Deixa, Svea, tuas montanhas darem seu tesouro em dobro,
deixa a colheita florescer na noite das tuas florestas;
conduz as ondas do rio como súbditos domesticados,
e dentro da fronteira da Suécia, conquista a Finlândia novamente!

Assim se anunciaram, com um poema, as reformas liberais que levantariam um país, uma região, das correntes, da prisão, da miséria e periferia europeia para produzir uma das sociedades mais prósperas e desenvolvidas que o mundo alguma vez viu.

O dia era 4 de Junho de 1857 e Gripenstedt tinha absolutamente cativado a audiência de novo com sua retórica. Desde o primeiro dia ,em 1840 (aos 27 anos), que ele acumulava fama de orador: casa cheia, incluindo a oposição. Citando o poeta favorito dele, o grande orador tinha de novo provocado a audiência.

Não era suposto acontecer. Como seria possível? A pobreza era total neste rectângulo à beira-mar. Um país feito de miséria. E, no entanto, saberia ele que os dez anos seguintes com ele ao leme criariam as fundações para a transformação social mais incrível que a Europa alguma vez viu?

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Um rectângulo pobre e periférico à beira-mar. Certamente falaria de Portugal e sua miséria? Pois não! Falo sim da Suécia em pleno séc. XIX, 50 anos dentro do mesmo e ainda com uma memória da perda da Finlândia na guerra terrível de 1809 com a Rússia.

A miséria era total e ampla. Todos os países desenvolvidos à sua frente. As pessoas comiam as cascas dos pinheiros e abetos, comuns à região, misturadas com sopa para calar a fome. As vilas e aldeias, isoladas, viviam na mais ampla miséria.

A mortalidade infantil era digna da África subsariana e era bem pior que a nossa. O frio e gelo eram o dia-a-dia de lá. E nas cidades as pessoas viviam amontoadas umas em cima das outras.

C. J. Love Almqvist escreveria 19 anos antes, em 1838, uma declamação em torno da pobreza nobre do Sueco: “O sueco é pobre. Se ele entender isso, ele conquistou o núcleo da sua nacionalidade e é invencível”.

Soa-lhe familiar não é? Quantos políticos, de todas as cores e seus apoiantes, aceitam por estas terras o “grande destino da pobreza portuguesa”?

A glorificação da pobreza, a resignação… o queixume.

Somos pobres e uns desgraçados. Façamos a gestão disso.

Periféricos. Envelhecidos. Aceita!

No fundo, eis a glorificação da falta de visão.

E no entanto não tem de ser assim. Podemos, somos melhores que isto.

Somos mais.

Os cem anos de crescimento de Johan August Gripenstedt e o florear da Liberdade Nórdica planeado por ele é a história que poucos conhecem ou entendem. Especialmente na nossa esquerda que tanto fala e adora, mas não conhece ou entende, a região. Ainda hoje se encontram questões que ele antecipou. E onde o que ele criou hoje funciona.

Chamavam-no de ideólogo, o incumpridor da constituição, um radical com “floreados” para os incautos. Ele pegou e usou isso para as reformas desde que acedeu ao pódio.

E assim ficaram conhecidos os discursos dele para a história: as “Pinturas das Flores”.

O sistema medieval de Guildas foi eliminado e a economia toda liberalizada. O sistema de estatísticas dos mais avançados do mundo, ainda hoje em uso, foi criado em 1858. O sistema fiscal foi de tal forma revolucionado que as análises modernas fazem divisão pré-1862 e pós-1862.

Um parlamento bicameral, semelhante ao dos EUA, foi criado em 1866 para substituir os quatro estados antigos (clero, nobreza, burguesia e agricultores) pela primeira câmara (“Första Kammaren”) e a câmara baixa (“Andra Kammaren”): durou até 1970.

Acordos de comércio livre assinados, investimento em ferrovias realizados, educação financiada, sistema de eleições criado. O regime de municípios locais de 1862 foi instaurado: é daí que advém o modelo de IRS e a descentralização do país. E muito mais foi possível, todo um regime criado que vigora em grande parte ainda hoje.

Quem acabaria por se rir no final seria ele. Ele e as suas flores.

Os resultados no país, fruto destas reformas e instituições liberais (sinceramente demasiado resumidos acima) foram simplesmente espetaculares e ímpares mundialmente. A Suécia começou a industrialização com décadas de atraso, na pura miséria.

E todos os outros países ficaram para trás.

O sistema bancário livre durou o dobro do dos americanos: um único banco falhou em 70 anos. Funcionou bem demais e só acabou por ordem do sistema político. A esperança média de vida aumentou uns espetaculares 25 anos. A mortalidade infantil praticamente desapareceu. E muito mais se poderia partilhar.

