devem ser usados tendo por fim acomodar no texto constitucional situações até à data não previstas, oferecendo desta forma soluções que possam, no futuro, evitar violações constitucionais não desejadas e mantendo, concomitantemente, em equilíbrio a salvaguarda dos direitos fundamentais. É esse o caso, a título de exemplo, da necessidade de acomodar na Constituição questões relacionadas com a segurança sanitária, de modo a que se possa vir a agir preventivamente, do ponto de vista administrativo, sem que haja lugar aos atropelos e violações constitucionais a que assistimos na recente pandemia.

No entanto, o que dizer acerca de outras propostas levadas a efeito pelos partidos com vista a serem transformadas em texto constitucional? Serão grande parte delas de cariz verborreico e, por tal, desnecessárias?

O que dizer, por exemplo, acerca da mudança que se quer imprimir no que se refere à idade associada ao direito de sufrágio?

No texto constitucional em vigor a idade prevista no n.º 1, do artigo 49.º prevê que esse direito possa ser exercido por todos os cidadãos maiores de 18 anos. No entanto, existem propostas para que essa idade baixe agora, com a dita revisão constitucional, para os 16 anos de idade.

Será isso viável?

Poderá haver aos 16 anos de idade maturidade política para votar? Atendendo que o direito funciona por categorias formais, não se estará a criar uma assimetria de difícil manejo? Isto tendo em conta que a maioridade civil simplesmente não acompanha essa mudança.

E o que dizer relativamente à proposta de mudança da durabilidade do mandato presidencial dos actuais 5 anos para 7 anos?

Não será essa mudança fonte de perturbações futuras desnecessárias? Terá sido esta proposta pensada tendo em conta o Direito Comparado? Estará o país preparado, para com base na sua aprovação, vir a lidar com a indesejabilidade das consequências desde já previsíveis? Terão sido devidamente aferidas as possíveis consequências imprevisíveis que podem a isso vir a estar associadas?

Haveria muito mais a aflorar acerca das muitas propostas que constam na revisão constitucional em curso, umas por serem inequivocamente irrelevantes e inconsequentes e outras por remeterem futuramente para situações de possível inviabilidade normativa.

No entanto, poderá ser nas omissões e no silêncio, relativamente a determinadas matérias, que poderão residir talvez as maiores perplexidades inerentes à importância e pertinência desta revisão Constitucional.

Um desses silêncios refere-se à cooptação de juízes do Tribunal Constitucional. O que está actualmente consignado no texto constitucional, relativamente a esta cooptação, é uma excepção que já não encontra respaldo na situação política actual e se afigura pois impossível de manter. A solução, essa, como muitos constitucionalistas defendem, poderia vir a ser a designação, desses mesmos juízes cooptados, pelo Presidente da República, podendo vir a salvaguardar-se um período de tempo distinto para o decurso desses mandatos.  Mas sobre isso nada refere a revisão constitucional em curso.

Vivemos num tempo com contornos preocupantes, a vários níveis, onde facilmente podemos ficar com falta de oxigénio democrático. A constituição é uma forma se manter a oxigenação necessária ao desenrolar de uma sã e enraizada democracia.

Uma revisão do texto da Lei Fundamental não pode correr o risco de colidir com excessos que se traduzem numa verborreia excessiva de propostas inócuas e problemáticas, nem tão pouco em silêncios que omitem mudanças que deveriam ser incontornáveis.

(Escrito de acordo com a antiga ortografia)