Muito se tem escrito acerca dos resultados das últimas Eleições Legislativas, mas ainda pouco sobre o futuro modelo de governação.

Ora, o que a história dos últimos 45 anos nos tem demonstrado, a lembrar o que se passou na 1º República, é que legislaturas completas apenas alguns Primeiros Ministros se podem gabar.

Analisando bem o que tem sido o comportamento do nosso Partido Socialista, não nos podemos queixar dado tratar-se de um antibiótico de largo espectro”.

Senão vejamos: é necessário negociar com o FMI um primeiro empréstimo para salvar o País? O PS resolve! E resolveu mesmo… como ?

Em 1978, aliando-se ao CDS — que ficou com três Ministérios — em coligação governamental , durante sete meses, ou seja, de 20.1.78 a 29.8.78. Parece pouco tempo, mas muita coisa se passou e com importância para o futuro do Pais, a começar pela revelação da capacidade inata de Mário Soares em encontrar soluções.

De registar que saiu Lopes Cardoso, em Fevereiro, criando a UEDS e ainda se processou a integração, no PS, de diversos ex-MES que tinham fundado o GIS, entre eles um futuro Presidente da República (Jorge Sampaio), entre outros ilustres vultos daquela área de pensamento. Mário Soares demonstrou, inequivocamente, que era capaz de não só de “colocar o socialismo na gaveta”, como também absorver alguns dos irmãos desavindos.

Este mesmo governo PS–CDS, ou seja, Mário Soares e Freitas do Amaral, sujeitou-se até a moções de censura quer da CDU, quer do… PPD.

Começava aqui, sem se ter a noção na altura – que era difícil – a capacidade que o PS iria desenvolver,  ao longo dos anos  e até ao presente, de actuar como um antibiótico de largo espectro, no qual era o “princípio activo”. Chega a todo o lado e trata qualquer infecção, mesmo que longínqua.

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Em 1983, dando continuidade a uma política de alianças de “largo espectro” e visando a sua  manutenção como partido de poder, faz outra coligação… neste caso com o PPD/PSD.

As eleições legislativas portuguesas de 1983 tinham-se realizado no dia 25 de Abril, após tempos conturbados em resultado da morte de Sá Carneiro e Amaro da Costa em 4 de Dezembro de 1980, apenas dois meses após a vitória da AD, em 5 de Outubro do mesmo ano.

De facto, após a morte de duas das maiores figuras da AD, Pinto Balsemão fora indigitado primeiro-ministro em Janeiro de 1981, mas nunca viria a ser um líder consensual, sofrendo uma forte contestação interna e externa, até decidir apresentar a sua demissão em 1983. Ramalho Eanes teve que convocar — mais umas — eleições antecipadas.

Embora não seja o objectivo do presente texto, se calhar terei de voltar ao resultado destas eleições, porque têm uma certa similitude com as de 2019.

Mas voltemos a 1983. O PS foi o vencedor (36 % e 101 deputados), o PSD, após o fim da AD, conseguiu 27% e 75 deputados, a APU (PCP + MDP, a CDU da altura) obteve 18% e 44 deputados e o CDS 12,6% e 30 deputados. Por fim, a União Democrática Popular (futura integrante do BE ) perdeu o seu único deputado. A Assembleia da República tinha 250 deputados.

O que resultou de uma votação destas surpreenderá muita gente nos tempos actuais. O PS teria uma maioria, confortável, com a APU (145 deputados) mas, como sabemos, jamais Mário Soares faria uma aliança dessas.

Nunca saberemos o que pensaria da “geringonça” mas, naquela altura, não lhe passou pela cabeça, certamente, uma solução desse tipo. E com quem o PS fez a coligação? Com o PSD!

Entretanto o PSD já tinha, como líder, Nuno Rodrigues dos Santos. Nasce, assim, o Bloco Central. Mais uma vez, o PS actuava como um partido de largo espectro.

Mas novamente estávamos em colapso e fomos compelidos a solicitar um resgate ao FMI, o qual foi concedido, e para tal, certamente, contribuiu existir um amplo consenso governamental.

Apesar da larga maioria parlamentar, o governo PS-PSD só iria durar dois anos, aplicando duras  medidas de austeridade o que, aliado à grande oposição de várias figuras destacadas de ambos os partidos, contribuiu para o seu fim em 1985.

