O tema é tão importante como fraturante. Voltemos, portanto, ao verão quente de 2018. Nesse verão são aprovadas três leis estruturantes para a Educação em Portugal. Os D.L. 54 e 55 referentes à Educação Inclusiva e à Autonomia e Flexibilidade Curricular, respetivamente, e uma terceira que tudo se fez para que passasse despercebida aos demais. Estou-me a referir à Lei n.º 38/2018 de 7 de Agosto “Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa”.

Sobre esta lei, durante um ano, pouco ou mesmo nada se ouviu ou discutiu publicamente, quer nos media, quer pelas escolas. No entanto no ano seguinte, 2019, novamente em plenas férias letivas, sai o Despacho n.º 7247/2019 que “Estabelece as medidas administrativas para implementação do previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto”.

Logo após a saída do despacho, um grupo de 86 deputados do PSD, CDS e PS tinham pedido a fiscalização sucessiva da lei, argumentando que estava em causa uma “programação ideológica do ensino pelo Estado e da liberdade de programação do ensino particular”, por acreditarem que a lei nestes moldes promovia a chamada “ideologia de género”.

Recentemente, o Tribunal Constitucional veio dar razão aos deputados que tinham pedido a fiscalização sucessiva da lei. Embora sem se pronunciar sobre a substância das normas em si, o Tribunal crê que os argumentos formais invocados pelos deputados — que explicaram que uma lei sobre este tema, assim como a sua regulamentação, deve ser elaborada pela Assembleia da República e não pelo Governo — são válidos e decidiu travar as duas normas em causa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Parece-me importante esclarecer afinal do que se fala quando se fala em ideologia de género e para isso coloco uma questão inicial – estará, à imagem do Brasil, Canadá, EUA, Holanda e outros tantos países, o Estado a tentar implementar nas escolas portuguesas a ideologia de género? Creio que sim e tentarei explicar porquê.

A palavra género é utilizada principalmente em dois casos:

  1. Para teorizar a diferença entre sexo biológico (genético, anatómico, gonadal, hormonal…) e o sexo psicológico e social (papel de género). Esta teoria monopolizou o debate académico e a pesquisa científica no âmbito da psicologia nos EUA nos anos 70 e 80 e afirmava que a diferença entre homens e mulheres era apenas fruto de “construções sociais” que por sua vez deram origem aos estereótipos de género que podem ser combatidos só através de uma específica “reeducação”;
  2. Como um eufemismo usando a palavra inglesa gender no lugar da palavra sexo.

Logo, a utilização deste termo (gender) propositadamente ambíguo e a “desconstrução” dos presumíveis estereótipos de género tentam justificar e legitimar a tal reeducação (que começa nas escolas, na internet, nas redes sociais, na televisão, incluindo desenhos animados, publicidade, livros, propaganda, etc.) quer chegar ao ponto de negar a diferença radical do ser humano: a condição de homem e mulher. Por este motivo, este novo paradigma filosófico e sociológico é uma verdadeira ideologia, pois impõe-se como uma ideia que viola/estupra a realidade, que nega a realidade, subverte a realidade pois, baseando-se no desejo e na perceção de si próprio, tenta reescrever os fundamentos da própria identidade pessoal, familiar e social.

A ideologia de género é somente a última versão de um movimento que se declara a favor da libertação do homem, mas que na realidade apenas quer tornar o individuo só, isolado, desamparado, sem pontos de referência, logo mais manipulável e consumista.

Mas vamos às origens desta ideologia: no início do século XX, o médico alemão Magnus Hirschfeld inaugurou a categoria do travestismo, hipotetizando desde logo uma indiferenciação entre homens e mulheres, negando a divisão binária entre sexos. A primeira tentativa de reatribuição do sexo foi efetuada sob a supervisão deste médico, mas esta operação fracassou miseravelmente e dramaticamente com o falecimento do “paciente”. Seguidamente – logo após o fim da Segunda Guerra Mundial -, o Dr. David Cauldwell também se interessou pelo fenómeno do travestismo e em 1953 Harry Benjamin publicou um estudo intitulado “Transvestitism and Transsexualism”, inaugurando assim uma nova categoria clínica, o transexualismo. Nesses mesmos anos, o Dr. Kinsey, um hematólogo considerado o pai da sexologia moderna, publicava dois estudos sobre o comportamento sexual do homem e da mulher. O Dr. Kinsey teorizava que todo o tipo de atração sexual, inclusive a zoofilia e a pedofilia não fossem perversões, mas normais variantes da atracão sexual. O discípulo do Dr. Kinsey, John Money, endocrinologista e famoso devido à trágica história dos gémeos Brian e David Reimer, fundou a Gender Identity Clinic e introduziu na literatura científica o termo género (gender), explicando que assim podia incluir numa terceira categoria as pessoas com órgãos genitais ambíguos. Pouco depois o psiquiatra e psicanalista americano Robert Stoller impôs a sua distinção entre sexo e género (gender): assim nasceu o conceito de identidade de género, segundo o qual um indivíduo é percebido como masculino, feminino, homossexual, lésbico, transexual, bissexual ou sexualmente fluido, independentemente da impressão biológica, genética, anatómica, hormonal e genital.

