Não sou, prezado leitor, homem de cerimónias. E raramente escondo as palavras boas (algumas bastante inconvenientes, devo confessar) que devo ou quero dizer a alguém.

Não sei bem precisar quando perdi o pudor perante as coisas boas – ou o que quer que se chame ao filtro que se impõe à nossa voz quando o coração está perto da boca. Sei apenas que nem sempre foi assim. Creio que foi um hábito que a morte, essa companheira sempre presente em mim, me deixou.

Mas, no que aqui nos traz e diz respeito, aquilo que lhes quero dizer é simples: é que é sem vergonha que vos digo que eu Amo um Poeta.

Eu – Amo – um – Poeta.

E Amo um Poeta, porque ele me ensina a Olhar.

Amo um Poeta porque ele me ensina a Reparar; quer dizer, a Parar perante a realidade; a Reparar  no sentido de ver o que verdadeiramente importa; e a Reparar, ou seja, a fazer o necessário para mudar alguma coisa que não está bem.

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Amo um Poeta, enfim, porque ele me ensina a Amar.

Amo um Poeta porque é ele a resistência última, a barreira, o limite, a linha que me separa, a mão que me afasta da desumanização do mundo.

Sim, Amo um Poeta porque ele é o último reduto de uma vida onde o Eterno se sobrepõe ao efémero; de uma vida que era Vida antes de ser tomada pela utilidade, pela pressa que faz do minuto que passou um país estrangeiro que habitámos e onde não temos tempo de regressar; de um mundo onde o Olhar se sobrepõe à Visão; onde o Amor não é amor e por isso dá frutos; onde a intensidade da vibração do coração se sobrepõe à intensidade do mercado; onde o Outro é sempre mais importante que qualquer comedimento ditado pelas imperiosas e implacáveis regras dos respeitos humanos politicamente correctos.

Amo um Poeta porque é ele o guardador do Sonho (tenho a certeza que quem me lê, lá no fundo do seu coração, ouve já ecos de António Gedeão. E, porque não, do meu Poeta?).

Sim, Amo um Poeta porque é ele que nos ensina a não ceder – ou será mais correcto afirmar, que ele nos ajuda a sobreviver? – à brutalidade, às distorções da realidade, a essa criação a que Luís Filipe Castro Mendes chamou a Misericórdia dos Mercados.

Amo um Poeta porque ele me recorda que a vida só é Vida se for vivida intensamente, numa permanente mesa aberta, de coração escancarado para o coração dos outros de forma a conseguir sentir o seu bater, sem medo do que possam pensar ou da resposta ou retribuição que nos possam dar.

Amo um Poeta porque ele é e tende a ser a salvação última da humanidade neste mundo cada vez menos humano, cada vez mais célere, esquecido, desatendo e indiferente, onde cada vez mais não há tempo para conjugar verbos como parar e reparar.

Amo um Poeta porque a Poesia não serve apenas para passar o tempo.

Amo um Poeta e sei que Poetas – felizmente – há muitos.

(Ainda agora recupero o fôlego desse soco no estômago que foi a morte inesperada de Nuno Júdice – o poeta discreto que era Poeta.)

Mas, acima de tudo, eu Amo um Poeta.

E o meu Poeta chama-se Sebastião da Gama, que dentro de alguns dias completaria (ou completa? No fundo, ele continua vivo dentro de nós!) 100 anos.

E Amar Sebastião da Gama e não ter vergonha de o dizer a ele mesmo o devo, porque foi ele quem me recordou que não devemos ter vergonha de ser sinceros:

«Temos vergonha de ser sinceros, de que nos creiam parvos, ou maricas, ou fracos, ou lúbricos, ou estroinas. E então perdemos o melhor da nossa vida a ludibriar os outros e a insultar as nossas intenções mais belas e generosas. Ó Portugueses, é tempo de torcer o pescoço ao respeito humano. […] Começai a ser sinceros, deixai de ser irónicos, e vereis como tudo corre melhor e a vida tem outro sabor!» ( Sebastião da Gama in “Diário”, 9 de Março de 1948)

Obrigado Poeta.

Como te poderei pagar algum dia?