Sanidade é, na sua definição clássica, a conformidade da mente com a realidade. É a aderência do intelecto à natureza tal como ela é. Inversamente, insanidade é dissociação entre o que se pensa e o mundo real. Na tradição da filosofia grega, tal como na da chinesa, é considerado ato de solidariedade ajudar os enganados e equivocados a perceberem as coisas tal como elas de facto são. E é função do Estado garantir que as interações sociais se conformam com a realidade. Vejamos três exemplos de insanidades recentes.
Rachel Dolezal identifica-se como afro-americana e gosta de celebrar a sua negritude. Era professora de estudos africanos na Eastern Washington University e presidente da seção de Spokane da National Association for the Advancement of Colored People. Até que, em 2015, os pais vieram a público declarar que ela não tinha uma gota de sangue africano nas veias. Da noite para o dia Dolezal passou de heroína a vilã. A fúria da comunidade afro-americana caiu-lhe em cima e ela foi despedida do seu emprego e demitida de todos cargos públicos para os quais tinha sido eleita. Porquê? Porque na realidade não era afro. Não era portanto genuína, e estava-se a apropriar ilegitimamente de uma identidade que não era sua. A sua disforia racial, uma insanidade, não é aceitável.
Paul “Stefoknee” Woscht, há três anos atrás, passou a identificar-se como uma menina de seis anos. Tinha então 52, tinha estado casado mais de vinte, período durante o qual tinha gerado com a sua mulher sete filhos. Encontrou “pais adotivos” que agora cuidam dele. Quando não está em campanha LGBT passa o dia a brincar com bonecas, frequentemente com chucha na boca. O registo civil e a imprensa aceitaram como natural a sua disforia sexual, e Paul é agora tratado para todos os efeitos, legais e sociais, como uma “she”. Curiosamente o registo civil não aceitou a mudar-lhe a data de nascimento, o que faz com que não possa ir à escola como as meninas da sua idade. Porquê? Porque na realidade não nasceu em 2008. A sua disforia etária, uma insanidade, ao contrário da disforia de género, não é aceitável.
Ricardo Robles é um empreendedor nato. Especular e acumular capital estão-lhe no sangue. O que é, diga-se de passagem, um instinto natural nos humanos e, se feito com moderação, algo que é socialmente útil. No entanto, Robles identifica-se como anticapitalista e a favor da distribuição igualitária do rendimento. Apesar de não ter feito nada de ilegal, o Bloco obrigou-o a demitir-se dos cargos para os quais tinha sido eleito. Porquê? Porque na realidade ele não é verdadeiramente anticapitalista. A sua disforia socioeconómica, uma insanidade que afeta quase todos os neomarxistas, não é aceitável. Quem padece desta condição, se sai do armário, arrisca-se a sofrer uma discriminação social rábida.
Há, portanto, disforias respeitáveis e disforias não respeitáveis. Com a promulgação do Decreto da Assembleia da República nº 228/XIII relativo à autodeterminação da identidade de género passa a ser possível, para efeitos legais, uma pessoa mudar de género em Portugal. Mas continua a não ser aceitável, mudar de idade (ou data de nascimento), de altura, ou de impressões digitais. Porque é que a identificação civil continua a não permitir estas mudanças, também elas definidoras da identidade pessoal? Será por fidelidade à realidade? Mas se o género é um artificio social sem substrato natural, será que raça, idade, estatura física e textura epidérmica o não serão também?
Então porque é que o decreto parlamentar acima referido não aproveitou para reconhecer também, para efeitos civis, a disforia etária? Terá sido apenas pelo impacto que teria no Orçamento de Estado? Se a lei permitisse a “autodeterminação da identidade etária” será que haveria algum trintão que não passasse imediatamente a se identificar como tendo 70 anos, de modo a receber a reforma, ou 7 dias, para se habilitar ao abono de família?
Diógenes Laércio (fl. terceiro séc. d.C.) conta que Tales de Mileto (c. 624—c. 546 a.C.), que adorava o astro rei como único deus, fazia a seguinte ação de graças a cada alba:
“Dou-te graças Senhor por eu ter nascido:
humano e não animal,
homem e não mulher,
grego e não bárbaro.”
Ao que qualquer moderno adorador do Sol poderia acrescentar:
“E por não pensar ser o que não sou.”
PS: “E já agora, Senhor, se não for de todo impossível, dai sanidade aos nossos governantes. Amém.”
PPS: Fazem-se votos de melhoras a Dolezal, para que reconheça que a cosmética não lhe altera a genética, a Woscht, para que se aperceba que a passagem do tempo define a idade e a genitália o sexo, e a Robles, para que empreendendo possa continuar a gerar riqueza e emprego e a desenvolver a sua personalidade de um modo mais humano. Especular não é doença. Acreditar em histórias da carochinha neomarxistas é que é insanidade.