Este país não é para velhos apesar de ser um país muito envelhecido, especialmente em Lisboa e nos concelhos limítrofes. Sou particularmente crítico da falta de rede e apoio social aos nossos cidadãos idosos em Lisboa e, sobretudo, no concelho de Sintra e, em particular, no caso de Queluz: que conheço bem e em primeira mão.

A rede social de apoio a cidadãos na terceira idade é tão ténue nas nossas principais cidades que, na prática, é como se não existisse: o apoio das Juntas de Freguesia é difuso (na melhor leitura) ou nulo (na pior): quando são questionados sobre a quantidade, localização e natureza dos centros de dia ou de lares de terceira idade na freguesia a resposta remete-nos para um link bruto onde se misturam associações de recuperação de toxicodependentes com centros de dia e associações desportivas. Por regra, nem sequer há segmentação ou descrição dos serviços e, em alguns casos, nada mais é cedido além da morada (nem telefones nem emails de contacto).

As próprias organizações que prestam este tipo de apoio são muito escassas e, na maioria dos grandes municípios portugueses e apesar de mais de metade da sua população (Censos 2021) ter já mais de 50 anos, não é fácil encontrar nem nos sites das autarquias nem nos motores de busca um lar de terceira idade com internamento. Em freguesias como, por exemplo, Queluz e Belas, com 52 414 habitantes, dos quais 9 126 com mais de 65 anos, das cinco organizações que – pela descrição e nome – poderiam prestar este tipo de serviços, apenas três responderam aos mails e destas uma não prestava o serviço, outra não o prestava na área geográfica de residência e a terceira não tinha vagas, enviando um formulário para “registo” para quando existirem vagas. Ou seja: ZERO resposta numa freguesia envelhecida que é apenas uma – entre muitas – daquelas que compõem a área metropolitana de Lisboa. As ofertas em centros de dia também são muito insuficientes: apenas encontrei uma associação que presta esse serviço mas a ronda para recolha de utentes é às 08:00, o que obriga os idosos a estarem prontos antes dessa hora, algo que, francamente, nesta fase da sua vida, já não devia ser exigido.

Portugal é um país envelhecido. Quem caminhar pelas ruas de Lisboa ou Porto pode ficar com outra opinião, dada a capacidade de atracção das grandes cidades para os “nómadas digitais”, turistas ou estudantes (muitas vezes também estrangeiros em Erasmus), mas se sairmos das zonas mais turísticas percebemos rapidamente que os dados do INE não mentem: este é um país de velhos. Mas que não é para velhos.

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A discriminação etária é flagrante e surge em praticamente todos os anúncios de emprego. A situação é chocante graças ao manto de silêncio e porque representa uma irracionalidade económica num país envelhecido que assim despreza a experiência e o conhecimento acumulado destes cidadãos. Urge legislar e fazer cumprir a legislação contra todas as formas de discriminação laboral e no recrutamento e tratar a discriminação etária como qualquer outra forma de discriminação: com veemência e mão pesada.

É preciso fazer um autêntico salto quântico na rede pública de apoio a cidadãos idosos em Portugal e, em particular, nas cinturas das grandes cidades portuguesas. Todas as autarquias e, em particular, as juntas de freguesia, que são quem tem (ou deve ter) uma ligação mais próxima com os cidadãos, devem ter registos actualizados e completos sobre toda a oferta de acção social para seniores nos seus territórios. Devem ter programas como o “Olá Bom Dia” da Junta de Freguesia do Areeiro (em Lisboa) que, ao telefone, realiza contactos regulares e monitoriza a condição dos seus cidadãos, assim como programas de apoio de pequenas reparações domésticas que permitam a eliminação de barreiras físicas, reduzir o risco de queda, facilitar a prestação de assistência pessoal, por forma a assim aumentar a autonomia e qualidade de vida dos seus cidadãos.

Sobretudo é preciso criar uma Rede de Lares Públicos sob Gestão Autárquica que ofereça cuidados de alta qualidade e dignidade aos idosos. É imperativo criar uma rede mínima de Lares Públicos sob gestão autárquica.

