A 6 de novembro alertei que corríamos o risco de ficar tudo igual. O rescaldo eleitoral atesta que nunca estive tão errada. A que preço?

Depois de mais de uma dezena de debates, dos altos e baixos da campanha, das sondagens, do “empatão” à derrota, o domingo acabou com o país a confiar a António Costa a segunda maioria absoluta da história do PS.

António Costa governa o país há seis anos e nesse período enfrentou dois anos de pandemia, eleições autárquicas com algumas baixas pesadas e todo o escrutínio habitual em democracia. Estes factores de erosão, que antecipavam um natural desgaste, fragilizavam o PS, mas, eis que António Costa consegue o impensável e recolhe a confiança de uma maioria portuguesa.

Durante sensivelmente dois meses, os portugueses contaram diariamente com a narrativa vazia, autoritária, e desonesta de Rui Rio. O receio do corte nas pensões, da perda do 13o mês e dos direitos, a muito custo alcançados, associou-se ao receio das carreiras congeladas, dos salários estagnados e de uma economia desacelerada. Estes medos reais, não foram plantados pelo PS. O medo do regresso aos tempos da troika e ao passismo foram criados pela própria possibilidade de o PSD chegar ao governo. Rui Rio, no seu habitual registo de comediante, entendeu que nada mais pode trazer ao PSD e sai pela porta dos fundos, como o principal derrotado da noite eleitoral.

O CDS, partido com assento parlamentar desde a Constituinte, e que vinha a assistir à debandada dos seus melhores quadros, acabou a noite sem qualquer deputado eleito. A frágil liderança de Francisco Rodrigues dos Santos e um partido desmobilizado não conseguiram contrariar o abandono de Rui Rio. Sem ideologia e sem liderança, o resultado do CDS, não sendo desejável, tornou-se uma inevitabilidade.

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O chumbo do OE mais à esquerda do Partido Socialista, precipitou umas eleições que o país não quis e resultou numa machadada, que marca o princípio do fim para alguns. A derrota da direita tradicional não pode ser comparada à derrota da esquerda “à esquerda do PS”. Se, de um lado, sai derrotada a oposição, por outro lado, saem, também, derrotadas as forças que apoiaram o PS durante seis anos. É certo que o país precisa de honestidade e de atores políticos com coragem para manterem as suas decisões, sem que elas sejam camufladas com desculpas esfarrapadas, mas há uma esquerda à esquerda do PS que sai claramente derrotada destas eleições.

O dia em que o PCP e o BE escolheram chumbar o OE, sem o deixar chegar à especialidade, foi o dia em que decidiram abrir a porta à eventual maioria do Partido Socialista (longe, claro, de saberem que isso ia de facto acontecer, mas uma vez de porta aberta…).

O dia em que o PCP e o BE escolheram chumbar o OE, sem o deixar chegar à especialidade, foi o dia em que sacrificaram o PEV e nomes tão importantes como António Filipe, José Manuel Pureza ou até João Oliveira. O dia em que o PCP e o BE escolheram chumbar o OE, sem o deixar chegar à especialidade, foi o dia em que decidiram escancarar a porta à ascensão da extrema direita a um hipotético governo do PSD.

É enternecedor ver os partidos de esquerda assegurar que voltavam a chumbar um orçamento, mesmo sabendo que sacrificaram metade de uma bancada parlamentar. Catarina Martins reorienta o Bloco de Esquerda como um partido de protesto e atira que cinco fazem o mesmo barulho de dezanove, mas em termos práticos isso não passa de uma bela poesia. Cinco deputados não fazem o mesmo “barulho” de dezanove. Mas doze deputados de extrema direita fazem mais barulho que cinco deputados bloquistas e seis comunistas.

É este o preço a pagar pelo chumbo. Ninguém intelectualmente honesto pode celebrar uma maioria absoluta deixando convenientemente de lado a ascensão da extrema-direita. Ninguém intelectualmente honesto se pode atirar ao pescoço do PS sem referir a ascensão da extrema direita. Há um preço a pagar no parlamento e essa factura implica termos, por exemplo, uma Rita Matias que plagia discursos de extrema direita e não um José Manuel Pureza com a entrega absoluta a um dos nossos bens mais precisos, o SNS.

O preço a pagar pelo chumbo representa a quase extinção dos partidos ecologistas, para que hoje o parlamento tenha a voz defensora do estado mínimo que coloca em causa o custo da defesa ambiental, colocando o crescimento económico, só por si, acima de todas as prioridades. A tendência inverte-se com a eleição de Rui Tavares, voz de esquerda progressista e que assumirá a agenda do Livre para o ambiente, agora sem PEV e com apenas um deputado do PAN.

As maiorias absolutas não são uma suspensão democrática, como muitos vaticinam. O papel do parlamento será fundamental, nos próximos quatro anos, para afirmar a democracia e a tolerância. É certo que a extrema direita reforçou a sua presença na Assembleia da República, mas esta só continuará a passar se os deputados democráticos abdicarem da defesa intransigente dos valores da igualdade, da tolerância e do respeito pela dignidade da pessoa humana. Só continuará a passar se os democratas permitirem a mitigação dos seus ideais e se os doze deputados do Chega forem capazes de condicionar a ação dos partidos que se assumem como defensores dos valores republicanos de abril.

Por outro lado, o Governo tem quatro anos para desfazer o mito das maiorias absolutas. No fim desta legislatura, António Costa terá sido primeiro-ministro durante 10 anos. Este período vai além da tradicional longevidade que os nossos governantes atingem e representa a oportunidade de António Costa deixar uma marca definitiva na vida dos portugueses. São quatro anos para virar a página da pandemia e recuperar o país, aproveitando a solidariedade europeia para imprimir um ritmo de crescimento económico e de aumento da qualidade de vida que os portugueses anseiam.

A governação, hoje reforçada, precisa de criar as condições para a afirmação de um Portugal que seja um exemplo claro e inequívoco de que as crises se superam, não deixando ninguém para trás. António Costa tem dado provas claras disso e os portugueses, reconhecendo o trabalho que foi feito, reiteraram e reforçaram a maioria do PS. Os desafios são inúmeros e estou certa de que este governo concretizará o fortalecimento que necessitamos e este virar de página deve representar, definitivamente, a construção de um Portugal mais justo, próspero e coeso.

É importante perceber que a maioria absoluta não nasce das crises dos Partidos à esquerda do PS ou do PSD. É importante perceber que os últimos anos foram anos decisivos na afirmação de um modelo social que esteve presente no momento em que os portugueses mais necessitaram. O que é certo é que foi o Estado Social que permitiu suster o impacto desta pandemia, dando suporte às famílias e à economia. O Estado Social é, como diz Pedro Nuno Santos, a cola que sustenta o nosso modelo de organização social e o PS esteve lá, recorrendo a todos os mecanismos ao seu dispor para enfrentar a mais grave crise sanitária. Os Portugueses confiam no Estado Social e foi, por isso, que confiaram no PS.

O PS, certamente, não irá encarar esta maioria como um cheque em branco e enfrentará a legislatura com a responsabilidade de quem quer estabelecer pontes, assumindo as críticas e ponderando as sugestões de todos os partidos democráticos, para que esta seja uma maioria de confiança absoluta.