Atendendo ao contexto atual, decidi partilhar este texto, escrito por mim há três anos, mas que nunca havia sido publicado, e no qual não alterei uma única vírgula. De facto, há coisas que escrevemos e, anos mais tarde, ao relê-las, damos-lhes novo valor. Há palavras, que por muito que a conjuntura se altere e se agrave, não perdem o seu sentido, antes pelo contrário, redobram a sua importância. Fica então este artigo, em defesa do Estado de Israel, o qual sempre estimei – e que nestes dias respeito ainda mais.

«Há dias, em conversa com o Prof. Gabriel Mithá Ribeiro, refletia nesta feliz expressão, que ele me disse, e que caracteriza de forma perfeita aquilo que para mim é o Estado de Israel: Uma superpotência moral. Este estatuto, muito mais simbólico do que efetivo, nunca será motivo de apreciação em ranking algum. Contudo, revela-se de singular relevância, pela aplicação a nível social e político, do valor moral da autorresponsabilidade – pedra de toque na edificação do mundo ocidental.

Em 1948, quando se dá a fundação do Estado de Israel, ninguém poderia garantir que, passados estes anos, o mesmo ainda existiria. O trauma do holocausto estava bem vivo na recordação de todos aqueles que o viveram e que sofreram com as suas consequências. Este avassalador peso de memória histórica foi muitíssimo significativo. Mais, para além disto, todo o período fundacional foi marcado pelo confronto e hostilidade por parte do mundo árabe, do qual viria a resultar o conflito militar que de tempos a tempos conhece novos e agravados contornos.

O próprio território, muito parco em recursos naturais, em nada parecia indiciar que ali podia crescer um Estado próspero e desenvolvido. Por oposição, muitos dos países geograficamente circundantes, cujas independências haviam sido também adquiridas nas sucessivas vagas de descolonização do século XX, partiam de condições naturais e materiais bem mais favoráveis. Estes, porém, nunca alcançaram o progresso conseguido pelo Estado de Israel, perdendo-se em intermináveis guerras civis e em fanatismos religiosos de toda a espécie.

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Face a este cenário cumpre colocar-se, pois, a questão: O que levou o Estado de Israel a adquirir a prosperidade, o reconhecimento e a longevidade que tem hoje?

Uns, certamente, diriam que sem a ajuda externa ou a intervenção dos Estados Unidos, nada se tinha feito. Pode até, em parte, ser verdade. Mas nada seria possível se não houvesse uma moral social coletiva naquele povo, que primasse pelo valor da autorresponsabilidade. Em vez de chorarem sobre o leite derramado, de se queixarem de uma história de perseguições e violência, em vez de ficarem atirando as culpas para cima dos europeus, como fazem outros, os judeus puseram mãos à obra e reedificaram a sua casa dos escombros. Em suma, sem a força de vontade hercúlea daqueles homens e mulheres, rapidamente o Estado de Israel se teria desmoronado.

Os israelitas, enquanto povo, ao longo de séculos, e enquanto Estado, nas últimas décadas, têm sido sempre capazes de reconhecer e refletir nas suas ações, para o bem e para o mal, aprendendo com elas. Exemplo claro deste facto, é tão falado massacre de Sabra e Chatila, ocorrido em Setembro de 1982, no qual faleceram centenas de civis palestinianos e onde as responsabilidades do exército israelita saltam à vista. Foi sem dúvida algo muito grave, mas, nem mesmo um acontecimento desta dimensão passou ao lado das autoridades civis israelitas e do próprio povo, que mantém viva a memória e a tristeza deste facto na sua consciência coletiva. De tal forma observamos isto que, mesmo num contexto de guerra contínua, estes acontecimentos permaneceram sempre extremamente raros e excecionais.

Os israelitas aprenderam a ter uma atitude moral que aplicam não só aos outros como a si próprios, num acto que podemos designar por introspeção coletiva. Souberam pôr em prática, no seu território, aquilo que durante séculos haviam apreendido na convivência com o mundo ocidental, que outrora esteve inserido nesta mesma tradição moral, e tornaram-no presente no senso-comum da população.

Assim, souberam resistir às pressões internacionais por parte do bloco soviético durante a Guerra Fria, ao narcisismo islâmico e às suas aspirações totalitárias e megalómanas, e a toda uma narrativa mainstream, onde tantas vezes se roça o antissemitismo. Contra todos os vaticínios, o Estado de Israel construiu-se e solidificou-se. Nunca cedeu à facilidade tentadora do discurso vitimista, que é estéril em si próprio. Pacificou-se consigo mesmo, exorcizando do seu presente a relação com um passado coletivo chagado por tantas adversidades.

Edificou-se um regime democrático num contexto geográfico onde imperam as ditaduras teocráticas. Alcançou-se um sistema constitucional com separação de poderes num universo geográfico envolvente onde impera a lei da selva. Um território onde se salvaguarda e respeita a liberdade individual e de crença, quando ao seu redor crescem cada vez mais as perseguições e intolerâncias. Nunca abdicando dos seus valores e princípios, os israelitas estruturaram uma sociedade próspera e democrática, tornando-se exemplo para todos os povos como a grande superpotência moral no mundo, onde a autorresponsabilidade individual e coletiva, é tida como pedra angular. No fundo são, naquele território, a fronteira entre a civilização e a barbárie.»

Findo o texto, deixo apenas uma nota final de solidariedade com todas as vítimas dos ataques terroristas do Hamas, perpetrados nesta última semana.

Não há de dormir nem adormecer, Aquele que guarda Israel” Sl. 121