Semanas impróprias para cardíacos na Europa

As previsões são sinistras para os mercados, e por sua vez para os objetivos europeus para a agenda climática, se a Rússia cortar todo o fornecimento de gás à Europa. Atualmente, as transferências estão a decorrer em níveis reduzidos, com o gasoduto principal fechado para uma manutenção de 10 dias e os receios estão a aumentar sobre se Moscovo voltará a ligar a torneira.

Muitos investidores perguntam: até que ponto isto pode ficar mau? A esta pergunta, os estrategas tentaram colocar números num cenário que seria impensável em tempos normais. Há tantas variáveis, como a duração de qualquer paralisação, a extensão dos cortes na oferta e até o ponto em que os países iriam parar para racionar a energia, sendo que a previsão de qualquer um destes fatores, é, na melhor das hipóteses, um palpite.

Enquanto isso, no motor da economia europeia

A economia alemã em particular enfrentaria uma “grave crise” caso os fornecimentos da Rússia parassem completamente, disse Christian Kullmann, presidente da Associação Alemã da Indústria Química, à Sueddeutsche Zeitung. “Em caso de um embargo total ao gás, temo um ataque cardíaco para a economia alemã, incluindo a nossa indústria”, disse. Como os produtos químicos são necessários para 90% de todos os processos de produção na Alemanha, o país entraria num impasse sem a indústria química.

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A indústria tem de ser favorecida em relação às famílias, no caso de um possível racionamento do gás. Kullmann sublinhou a importância de garantir emprego e rendimento. “É mais importante garantir empregos para a sociedade do que garantir o fornecimento de gás às famílias. De que adiantava se as famílias continuassem com acesso à energia, mas não poderem pagar para a ter?”. O Governo alemão advertiu que a decisão da Rússia de parar as entregas de gás causará graves danos a toda a economia, com o aumento do desemprego e com muitas empresas a falir. Como podemos imaginar, se o motor da economia europeia, adoece, os países europeus, como é o caso de Portugal, terão dias muito complicados.

Soluções precisam-se, que alternativas e quais os seus efeitos

A utilização de gás natural em processos industriais, como na produção de produtos químicos, não pode ser substituída de um dia para o outro. As empresas, a curto prazo, não podem tentar executar operações de forma mais eficiente, apenas podem diminuir ou encerrar a produção, conclui um artigo publicado recentemente pela Bloomberg (Clean Power Wire).

A Europa, nos seus planos de emergência, prepara-se para colocar várias centrais a carvão em modo de espera. Caso o fornecimento de gás russo pare subitamente, o religar destas centrais acrescentaria mais 1,3% às emissões anuais de gases de efeito estufa (GEE) europeias. Tais aumentos terão uma influência limitada nos esforços climáticos se, tal como se prevê, os objetivos de cortes das emissões, nos períodos seguintes, aumentarem também. Sabemos, no entanto, que tal decisão, e as incertezas causadas, estão a afetar no imediato a estabilidade do preço das taxas do carbono.

Como tudo isto afetará, ainda mais, os mercados europeus

Se não bastassem todos estes fatores para pressionar a subida do preço das licenças de carbono para níveis impensáveis, o Banco Central Europeu (BCE) apresentou na semana passada conclusões dos primeiros testes de stress climáticos, realizados este ano aos maiores bancos europeus, concretamente a 41 deles. Bancos estes que acabam por fornecer crédito e serviços financeiros aos restantes bancos de menor porte na Europa. No relatório divulgado pelo BCE, das conclusões daí retiradas saliento o fato da afirmação inequívoca que é feita relativamente à previsão do preço do carbono para 2030, como forma de corrigir a trajetória para o objetivo climático de 2050. Concretamente, na previsão anunciada, de a tonelada de CO2, que hoje se negoceia já perto dos 90 euros, vir a atingir os 300 euros.

Será necessário um preço de cerca de 300 euros por tonelada de CO2e no mercado europeu de carbono em 2030, para cumprir os objetivos do Acordo de Paris”. Conclui o relatório.

Os resultados da modelação de previsões de perdas e riscos financeiros deste primeiro teste de stress climático do Banco Central Europeu, divulgado na sexta-feira 08.07.2022, concluem ainda que “são urgentes medidas políticas rigorosas para evitar milhares de milhões de perdas financeiras em todos os bancos da zona euro, devido aos riscos climáticos.” (declarações do supervisor-chefe do BCE, Andrea Enria).

Recorde-se que estes testes de stress climáticos, nesta fase, serão meramente instrumentos de informação de risco, mas está previsto que dos resultados recolhidos, num breve futuro, a operação de toda a banca venha a ser afetada e por sua vez o crédito à economia (famílias e empresas). Os resultados obtidos nestes testes de stress afetarão as taxas de juro do crédito a pagar pelos próprios bancos, pois essas serão indexadas aos rácios obtidos nestas avaliações.

Comboio do clima europeu fora dos carris

É provável que os legisladores da UE pressionem para objetivos mais exigentes das energias renováveis para 2030 do que os Estados-Membros gostariam. Se não bastasse, o plano RePowerEU de Bruxelas para abandonar rapidamente os combustíveis fósseis russos está prestes a complicar ainda mais o cenário. A proposta sugere, para financiar a estratégia RePowerEU, fazê-lo à custa da venda de unidades de carbono detidas pela Reserva de Estabilidade do Mercado (Market Stability Reserve – MSR), mecanismo criado para retirar os créditos em excesso do mercado regulado e garantir a estabilidade das reduções. Tal possibilidade, além de trazer incerteza, desconfiança e instabilidade aos mercados do carbono, só pelo fato de ser anunciada, parece condenada a um caminho conturbado, com os eurodeputados de todo o espectro político a manifestarem-se contra a medida que consideram minar a confiança do mercado de carbono e os progressos em direção às metas de emissões.

O receio de um grande retrocesso climático por parte da UE pode ser exagerado, embora a margem de erro para atingir 1,5 graus até 2050 esteja a diminuir. O uso de mais carvão e gás natural importado, para substituir os combustíveis fósseis russos, significa que as emissões aumentarão este ano e no próximo cerca de 5%, segundo a Independent Commodity Intelligence Services (ICIS), mas também está a ser implementada legislação que exigirá cortes mais acentuados no final desta década. Se tudo correr como planeado, até ao final da década a quantidade total de gases com efeito estufa que a Europa liberta na atmosfera permanecerá alinhada com os objetivos, mas à custa de um exponencial aumento do preço das taxas de carbono.