Esta rede deve estabelecer padrões elevados de cuidados, incluindo assistência médica, apoio psicológico, actividades recreativas e alimentação balanceada, visando a saúde física e mental dos idosos. Paralelamente, esta rede deve integrar os Lares Públicos na comunidade local, promovendo a participação dos idosos em actividades sociais, culturais e educacionais, fortalecendo seus laços com a sociedade.

A rede proposta de Lares Públicos sob gestão autárquica deve:

  1. Estabelecer Lares Públicos em áreas acessíveis, próximas a serviços médicos, centros comerciais, parques e áreas verdes, facilitando a interação dos idosos com a comunidade.
  2. Construir – pelo Estado Central – instalações modernas e adaptadas às necessidades dos idosos, incluindo quartos confortáveis, áreas de lazer, salas de atividades e espaços verdes para recreação ao ar livre. Estas instalações seriam depois geridas e administradas pelas autarquias locais.
  3. Contratar profissionais qualificados, como médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais para oferecer cuidados especializados e personalizados aos seniores.
  4. Desenvolver um programa variado de actividades, como artesanato, música, dança, aulas de informática e segurança da informação, palestras educativas e passeios culturais, promovendo o bem-estar e a aprendizagem contínua.

A rede deve ser financiada através de recursos governamentais e municipais, parcerias com instituições de caridade, doações da comunidade e iniciativas de captação de recursos, garantindo a sustentabilidade a longo prazo.

A criação de uma rede mínima de Lares Públicos sob gestão autárquica é uma resposta crucial às necessidades dos idosos no nosso país. Ao adoptar uma abordagem centrada no cuidado, dignidade e respeito, podemos criar um ambiente enriquecedor para os cidadãos seniores de Portugal, promovendo uma qualidade de vida significativa nos seus últimos anos. Esta proposta representa um compromisso com o bem-estar dos idosos e um investimento no enriquecimento da nossa comunidade como um todo.

A rede aqui proposta permitiria também devolver qualidade de vida aos mais de 200 mil cuidadores informais de Portugal, recolocando-os no mercado laboral, permitindo a realização do seu potencial pessoal e libertando-os de uma condição psicologicamente muito desgastante quando têm que dar apoio – sem preparação – aos seus familiares em condições mentais muito débeis e que exigem cuidados profissionais. A rede criaria também empregos de qualidade, com descontos para a segurança social e protecção na doença e desemprego, acabando com um mercado informal que existe além de qualquer pagamento de impostos ou contributos para a segurança social há muitos anos. A Rede de Lares Públicos permitiria igualmente acabar com os muitos milhares de lares ilegais que continuam a existir um pouco por todo o país, cessando com a actividade destas organizações que, frequentemente, não concedem aos seus utentes condições físicas e psicológicas minimamente dignas e que incorporam funcionários sem qualquer desconto para a segurança social ou direitos laborais.

Em resumo, é inegável que Portugal enfrenta um dilema preocupante: uma população envelhecida num país que parece não estar preparado para lidar com as necessidades específicas dos idosos. A falta de apoio social, especialmente nas áreas urbanas densamente povoadas, é alarmante. A discriminação etária persiste no mercado de trabalho, subestimando a riqueza de experiência e conhecimento que os idosos podem oferecer.

A solução para esse problema exige uma abordagem abrangente e urgente. É fundamental que as autoridades locais, especialmente as autarquias e as juntas de freguesia, assumam a responsabilidade de criar uma Rede de Lares Públicos sob Gestão Autárquica. Esses lares devem ser equipados com instalações modernas e adaptadas, oferecendo não apenas abrigo, mas também assistência médica especializada, apoio psicológico e atividades recreativas.

Além disso, é crucial integrar esses lares na comunidade, permitindo que os idosos participem em atividades sociais e culturais. A criação de empregos de qualidade para profissionais qualificados ajudará não apenas os idosos, mas também os cuidadores informais, aliviando-os do fardo emocional e financeiro de fornecer cuidados sem preparação adequada.

Essa proposta não é apenas um investimento no bem-estar dos idosos, mas também na construção de uma sociedade mais justa e compassiva. Ao proporcionar cuidados de alta qualidade e dignidade aos idosos, podemos criar um ambiente onde a experiência de envelhecer seja enriquecedora e significativa. É hora de agir e garantir que este país, que está envelhecendo rapidamente, seja verdadeiramente um lugar para todos, independentemente da idade.