Parece que é desta que a eutanásia será legalizada pela Assembleia da República, graças aos votos da maioria socialista, do líder do PSD e de alguns dos seus deputados, do Bloco de Esquerda, da Iniciativa Liberal, do PAN e do Livre, apesar dos previsíveis votos contra do PCP e do Chega.

Apesar de não ter sido feito um aprofundado debate nacional sobre esta questão, que o Parlamento se recusou a referendar, não obstante as mais de 76 mil assinaturas da petição popular nesse sentido, as entidades que, na anterior legislatura, foram chamadas a depor na Assembleia da República – o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a Associação Nacional de Cuidados Paliativos, as Ordens dos Médicos, dos Advogados e dos Enfermeiros, etc. – defenderam sempre a vida. Como o juramento hipocrático proíbe aos profissionais de saúde a prática da eutanásia, se esta for legalizada, não será, ao contrário do que prometem, uma morte ‘medicamente’ assistida.

Há pressa em avançar com este tema, talvez para evitar uma discussão que evidenciaria o despropósito deste retrocesso civilizacional. Se a legalização do aborto deixou desprotegidos os nascituros, a eutanásia afecta os idosos e os que padecem doenças graves. Há também quem queira fazer da eutanásia, como já acontece com o aborto, um negócio lucrativo e, por isso, esteja impaciente.

Portugal tem vindo a regredir no que se refere ao Estado social. Se legalizar a eutanásia, será um dos países ocidentais mais vulneráveis e atrasados em matéria de direitos humanos.

Se a vida humana inocente deixar de ser, no ordenamento jurídico português, um valor irrenunciável, já não se poderá falar, com propriedade, de um direito fundamental à vida, nem de que a sua inviolabilidade é um princípio constitucional. Se a vida pode ser tirada aos doentes e idosos, deixará de ser um valor em si mesma, para se converter num mero interesse, de que até o próprio pode prescindir. Ora, o que define um direito humano é o seu carácter universal, porque decorrente da natureza; absoluto, porque não pode ser relativizado; imperativo, porque a todos obriga; e indisponível, inclusive para o seu titular.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Há um chavão muito repetido pelos partidários da legalização do homicídio a pedido: ‘a vida humana é um direito, não uma obrigação e, por isso, ninguém deve ser obrigado a viver contra a sua vontade, sobretudo se se encontrar em situação terminal, ou de insuportável sofrimento’.

Apesar de o argumento parecer convincente, na realidade é uma falácia, até pelo recurso a uma terminologia propositadamente vaga – o que é um sofrimento insuportável?! – que abre a porta a todos os abusos possíveis e imagináveis. Se o homicídio, mesmo proibido por lei, infelizmente acontece, sobretudo no contexto da violência doméstica, o que ocorrerá quando a própria lei criar – valha a contradição! – um homicídio legal?! Se estes assassinatos estiverem tipificados de forma imprecisa, as vítimas ficarão, frente aos seus assassinos legais, totalmente desprotegidas.

Não se trata de desrespeitar a vontade da pessoa que quer pôr termo à vida, mas de não admitir uma acção que é contraditória: usar a liberdade para atentar contra a sua condição sine qua non, que é, precisamente, a vida. A liberdade humana existe para o bem do indivíduo e da sociedade e, por isso, o Estado não permite o seu uso contra a vida, tipificando como crime a acção de matar um ser humano inocente. Ao Estado incumbe a defesa da vida de todos os cidadãos, frente a qualquer agressor, mesmo que seja o próprio. Também aquele que se mata a si mesmo comete um homicídio, contra alguém que a sociedade tem a obrigação de defender.

A eutanásia é um crime em que as condições psicológicas da vítima – idade avançada ou doença grave – obrigam a duvidar de que essa seja a sua livre e consciente vontade. Muitos suicidas não querem morrer, apenas ver-se livres de um grande sofrimento, que podem evitar através dos cuidados paliativos. A sociedade deve saber interpretar esse desespero como um pedido de ajuda dos que desistiram da vida, não para os matar, mas para lhes dar assistência. Quem não auxilia quem atenta contra a própria vida pode incorrer em responsabilidade criminal, porque todos somos responsáveis por todas e cada uma das vidas humanas, sobretudo pelas mais frágeis, porque mais carentes.

Com a legalização da eutanásia, o nosso ordenamento jurídico deixaria de ser humanista: a vida humana, que é um bem de que todos somos responsáveis, passaria a ser um mero interesse individual, que cada qual geriria como muito bem entendesse. Sim, a vida é um direito, mas também é uma obrigação: os cônjuges devem-se um ao outro, como os pais se devem aos seus filhos e vice-versa; o empresário tem deveres para com os seus trabalhadores; o médico tem obrigações para com os doentes, como o professor para com os seus alunos; o soldado deve dar a vida pela pátria e, o mártir, pela fé.

Os doentes terminais têm todo o direito à nossa solidariedade e a um fim de vida sem dores, mas não têm o direito de matar ninguém, mesmo que esse alguém seja o próprio. Não existe um direito de morrer, nem Eutanásia: o direito de (se) mataruma obrigação de matar: o maior sofrimento não legitimaria o assassínio de um inocente. Quem pratica a eutanásia, consciente e voluntariamente, comete um crime contra a sua existência, e faz criminosos quantos o ajudam na realização desse seu iníquo propósito, por mais que a lei tente justificar o injustificável.

Não é o sofrimento que faz indigna a morte, mas o crime, de que a eutanásia é uma eufemística modalidade. A morte dolorosa pode ser, como acontece em relação aos mártires e aos heróis, a de mais valor, enquanto a eutanásia, se for fuga ao sofrimento inevitável, seria uma desonrosa deserção e, nesse sentido, uma morte indigna. Com certeza que se deve aliviar a dor dos moribundos e agonizantes, mas não a qualquer preço: duplamente indigna seria a morte que, ao crime de atentar contra a própria vida, acrescesse a ignominiosa cumplicidade de terceiros.

É uma lamentável hipocrisia que, também pessoas que se afirmam cristãs, sejam partidárias desta flagrante violação do quinto mandamento da Lei de Deus: Não matarás! (Ex 20, 13). Jesus disse: “aproxima-se a hora em que, todo aquele que vos matar, julgará que presta culto a Deus. Procederão assim por não terem conhecido o Pai, nem me terem conhecido a mim. Mas eu disse-vos isto, para que, ao chegar a hora, vos lembreis de que vo-lo tinha dito” (Jo 16, 1-4). Será que Portugal chegou, agora, a essa trágica hora?!