No próximo Domingo 24 de Novembro há eleições presidenciais na Guiné-Bissau. São eleições decisivas para o futuro de um país lusófono constantemente adiado e bloqueado pela instabilidade política. Ao contrário de Angola e Moçambique, a Guiné-Bissau, depois da independência, não teve uma guerra civil prolongada, embora tenha tido uma grave crise político-militar em 1998-99, presidentes e altos dirigentes políticos e militares assassinados, e problemas sérios de crime organizado como corredor de narcotráfico.

As eleições presidenciais de Domingo 24 são muito importantes: o país vive há anos uma paralisação a nível de decisão, motivada pelo conflito entre o Presidente da República e o líder do partido maioritário, o PAIGC. O presidente José Mário Vaz, economista de formação e antigo Ministro das Finanças, eleito à segunda volta em 2014 numa candidatura apoiada pelo PAIGC, alimenta um ódio de estimação pelo líder do partido, Domingos Simões Pereira.

Simões Pereira, de 56 anos, é engenheiro civil, foi Ministro das Obras Públicas em 2004-2005 e depois Secretário Executivo da CPLP, cargo que lhe trouxe prestígio e amizades nos países lusófonos, particularmente em Portugal. Em Fevereiro de 2014, no 8º Congresso, realizado no Cachéu, foi eleito presidente do PAIGC, sendo depois Primeiro-ministro, entre Julho de 2014 e Agosto de 2015. Foi quando José Mário Vaz o demitiu, na sequência de uma digressão política de Domingos pela Europa que incluiu uma visita a Bruxelas, onde conseguiu grandes apoios da Comissão para o país. Tudo isto foi congelado por Mário Vaz. À demissão de Simões Pereira seguiram-se os subterfúgios e artifícios vários a que Mário Vaz foi recorrendo para não o nomear. Assim, em quatro anos, o actual Presidente conseguiu a proeza de ter oito primeiros-ministros, sempre bloqueando soluções que incluíssem Simões Pereira.

Também por isto, Domingos Simões Pereira decidiu concorrer às eleições presidenciais, uma vez que o PAIGC é o primeiro partido do país e tem maioria no Parlamento, com uma aliança com dois pequenos partidos, maioria essa que José Mário Vaz também já tentou perturbar.

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Os principais adversários de Domingos, além de Mário Vaz, são Nuno Nabiam e Umaro El Mokhtar Sissoco Embaló:

  • Nabiam é o actual líder do APU-PDGB, lançado na ribalta pelo falecido Kumba Yalá, então líder e fundador do PRS. Como Kumba, Nabiam é Balanta e foi o candidato independente que em 2014 foi derrotado na segunda volta por Mário Vaz;
  • Sissoco Embaló, de 47 anos, muçulmano e de etnia Fula, é outro candidato do pelotão da frente, considerado favorito a seguir a Simões Pereira. Sissoco, que em tempos apoiado pela Líbia de Kadafi e pelo ex-Presidente Bashir do Sudão, tem recursos financeiros que distribui generosamente por eleitores e comunicadores e cultiva relações com presidentes e altos dignitários africanos, com quem se faz fotografar. Foi acusado pelo actual governo de fomentar actos de violência destinados a levar ao adiamento das eleições de 24 de Novembro.

Ainda na corrida às presidenciais está Carlos Gomes Júnior, “Cadogo”, que foi líder do PAIGC e Primeiro-ministro pela primeira vez entre Setembro de 2004 e Novembro de 2005. Cadogo, uma personalidade da burguesia comercial da Guiné, começou a sua carreira com Nino Vieira, mas os dois separaram-se no conflito de 1998/99, quando Nino foi derrubado pela Junta Militar e Carlos Gomes se juntou a Ansumane Mané. Gomes Júnior voltou a ser Primeiro-ministro entre 2009-2012, depois do PAIGC vencer as eleições com maioria absoluta, mas foi derrubado por um golpe militar chefiado por António Indjai, outro Balanta, que o deteve na Guiné. Carlos Gomes Júnior veio mais tarde para Portugal e concorre agora como independente.

Nesta lista de presidenciáveis, o  actual Presidente, José Mário Vaz, vem em quinto. Talvez por isso tenha procurado criar uma situação de instabilidade que pudesse levar a um adiamento sine die da eleição.

Além da sua insistência obsessiva em não nomear Simões Pereira Primeiro-ministro, Mário Vaz, que tem fomentado cisões no PAIGC, instigado dissidências e feito e desfeito governos, é visto pela maioria dos políticos do país e pelos responsáveis diplomáticos em Bissau como emocionalmente instável, movido por humores e caprichos político-pessoais que condicionam o seu comportamento: procedeu inconstitucionalmente à demissão do governo de Aristides Gomes, o primeiro-ministro indigitado pelo PAIGC, e, perante a resistência do governo e o fracasso da nomeação de um gabinete fantasma – e sobretudo perante a condenação unânime da CEDAU, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da União Africana, da União Europeia, da CPLP, dos Estados Unidos, de Angola e de Portugal –, ainda apelou, sem sucesso, a uma intervenção militar.

Em conclusão, perante uma derrota anunciada, Mário Vaz empreendeu uma escalada de medidas para conseguir adiar as eleições, ou mesmo evitá-las, de modo a prolongar o seu mandato: desordem nas ruas, demissão do Governo, apropriação de méritos no combate ao tráfico de droga, “golpe de Estado” político e tentativa de golpe militar.

A maciça reacção da comunidade internacional, a recusa dos militares guineenses em se deixarem instrumentalizar, o pronto esclarecimento pelo embaixador americano em Dakar de que o combate ao narcotráfico era mérito, não de Mário Vaz, mas do Governo e, sobretudo, do departamento policial com essa função, vieram pôr em causa a campanha de auto-branqueamento do Presidente em exercício.

Domingo ver-se-á se os eleitores decidem na primeira volta o futuro da Guiné ou se deixam para o fim de Dezembro a decisão.