Le Livre d’ Image, qual Livro das Imagens de Rainer Maria Rilke, é uma obra de Arte. Não de Deus, mas de um Génio.

Restavam-lhe apenas três anos de vida. Aos 88 anos, Jean-Luc-Godard faz um filme onde as imagens são insufladas e explodem em estilhaços de cor, acompanhadas de monólogos filosóficos/poéticos e verdades científicas e históricas. Se não verdades, serão representações reduzidas e violentas de factos, que provocam nos espetadores um contraditório apaziguamento da alma e uma estranha  esperança na condição do  mundo e dos homens.

Lembro-me, ainda hoje, do primeiro parágrafo da obra Cem anos de Solidão, de Garcia Marquez, não tivesse tido o privilégio de ter sido discente do professor António Branco, na Universidade. O meu caríssimo professor que tanto me motivou para a literatura, já tinha lido o livro 72 vezes e usou o parágrafo inicial como objeto de análise e de estudo durante um semestre.

“MUITOS anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. (…)

Todos os anos, pelo mês de Março, uma família de ciganos andrajosos montava a sua tenda perto da aldeia e, num grande alvoroço de apitos e timbales, dava a conhecer as novas invenções.” Para o professor, apenas um excerto era suficiente para nos mostrar a plenitude da obra. Em tão poucas palavras, ele via todos os reinos e todos os mundos. E o papel do homem no enraizamento das civilizações.

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Godart começa o filme da mesma forma. Fala dos cinco reinos, fala dos cinco continentes e dos cinco dedos da mão. Como se tudo já existisse na sua perfeição e o homem usasse a sua habilidade para o modificar, manobrando o mundo e a sociedade.

Trata-se de um livro/filme de imagem testamento. Como se o realizador estivesse à beira do abismo da morte e reunisse todas as suas crenças, conhecimentos, dúvidas e angústias bem à maneira de John Ford, no filme 7 woman. Um realizador absolutamente crente em Deus e que revela uma pequena dúvida relativamente à existência deste Ente Divino, ao aproximar-se da perfeição enquanto ser, isto é, no seu fim.

Le livre d’Image reúne todas as formas de arte, desde a pintura, a música, a fotografia, a animação, o cinema, desde os primórdios.

Termino com a frase que fiquei a digerir desde que vi o filme: “A Guerra em si mesmo é divina pois é uma lei do mundo”.

A surpresa das surpresas aos 88 Anos. Génio.

Como num filme, o Fim de Godard continua.