A enorme difusão da teoria da identidade de género deveu-se ao facto de que desde logo foi acolhido por uma parte da comunidade científica (apesar de não ter uma base verdadeiramente científica) e sucessivamente foi promovida pelo movimento feminista e seguidamente pelos movimentos LGBTS, com o aval da ONU.

A edeologia de género não é mais do que – como disse acima na introdução – uma (falsa e anticientífica) crença segundo a qual os dois sexos – masculino e feminino – são apenas construções culturais e sociais impostas pela própria sociedade e que, portanto, nega a existência do sexo masculino e feminino e ignora toda a carga biológica, anatómica, hormonal, genética e genital do indivíduo.

Se isto já não é bom, pior fica quando a ideologia de género defende a ideia segundo a qual não existe apenas a mulher e o homem, mas existem “outros géneros”, sabe-se lá quais, e que qualquer pessoa pode escolher um desses “outros géneros” ou mesmo alguns desses em simultâneo.

As pessoas [que promovem a ideologia de género] colocam em causa a ideia segundo a qual têm uma natureza que lhes é dada pela identidade corporal que serve como um elemento definidor do ser humano. Elas negam a sua natureza e decidem que não é algo que lhes foi previamente dado, mas antes que é algo que elas próprias podem construir.

O facto é que mesmo o presidente da Associação Americana de Pediatras (AAP) faz um apelo aos professores, legisladores, pais e próprios médicos, sobre a tal ideologia de género.

Numa nota oficial, assinada por ele e pelo chefe da psiquiatria do mais famoso e mais acreditado hospital do EUA, da Universidade John Hopkins, diz que todos nascem com sexo biológico como no reino animal, e aqueles do género humano, a que pertencemos, nascem machos e fêmeas: isto é um facto biológico, não é e nunca poderá ser a ideologia que marca o nosso sexo, que determina a fatalidade do sexo.

Ele lembra que transtornos de malformação são raros, transtornos biológicos, transtornos fisiológicos, e estes transtornos não são terceiro sexo, ninguém nasce com género, nasce com sexo, diz a AAP.

O género masculino e feminino só existe na gramática, o sapato é do género masculino, a cadeira é do género feminino.

Na biologia não, na biologia temos sexo – machos e fêmeas. Quando um menino pensa como menina e uma menina pensa como um menino, isso não muda o seu sexo, esse transtorno já está no Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana.

Lembra também que puberdade não é doença e que é perigoso que queiram aplicar tratamentos com hormonas, pois estas bloqueiam a puberdade e podem levá-los a estados doentios.

Os pediatras dizem que 98% dos meninos e 88% das meninas tratadas psicologicamente, que estejam confusos com o sexo, acabam por aceitar o sexo biológico. Usar hormonas como tratamento pode dar problemas de saúde graves (AVC, cancro), para além de que está provado que aumenta o índice de suicídio, sendo 20 vezes maior com o uso de hormonas do sexo oposto ou com a ação de uma cirurgia para mudar de sexo, inclusive em países “open mind” como a Suécia. As centenas de vítimas destes tratamentos hormonais, com todas as terríveis sequelas físicas e psicológicas estão aí para o provar.

A Sociedade de Pediatria considera um abuso infantil fazer isso, enganando os pais, confundindo as crianças, aconselhando até a tratamentos nas chamadas clínicas de género.

Este é o parecer da AAP. Percebo que seja um assunto delicado e polémico, mas fica o alerta para os pais lidarem com isso, pois o objetivo é alterar os comportamentos das crianças na base da educação!

Aliás, já aquando da introdução da disciplina de Educação para a Cidadania, que permite ensinar às crianças que o género é uma construção social, que o sexo é biológico, mas que cada um depois pode escolher o seu género, tendo sido convidadas, para essa informação “formação” associações com interesses duvidosos, já dava para desconfiar das intenções governativas. Há vontade de doutrinar através da escola, o caso dos alunos de Famalicão é o mais mediático exemplo disso.

Que alguns acreditem nesta teoria, nada contra. Que aproveitando os cargos de poder queiram impor a todas as crianças a ideologia de género é um problema de todos nós! E é também uma gravíssima violação do direito de educação dos pais.

Tornar as escolas laboratórios de experiências duvidosas com resultados desconhecidos é demasiado perigoso, estamos perante os futuros adultos deste país. As crianças não podem ser cobaias ideológicas!

Se há adultos que acreditam que o género é uma mera construção social, que a sociologia se sobrepõe à biologia, que a ideologia se sobrepõe à ciência, têm liberdade para o fazer. Mas façam um favor: deixem as crianças em paz!

O Estado não deve, neste caso específico, ir contra o que estabelece a Constituição da República Portuguesa e programar a educação segundo diretrizes ideológicas!

A imposição de ideias discutíveis, pela via da autoridade estatal, é característica de um governo totalitário e nos últimos anos de governação temos assistido a uma nova forma de tolerância. A tolerância com aqueles que estão alinhados com a narrativa oficial é garantida, já com os que pensam de forma diferente, o que lhes espera é a total intolerância, humilhação, ofensas pessoais e achincalhamento público. Talvez aquilo que me possa acontecer por estar a escrever este texto. A intolerância dos autoproclamados tolerantes é extraordinária.

Felizmente, como dizia o poeta, “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”!