E assim, nos anos 30, a revista LIFE, conhecida pelos trabalhos fotográficos, noticiava: eis o melhor país do mundo para se viver.

O aumento da produção per capita foi superado durante o período de 1870 a 1964 apenas pelo Japão.

E os socialistas, perguntará o leitor? E os social-democratas?

Certamente que o país é “socialista”. É isso que venderam. Que divulgam. Que insistem.

Pois os socialistas nórdicos não só surgiam inicialmente nos boletins de votos dos liberais, como o fundador deles, o grande Hjalmar Branting, sempre os teve em proximidade nas ideias e propostas. Aliás, o primeiro governo dos social-democratas, em 1917, foi uma coligação junior com liberais clássicos à frente do governo. E durante muitos anos, economistas liberais de relevo tinham influência no partido. A flexisegurança surgiu destes países por mão dos sindicatos e socialistas. Ainda nos anos 50 a Suécia tinha menos impostos que os EUA. Um dos primeiros slogans deles no séc XIX nos protestos de rua: “Não às tarifas da fome!”

Entende o que se está a dizer?

A Suécia levou os seus vizinhos escandinavos a reboque pela liberdade!

Uma linda Pintura das Flores da qual todos beneficiaram e só interrompida com a radicalização socialista dos anos 60 até à década de 90.

Hoje conhece-se essa época que durou até 1964 como “os cem anos de crescimento”.

Eu conto esta linda mas desconhecida história ao leitor por uma única e simples razão.

Se queremos ambicionar construir um país rico em possibilidades, mobilidade social e oportunidades temos de anunciar a nossa própria “Pintura das Flores”. E tal como um lindo jardim deve ser plantado e regado, também esta pintura deve ser regada em liberdade.

O princípio deve ser igualmente ambicioso: Um plano reformista amplo, sem rodeios nos objectivos a longo prazo, ciente dos custos de curto prazo e adaptável no meio.

Nada deve ficar de fora. Nada. Uma pintura das flores é ambiciosa. Uma pintura das flores é explícita naquilo que quer. Uma pintura das flores quer olhar para todos os temas sem vergonha. Uma pintura das flores vai gerar imensos anti-corpos.

A educação? O debate vai além dos cheques-ensino: todo um sistema precisa de ser discutido e preparado com alterações sequenciais ao longo dos anos. Emprego? Os trabalhadores precisam de liberalização do mercado de trabalho e serem eles próprios a organizar-se sem os grilhões do Estado. Impostos? O IRC deve ser diminuído e todas as derramas eliminadas; o fim do limite de anos para dedução de prejuízos implementado. O IRS deve ser simplificado: todas as deduções eliminadas e dois escalões instituídos em preparação da verdadeira descentralização.

O país deve inverter o rácio da função pública: em vez de 15% da função pública termos 85% a trabalhar para as populações locais. Seja saúde ou educação, o máximo de serviços deve ser local, descentralizado, e o primeiro escalão de IRS seria até a cargo deles eventualmente. Os municípios competem entre si, seja em serviços e impostos.

A constituição deve ser reformada, a carga ideológica removida, toda uma secção sobre liberdade de imprensa e a transparência total dos documentos do Estado adicionada.

Nem se tocou em pequena parte do que uma pintura das flores implica.

Em 1866 Gripenstedt de novo subiu com as imortais palavras: “Também nós podemos prever com certeza um desenvolvimento ao qual talvez nenhum outro país da Europa possa mostrar uma contrapartida.”

Acredito igualmente no nosso país.

São as palavras com as quais deixo hoje ao leitor a razão para sermos optimistas:

Nunca fomos tão pobres como eles e sempre tivemos ainda mais potencial.

E assim questiono o leitor. Vamos a isto? Para a nossa Pintura das Flores?

Apesar dos predicamentos difíceis em que nos encontramos há sinais de que vem aí o dia em que iremos “deixar a colheita florescer na noite das nossas florestas“.

Enquanto os jovens aderem, seja otimista. E enquanto eles se mexem, acompanhe.

Vive-se interessantemente por terras lusitanas aqueles dias e anos antes da tarde de 4 de Junho de 1857. Os anos sucessivos em que jovens se juntavam pelos bares e cervejas liberais e cujo movimento culminou na subida à tribuna de um jovem ministro das Finanças e suas flores. É palpável no ar.

Vem aí o dia em que teremos liberais em peso na assembleia com a mensagem.

Não de esquerda, não de direita, mas sim em defesa de um grande princípio humanista e “este grande princípio, este pensamento frutífero, chama-se liberdade: liberdade de acordo, liberdade de acção.

Anunciemos a nossa Pintura das Flores. É altura.