Gerou-se nas últimas semanas em Portugal a ideia de que uma não aprovação do Orçamento de Estado significa uma crise no país, quase uma crise de regime. Algo que poderia acabar com o país, tal como o conhecemos.

Admito que possam existir muitas razões para que o establishment – políticos, comentadores e outros que tais, tenham tentado e, diga-se com enorme sucesso, gerar um clima de medo junto dos portugueses para a importância do orçamento passar a qualquer custo. Mas esse establishment precisa de inovar e perceber que estamos no século XXI, e que os Portugueses já não andam assim tão distraídos.

Percebe-se que o Governo promova esta tese. Interessa-lhe tentar sobreviver. Aos comentadores, a tese é apetecível, até porque com o comentário político nacional tão monocórdico e tão alinhado com as linhas de pensamento do Governo, convém fazer o jeito.

Fazem-se muitas teses complexas, colocam-se à mistura agências de rating e tudo o mais. Depois vem o argumento da execução do sebastiânico PRR, argumento que só demonstra a importância de apostarmos numa administração pública forte e em instituições que possam cumprir a sua missão e que não estejam permanentemente penduradas no membro do Governo que as tutela. Faça-se a definição de políticas no Governo, e a execução em instituições fortes, tal como acontece nas democracias mais avançadas.

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Já agora, muitas das preocupações como as do controlo da dívida do país são totalmente válidas. Mas bons argumentos individuais não fazem necessariamente a tese da dita estabilidade valer por si.

Estamos numa fase em que a grande tese é de que a estabilidade (isto é, a não mudança) é um valor em si mesmo.

Ora convém fazer perguntas e, no meu entender, as perguntas certas são:

– Não é esta possibilidade dos orçamentos não serem aprovados sinal da democracia a funcionar?

– É melhor um mau orçamento cheio de cedências (que o PS nunca proporia se não fosse o desejo da perpetuação no poder) ou ir a eleições e clarificar o que os portugueses pretendem e ter um melhor orçamento em meados do próximo ano?

Estas para mim são as perguntas que verdadeiramente merecem uma boa resposta.

A minha resposta pessoal é clara. Prefiro um melhor orçamento e uma clarificação política (qualquer que ela seja) e não um orçamento de cedências.

A Bélgica esteve mais de 600 dias sem governo e não acabou! Espanha esteve também sem governo muitos meses, ainda se lembram? Foi antes da pandemia e nesse período até cresceu mais do que a zona euro.

Naturalmente não defendo a não existência de Governo, mas um período curto com um governo de gestão enquanto se vai para eleições não é nenhuma desgraça fatal, e não seria seguramente o fim de uma nação com quase 900 anos.

Em Portugal continuamos a achar que o Estado e o Governo “valem mais” e fazem mais pelo nosso bem-estar, do que fazem na realidade.

Acordem, se não houver a possibilidade de termos um bom orçamento para o país, deixem a democracia funcionar. Vamos para eleições, os portugueses decidem e serão soberanos. Teremos o que tivermos, será a vontade dos Portugueses.

Desprendam-se, arrisquem e deixem a democracia funcionar.