Devemos ficar contentes quando um compatriota tem sucesso fora de portas. E, por isso, a escolha de António Costa para Presidente do Conselho Europeu (PCE) merece ser elogiada, como a de José Manuel Durão Barroso e António Guterres, todos eles ex-primeiro-ministros. Não sendo correlação causalidade, é interessante verificar que todos eles pertencem igualmente ao grupo dos líderes de Governo que menos bem fizeram ao país. Podia dizer-se que parece ser o curriculum necessário para se ser escolhido pelas instituições internacionais, deixar o país natal cheio de problemas, sem capacidade para os resolver. E todos eles a parecerem que se sentiram aliviados por nos deixarem.
António Costa ganhou a maioria absoluta a 30 de Janeiro de 2022 e tomou posse a 30 de Março. Pouco menos de um ano e meio depois o Governo de maioria absoluta, do qual se esperava que finalmente adotasse medidas estruturais, acumulava a saída de 13 ministros e secretários de Estado.
De Março de 2022 a 7 de Novembro de 2023, o ex-primeiro-ministro e agora Presidente do Conselho Europeu pareceu em geral ter desistido de governar. Chamou a si os assuntos europeus, pasta que costumava pertencer aos Negócios Estrangeiros, e de início estava mais fora do país do que dentro. Uma das viagens que ficou na história foi a que fez à Hungria em Junho de 23, onde assistiu à final da Liga Europa ao lado do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e que agora votou a favor da sua nomeação para PCE. Na altura quer o PSD como a Iniciativa Liberal perguntavam se António Costa estava em campanha.
Com todo o trabalho que teve na frente europeia e que, infelizmente para nós, não teve em Portugal, foi protegido pela sorte – que dá muito trabalho – e viu o seu sonho ser concretizado por causa da Operação Influencer, usando o parágrafo do comunicado do Ministério Público para se demitir. Sim, depois de tudo o que já tinha acontecido como seu Governo e com a descoberta de pouco mais de 75 mil euros na estante do seu chefe de gabinete, ficaria muito fragilizado, mas podia não se ter demitido até porque tinha uma maioria absoluta. E escusava, quer o ex-primeiro-ministro como algumas pessoas do PS, de transformarem o Presidente da República num alvo.
Durante o tempo da sua governação, não fez uma única reforma estrutural, não decidiu um único investimento estruturante – como o novo aeroporto ou a alta velocidade. Foi uma governação sempre atrás do prejuízo, que teve justificações no caso da pandemia e da inflação, mas que não se percebe noutra áreas. Deixou o seu Governo ao Deus dará e deixou-nos com uma imigração descontrolada, sem respeito pelos direitos humanos, serviços públicos degradados, como a educação, a saúde e a justiça, por exemplo, assim como um problema grave na habitação. E deixou-nos uma sociedade radicalizada, com os eleitores a serem chamados a eleições a meio de um caso de suspeitas de corrupção que conduziu o Chega aos 50 deputados.
Ah, sim, deixou-nos as “contas certas”. Só que esse equilíbrio orçamental foi conseguido à custa da míngua dos serviços públicos e, por isso mesmo, de sustentabilidade difícil. As poucas reformas que começou a fazer foram ditadas por Bruxelas, como condição para se ter acesso às verbas do PRR.
É com este curriculum na governação de Portugal que António Costa chega a Presidente do Conselho Europeu. Sim, é verdade que o perfil exigido para aquela função ajusta-se completamente ao que o ex-primeiro-ministro sabe fazer melhor: a negociação política, os jogos políticos. Quando o deseja ou quando lhe é útil porque sabemos bem como é implacável com quem o critica ou se coloca no seu caminho. Foi assim com António José Seguro, foi assim com Assunção Cristas, ex-líder do CDS, foi até assim e de alguma forma com o Bloco de Esquerda e foi assim com André Ventura que agora, ironicamente, quer pertencer ao grupo político de que Viktor Orbán é fundador.
As escolhas da União Europeia para as lideranças dos principais órgãos europeus são aliás incompreensíveis, como bem notou a primeira-ministra italiana Georgia Meloni. Na prática, foram os derrotados, o chanceler alemão Olaf Scholz nas eleições europeias e agora como se viu na primeira volta das legislativas o presidente francês Emmanuel Macron, que decidiram quem iria dirigir os destinos da Europa da União nos próximos cinco anos, indiferentes aos resultados eleitorais e ignorando a Itália. São estes mesmos líderes, tal como António Costa, que depois estranham o sucesso dos populismos, quando os alimentam.
Nós portugueses começamos a estar habituados a ser trocados, pelos nossos líderes, por cargos internacionais que os satisfazem mais. António Costa consegue sair sem que nos sintamos abandonados, apesar de tudo em melhor posição do que António Guterres, mas ao contrário do que aconteceu com José Manuel Durão Barroso, que deixou de ser primeiro-ministro para ser presidente da Comissão Europeia. Há qualquer coisa de fado neste nosso destino de não sermos capazes que os nossos governantes gostem de nos governar.