Em 1966, Richard Cloward e Frances Piven, sociólogos da Universidade de Columbia  e activistas de esquerda, delinearam um estratagema para forçar a instituição nos  EUA de um rendimento básico incondicional, publicado na revista The Nation sob o  título O Peso dos Pobres: Uma Estratégia para Acabar com a Pobreza. Asseveravam  os autores que «Se esta estratégia fosse implementada, resultaria numa crise política  que poderia levar a consagrar um rendimento anual garantido, assim acabando com a  pobreza.».

A estratégia Cloward-Piven, explicitamente declarada como «um assalto à  previdência» (sic), consistia em sobrecarregar propositadamente o sistema de  segurança social americano, conduzindo à sua falência. Passava por incitar o máximo  número de pobres a candidatarem-se a todos e quaisquer programas sociais para os  quais fossem elegíveis, produzindo a ruína total do sistema previdencial. Os autores  pretendiam assumidamente desencadear tamanha crise social, política, e financeira,  que a única solução para evitar o colapso do Estado fosse terminar todos os  programas sociais sujeitos a condição de recursos, e passar à pura redistribuição de  rendimentos a nível federal, sem qualquer controlo administrativo.

A estratégia não ofendia a lei. Mas os estrategas contemplavam apenas os seus fins  políticos, nada mais. Era manifesto o risco de esta crise gerar horrível carestia entre os  pobres que professavam defender. Por tempo indeterminado, o colapso do sistema  previdencial iria abandonar crianças e velhos americanos à fome. Mas isso não os  preocupava, nem lhes mereceu qualquer referência. A luta era tudo. Os pobres eram  meros cordeiros a sacrificar no altar do esquerdismo. Como, aliás, é da praxe nos  entrefolhos pragmáticos e utilitaristas de todos os activismos (a revolução não é para  corações moles).

Cloward e Piven notavam que «Em anos recentes, as comunidades locais têm sentido  crescente fricção étnica e de classe causada pela competição por bairros, escolas,  empregos, e poder político». As perturbações que desejavam criar iriam «gerar  severas tensões políticas, e aprofundar as actuais divisões na coligação Democrata das grandes cidades: a restante classe média branca, os grupos étnicos brancos da  classe trabalhadora, e os crescentes pobres pertencentes a minorias». O seu  propósito declarado era, assim, abrir um conflito racial, além de socioeconómico.

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A frase final de Cloward e Piven, lapidar no seu cinismo e impunidade: «Se os  organizadores [desta estratégia] puderem dar milhões de dólares em benefícios  monetários às massas do gueto, parece razoável esperar que essas massas dêem a  sua lealdade aos benfeitores. Pelo menos, elas sempre assim fizeram no passado». O  ethos da esquerda posto em evidência. A revolução, talvez um dia; até lá, o aumento  do eleitorado por todos os meios necessários, e a paulatina produção das condições  para o estalar da revolta.

A estratégia Cloward-Piven ilumina o modus operandi dos esquerdistas radicais: forçar crises inultrapassáveis para aumentar o seu poder. Alimentam-se com a dor e com o  conflito, e encolerizam-se com a paz e com a abundância, pois travam o motor  dialéctico que impulsiona a sua ideologia. Para poderem aparecer como salvadores,  não lhes basta exagerarem o tamanho da catástrofe. Há que alimentá-la, ou mesmo  criá-la. Para surgirem dos destroços como “bombeiros heróicos”, têm eles próprios que  atear os incêndios, pois raramente eles se ateiam sozinhos.

Também Portugal é hoje uma casa a arder, incendiada por estes “bombeiros”  pirómanos da esquerda política. A população imigrante em Portugal ultrapassa já 10%  do total. Independentemente dos juízos de valor que este fenómeno suscite (nem tudo  é bom, nem tudo é mau), é incontroverso que o aumento da população residente  avolumou a nossa grave crise habitacional. O fortíssimo aumento da procura gerou  escassez, aumentou os preços do arrendamento e da compra de casa, prolificou  condições de alojamento indignas e insalubres para os mais pobres e recém chegados, e aumentou a pressão sobre os serviços públicos, principalmente a saúde e  a educação, mas também a Segurança Social. No médio prazo, estes fenómenos vão  criar tensões sociais, ressentimento, xenofobia, conflitualidade. No longo prazo, vão afectar profundamente o nosso tecido social, criando desunião, segregação,  guetização, miséria, desigualdade, desesperança, infelicidade — as quais, como  constatámos em Portugal desde 1974, tendem a perdurar ao longo de gerações.

À primeira vista, parece um paradoxo que os partidos que defendem a imigração  irrestrita para Portugal sejam os mesmos que se arrogam paladinos dos imigrantes,  protestando contra a xenofobia e as suas más condições de vida, e simultaneamente padroeiros dos pobres e da classe média autóctone, que “misteriosamente” não  encontra casa condigna a preços suportáveis. Desconhecêssemos nós o modus  operandi esquerdista, e o enigma seria difícil de deslindar. Todavia, já sabemos que,  para esse sector político, os pobres são as peças mais sacrificáveis no tabuleiro da  política.

Enquanto a esquerda cria e alimenta estes males sociais, o seu poder aumenta.  Aumenta o poder do Estado, com mais leis, mais observatórios, mais programas — e  o Estado é a esquerda. É um ciclo vicioso que alimenta a dependência face ao Estado  dos indivíduos, das famílias, das empresas, das instituições de solidariedade social.  Mas também, e principalmente, destas centenas de milhares de imigrantes, que  julgando que vinham para Portugal para construírem uma vida melhor, vieram afinal,  tal qual nós que já cá estávamos, desempenhar o papel de joguetes nas mãos do  gordo, feio, pobre (mas estável, graças a Deus) Estado português. Quando dois  salários mínimos não chegam para arrendar um estúdio nos arredores de Lisboa ou  Porto, não culpemos os imigrantes, que não têm culpa nenhuma. Culpemos, sim,  estes “bombeiros” pirómanos que os trouxeram para a nossa triste casa a arder. E  façamo-lo nas urnas de voto, com toda a coragem e firmeza.