Há cerca de 4 anos publiquei aqui no Observador, entre outros, um texto acerca da temática actual. Teve como título “Israel, o compasso e a esquerda Beluga”. Não sei quantas pessoas leram, mas os comentários escritos revelavam já a eterna guerra Esquerda vs. Direita, na análise dos conflitos entre Israel e a sua vizinhança. Fui reler e está bem actual. Basta constatar como houve silêncio ou negação face aos acontecimentos de 7 de Outubro. Não foi uma guerra, foi uma chacina – infame – a civis com muitos pormenores macabros. A característica rígida duma certa Esquerda, que tanto defendeu a Rússia na questão Ucraniana, é a mesma que “compreende”, e até justifica, o que se passou. No citado artigo, a propósito dos Bons – a Esquerda e os Maus – a Direita, premonitoriamente perguntava eu, evidenciando poderes de adivinho que desconhecia: “Afinal, Putin é de Esquerda ou de Direita?”.

Apesar de muito triste, não deixa de ser curioso o posicionamento de Pessoas e de Países perante o conflito na Ucrânia. Numa primeira fase, parecia que “todágente” condenava. No entanto, às semanas de silêncio de alguns seguiu-se, passados dois meses, uma narrativa assente em factos históricos. Afinal justificava-se a invasão. Para enfeitar, e complementar, a culpa também era da Nato. Naquele conflito, é novamente curioso, a existência de opinião de alguma Direita, nomeadamente na questão do cerco da Nato, que alinha com a posição de Putin. Resumindo, há invasões boas e invasões más.

Regressando ao Médio Oriente, embora eu pense que está tudo ligado, esta invasão do território de Israel não foi um acto de guerra, mas uma manifestação de barbárie. Também neste caso parecia que “todágente” iria condenar, pelo menos, os meios já que os fins sabemos que alguns os defendem. A História, de facto, não se repete, mas… tem boa memória. Um novo “Holocausto” como alguns o descreveram – parte das vítimas foram encerradas e queimadas – e um outro Yom Kippur com guerra, 50 anos depois.

Obviamente que o título que escolhi para o presente texto pretende chamar a atenção para a situação existente, há muitos anos, na região. A ocorrência de – muitas – guerras é uma situação bem anterior à “criação”, em 1948, do Estado de Israel. Ora, todos os conflitos posteriores deveriam envolver o “ocupante”. A realidade não nos diz nada disso. A Guerra Irão – Iraque, que decorreu de 1980 a 1988, baseou-se em disputas de território e numa tentativa do Iraque de se aproveitar da presumida desorganização das forças armadas do Irão, decorrentes da Revolução Iraniana. Tinha implícita uma outra guerra: Sunitas vs Xiitas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se analisarmos bem o posicionamento de alguns Países face às nações em conflito, dá que pensar. Os EUA a apoiar o regime do Iraque de Hussein, a par de alguns Países Ocidentais? E que dizer do apoio da União Soviética? E ao lado do Irão estava a China, a Coreia do Norte e… Israel. O Iraque possuía um Reator Nuclear em Osirak/Tammuz que era fundamental para o seu programa nuclear. É montada a “Operação Ópera “e em 7 de Junho de 1981 a Força Aérea Israelita bombardeia e destrói o Reator Nuclear que ainda não estava concluído. Para além de ser comprador de equipamento militar israelita, o Irão irá facilitar no final da guerra, a saída da comunidade judaica Persa para Israel e EUA. Obviamente que o Irão sempre negou esse apoio e fornecimento por parte de Israel, no entanto, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido – Jack Straw – em entrevista recente, confirmou a colaboração entre os dois Países e referiu que o Irão terá comprado, durante a guerra, equipamento a Israel no montante de 2 Mil Milhões de Dólares. Os EUA e até a China terão, em períodos diferentes, fornecido equipamento e apoio aos dois Países em confronto.

Nada que nos possa surpreender. Afinal, numa visão mais clássica, quem era o Mau e o Bom nesta Guerra? Tal como noutros casos, os apoios dos Países e das Pessoas regem-se muito pelos interesses – sim, também os da Indústria Militar – existentes, quer económicos quer políticos. Para além dos Religiosos que nesta guerra eram óbvios: Arábia Saudita e Egipto do lado Iraquiano e Líbia e Síria do lado do Irão. De realçar que o Irão é que foi invadido. Obviamente que Israel tem de acompanhar o que se passa na região. Curioso o facto de os EUA terem apoiado o Iraque e Israel ter colaborado, como referi, com o Irão.

Aconselho todos os leitores que se interessem pelo tema a ler a História da região a partir do início do Séc. XX. Facilmente perceberão a influência que teve o términus do domínio Otomano, todas as movimentações na região durante a I Grande Guerra e as consequências do seu desfecho. Há uma ideia formada – e, já agora, um preconceito – de que existia uma estabilidade de Países e Povos na região e que o estabelecimento de um Estado como o de Israel é que veio complicar tudo. Para não ir para muito longe, basta analisar como nasceu o que hoje denominamos como Jordânia. Como tudo começa em 1920 e ir-se-á concluir em 1946 – pós II Grande Guerra. A influência determinante dos Britânicos é bem clara em todo o processo e vai-se estender até à actualidade.

