Bruno de Carvalho não tem condições para permanecer na presidência do Sporting pelas mesmas razões que não sentiu ter condições, ontem, para representar institucionalmente o seu clube na final da Taça de Portugal: a sua presença é factor de instabilidade para adeptos, equipa técnica, jogadores e claques. Perdeu os apoios que tinha entre dirigentes, incompatibilizou-se com accionistas, está em conflito aberto com os futebolistas mais emblemáticos do Sporting e, mesmo que indirectamente, está associado à violência contra os jogadores em Alcochete. Nesta fase, a sua permanência na liderança do clube trará mais prejuízos do que benefícios. A culpa é do próprio, que se deixou derrotar pelo seu estilo de presidente-adepto quezilento e rude – que foi tolerado pelos sócios em nome de um bem-maior, até que se tornou intolerável por visar aliados e equipa de futebol. O que tem o seu quê de trágico: o homem que melhor presidiu ao Sporting nas últimas duas décadas e que teve nas mãos a hipótese de atingir o Olimpo sportinguista sairá, afinal, pela porta pequena.

Sim, importa dizê-lo: nos últimos cinco anos, o Sporting melhorou muito graças à presidência de Bruno de Carvalho. Do ponto de vista financeiro, recuperou de uma situação de quase bancarrota. Renegociou o pagamento da dívida do clube, baixou as folhas salariais, equiparou o valor dos direitos televisivos e dos patrocínios ao dos rivais (que ganham mais títulos) e estabeleceu um rumo para a recuperação financeira da instituição – de resto, a SAD bateu vários recordes de lucros. No futebol, soube comprar jogadores para valorizar e soube vender outros por quantias recordes para o clube. Desportivamente, aumentou os índices de exigência e o desempenho do futebol, ganhando Taça de Portugal e Supertaça. É certo que não foi campeão nacional, mas é igualmente certo que foi o primeiro a ficar desiludido com esse fracasso – embora com ele tenham sido batidos recordes de pontos na liga. Ou seja, o Sporting voltou a ser competitivo, ao contrário do que era em 2013, aquando de um sétimo lugar no campeonato que afastou o clube das competições europeias. Mais: nas modalidades, devolveu prestígio e destaque ao clube – investiu na construção de um pavilhão, apostou na formação de equipas competitivas nas diferentes modalidades e tem somado títulos de campeão em várias.

Bruno de Carvalho fez algo ainda mais importante: devolveu dimensão ao Sporting. Durante anos e anos, os adeptos do Sporting habituaram-se a medir cautelosamente as suas ambições, a pensar pequeno, a lutar pelas sobras dos rivais. Bruno de Carvalho lembrou a todos que o Sporting era mais do que isso e empolgou pelo amor à camisola: o número de sócios do clube subiu em flecha, as médias de assistência no estádio também. Hoje, quando o Sporting não ganha, os adeptos sentem uma mágoa que haviam esquecido durante anos – as derrotas tinham deixado de doer.

Reconhecer todos estes méritos é uma questão de justiça. Mas não equivale a defender Bruno de Carvalho nesta hora negra causada maioritariamente por si mesmo – a sua saída é desejável porque uma linha vermelha foi ultrapassada. Sublinhar os méritos de Bruno de Carvalho serve para assinalar duas ideias que, nestes dias turbulentos, há que preservar. Primeiro, ao escolher Bruno de Carvalho nas eleições de 2013 e 2017, os sócios não se enganaram. Escolheram certo porque escolheram alguém que valorizou a instituição Sporting nas suas várias dimensões – financeira, desportiva e institucional – apesar de o seu estilo de liderança não se recomendar (e não agradar mesmo aos sócios que o elegeram). Segundo, agora, quando pedem a sua demissão, os sócios estão a utilizar o mesmo critério e a manter a razão do seu lado: o homem que antes valorizou o clube está, agora, a desvalorizar a instituição Sporting.

A compatibilidade destas duas ideias não é fácil de explicar num país em que tão facilmente se confundem as instituições com as pessoas. Sim, Bruno de Carvalho foi um bom presidente, mas isso não importa a partir do momento em que se torna o protagonista de uma crise institucional com implicações desportivas e financeiras. É essa a prova de fogo que o clube enfrenta e cujo desfecho dirá quão grande é mesmo o Sporting: como instituição centenária, tem o dever de exibir o vigor institucional necessário para se libertar de quem o está a prejudicar – mesmo que lhe deva muito dos seus sucessos recentes. É assim que as instituições se afirmam maiores do que as individualidades. E só assim é que as instituições podem sobreviver na adversidade.

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