Entretanto, tinha morrido em 1984 o líder do PSD, o qual foi substituído por Carlos Mota Pinto. Depois, sabemos o que se passou: Mota Pinto demite-se de líder do PSD e morre duas semanas antes do Congresso da Figueira da Foz onde despontará um novo líder: Cavaco Silva.

Ainda em 1985, o PSD ganha as Eleições e governa até 1987, quando uma moção de censura do PRD (apoiada por uma maioria parlamentar), interrompe a legislatura. Em 1987, o PSD obtém a primeira maioria absoluta após o 25 de Abril e repete-a em 1991 .

Chegamos a 1995, o PS ganha as eleições mas com maioria relativa, no entanto, para reforçar tem a vitória nas Presidenciais de… Jorge Sampaio (que, lembrem-se, tinha entrado no PS pela mão de Mário Soares em 1978, durante o tal governo PS -CDS), permitindo a continuidade de um socialista, que sucedia a outro socialista… Mário Soares.

Larguíssimo espectro. Governo e Presidente do mesmo partido, o PS.

São conhecidas, também, as vicissitudes seguintes com o “pântano” de Guterres, os sucessivos líderes – e consequentes derrotas — do PSD, a era “socrática” , a chegada da troika  e… chegamos a 2011 quando Passos Coelho em coligação com CDS/PP constitui um Governo que os muitos analistas reputados (também se enganam) asseguravam convictamente — talvez todas as semanas — que não terminaria a legislatura. O que sucedeu foi que… terminou.

E, pasme-se, “oh gente”, que até ganhou as eleições em 2015, com a PáF !

Mas… o Antibiótico de Largo Espectro, com o seu Princípio Activo — PS de seu nome –, voltou a ser fundamental para impedir o alastramento da infecção (PSD /CDS) e constituiu uma solução alternativa, juntando-se no fármaco a algumas “mezinhas” de Esquerda (CDU e BE).

Aqui chegados, voltamos ao princípio: CDSPPDPSDPSCDUBE(m-l) .

De facto, temos que reconhecer que o PS é um Partido Global e foi o único que fez, ao longo do seu percurso, coligações e outras formas de colaboração com todos os partidos da direita à esquerda, integrantes do chamado “Arco de Governação” que, desde 2015, é todo o Hemiciclo.

Tinha tido coligações, no passado, com o lado “direito” do Hemiciclo, na última legislatura fechou o quase círculo e complementou com o lado “Esquerdo”. É o totalista de largo espectro !

Mas perguntar-me-ão: o que significa o “m-l” entre parêntesis ?

Os mais velhos lembram-se de Partidos que surgiram (ou já existiam na clandestinidade) no pós 25 de Abril e que utilizavam esta fórmula ou a integravam no nome para realçar que se tratavam de partidos marxistas-leninistas. Havia diversos (entre outros, a OCMLP) e, até, um que se chamava PCP(m-l)  que se reclamava maoísta e que se afirmava contra o PCP que conhecemos, a quem chamava revisionista .

Ora, o “m-l“ neste caso, significa “mais Livre”.

As siglas constantes no título visam comprovar que o PS conseguiu, ao longo de mais de 4 décadas, coligar-se ou ter apoio parlamentar de todos os Partidos. O Livre já demonstrou disponibilidade – e o PS também – para futuros entendimentos, pelo que se justifica o “m-l”.

O Governo, como parece, irá privilegiar a negociação de propostas “caso a caso”, o que torna bem actual o CDSPPDPSDPSCDUBE(m-l)

Não assistiremos à aplicação do Programa do PS (tirando a influência do Ministério das Finanças), mas sim a negociações bilaterais para aprovação de medidas quer à esquerda, quer à direita, de acordo com a denominada “agenda política”.

Ao finalizar este texto, tomei conhecimento da constituição do novo Governo e da sua dimensão. Trata-se do maior executivo desde o 25 de Abril, dado que o Primeiro Ministro já percebeu que precisa de mais gente para as negociações sistemáticas que aí vêm. Para tal, justifica-se uma sigla igualmente extensa: CDSPPDPSDPSCDUBE(m-l) será .

Vamos ver o que nos guarda o futuro mas, desta vez, mesmo tendo em conta a dimensão do Governo, sou de opinião que a XIV Legislatura, apesar da “práxis” (termo caro a marxistas) do nosso primeiro-ministro, não chegará ao fim.