Curiosamente, ou a talvez não, alterou naquela data, a denominação de Emirato para Reino. Denominado de “Reino Haxemita da Transjordânia “irá invadir a Palestina em 1948 e anexar a Cisjordânia dois anos depois. Um é o primeiro confronto com Israel. A invasão da Cisjordânia, provoca a primeira desavença com a Liga Árabe. Em 1953, após algumas vicissitudes com a liderança, o Rei Hussein, com apenas 18 anos, toma o lugar do seu Pai. Quatro anos depois resiste a uma tentativa de golpe de Estado e no ano seguinte sobrevive a um atentado organizado pela Síria. Parte da sua educação decorre no Reino Unido e manterá sempre relações preferenciais com aquele País e com os Estados Unidos, que até o irão ajudar na modernização das suas Forças Armadas.

Em 1967, novo confronto – a Guerra dos Seis Dias – onde a Jordânia é derrotada e, como consequência, irá perder a Cisjordânia e a parte oriental de Jerusalém. Irá, também, ver chegar muitos refugiados Palestinianos ao seu território com graves consequências políticas. Para poupar os leitores, apenas vou referir que tendo Arafat, líder então da Fatah (integrante já da OLP) estabelecido acampamentos diversos pelo País, inicia uma tentativa de conquista do poder global. O Rei Hussein, em Setembro de 1970, deu conta que lhe queriam tomar o País – mais uma vez com o apoio dos amigos Síria e Iraque – e desencadeou-se uma Guerra Civil que terminou apenas em Julho de 1971. Passou à História como Setembro Negro. Arafat diria mais tarde que o Exército Jordano teria matado cerca de 20 mil Palestinianos. Tudo terminou com ajudas várias e com a expulsão da OLP e de Arafat e dos seus guerrilheiros para o Líbano.

A Guerra provocou, de novo, um movimento de Palestinianos, essencialmente para o Líbano. Tendo aprendido com tanto sobressalto, na chamada Guerra do Yom Kippur não se envolve e apenas envia uma brigada para a Síria para defesa daquele País. Manteve, assim, uma via aberta perante Israel e os Estados Unidos, onde estudara. Para terminar, passemos a eleições. Apenas em 1974 as Mulheres foram autorizadas a votar. Durante quinze anos não fez qualquer diferença dado que apenas em 1989, o Rei convocaria eleições e, como tal, as Mulheres Jordanas puderam votar. Mesmo assim, apesar de não ter apreciado o resultado – os partidos ligados ao Fundamentalismo Islâmico saíram vencedores – ainda empossou o Parlamento. No entanto, inicia e desenvolve contactos com o amigo Americano de forma a obter um Tratado de Paz com Israel. Em 1991, na Conferência de Madrid, com o apoio também da União Soviética, inicia formalmente negociações que se intensificam em 1992, mas sofrem um percalço – o Rei está doente. É tratado nos EUA e consegue sobreviver. Em 1993, já recuperado, viu uma oportunidade e dissolveu o Parlamento e convocou eleições. Ganharam as forças moderadas e o Rei, embalado por essa dinâmica, intensifica os contactos e encontra-se em 25 de Julho de 1994 nos EUA, na presença de Bill Clinton, com Yitzhak Rabin. O acordo formal terá lugar três meses depois. Em 1989, não irá resistir a uma recidiva. Casou 4 vezes, sendo que o 2ª Casamento foi com uma Inglesa – Mãe do actual Rei – e o 4ª e último com uma Norte Americana. Esclarecedor. O actual Rei Abdullah II, também teve uma educação esmerada no Reino Unido e nos EUA. Confusos?

Bastou ver como Abdullah II reagiu face aos recentes acontecimentos. Em encontro recente com o Chanceler Alemão, foi liminar a informar que não aceitava refugiados Palestinianos. E acrescentou que o Egipto também não.

Ora, o Egipto tem fronteira a Sul da Faixa de Gaza, por onde têm entrado os camiões com ajuda humanitária, é o mesmo Egipto que invadiu Israel em 1973, mas que assinou em 1978 um Acordo de Paz com aquele País.

Sabemos que antes do 7 de Outubro existiam conversações muito avançadas para um acordo entre Israel e a Arábia Saudita. Algo me diz – avançando para uma teoria da conspiração – que o timing da operação veio “mesmo a calhar “.

Para complementar as influências regionais, temos a posição da Turquia – os Otomanos modernos. Erdogan, que se tem demonstrado tão solícito a negociar a Paz no conflito Ucrânia – Rússia, não esconde as ambições da Turquia para o Médio Oriente. Um Presidente de um país da Nato (?!) que afirma que “ o Hamas não é uma organização terrorista “ para dias depois o apelidar de “ grupo de libertação “, diz tudo quanto aos seus interesses na região.

Tenho escutado os comentadores – sabem de Ucrânia e sabem de Médio Oriente – acerca deste conflito e o que tenho ouvido são opiniões. A análise objectiva – excepção feita a Henrique Cymermam – raramente está presente porque, de facto, Israel tem “má imprensa”.

O texto já vai longo, mas voltando ao título há que referir que o que se passa não é uma guerra entre Países, mas o resultado de uma acção terrorista num País soberano. A acabar este texto, fiquei a saber que foi permitida a saída, a Sul, pela fronteira com o Egipto de cerca de 400 pessoas sendo 80 deles Palestinianos feridos e os restantes cidadãos estrangeiros. A medição foi do Catar. Catar este onde vive grande parte dos líderes políticos do Hamas. Os restantes, vivem na Turquia. Elucidativo.