Em 12 de junho de 1937, o oficial do Exército Português Artur Carlos de Barros Basto, conhecido por muitos como o ‘Dreyfus Português’, foi injustamente condenado por um tribunal militar antissemita e foi despojado da sua carreira militar. O Capitão Barros Basto foi condenado ao ostracismo, perdeu a sua pensão, cuidados de saúde e não foi mais autorizado a envergar o seu uniforme. O seu crime não declarado era que, apesar de oficialmente cristão, o Capitão Barros Basto, provinha de uma família de chamados “cristãos novos”, judeus que foram forçados a converter-se ao cristianismo no século XV, mas que secretamente re-aderiram ao judaísmo.

O Capitão Barros Basto esteve envolvido na Revolução que estabeleceu a República em Portugal em 1910 e foi a primeira pessoa a levantar a bandeira da nova República na cidade do Porto. Após a revolução, o interesse do Capitão Barros Basto num completo retorno ao judaísmo cresceu. Começou a aprender Hebraico, a estudar textos judaicos tendo acabado por retornar completamente à fé judaica. O Capitão Barros Basto construiu, incansavelmente, uma comunidade Judaica no Porto, em grande parte formada por outros cripto-Judeus, erigindo uma sinagoga e uma yeshivá, juntando muitas pessoas, não só do Porto, mas de todo Portugal, de volta para as ancestrais tradições judaicas.

Provavelmente foi isso, mais do que qualquer outra coisa, que levantou a ira das autoridades portuguesas, que procuraram impedir o seu trabalho e expulsá-lo do Exercito. Ainda hoje, o legado do crime feito contra Barros Basto perdura. Recentemente, as Forças Armadas Portugueses juntaram-se à Assembleia da República solicitando ao Governo uma reintegração simbólica no Exército de Barros Basto, “de nenhuma maneira em uma categoria mais baixa do que a pessoa em questão teria direito se não tivesse sido demitido”.

A questão do Capitão Barros Basto é simbólica da longa e complexa história dos judeus de Portugal, especialmente os episódios negros em torno da Inquisição com a sua expulsão em massa e as conversões forçadas dos Judeus Portugueses.

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No entanto, houve outros momentos brilhantes, como o facto de mais de 1 milhão de judeus europeus, refugiados, que fugiam dos nazis durante o Holocausto, terem encontrado refúgio e passagem em Portugal. Em 1944, na Hungria, arriscando as suas vidas, os diplomatas Carlos Sampaio Garrido e Carlos de Liz-Teixeira Branquinho, ajudaram muitos judeus a fugir aos nazis. Em Junho de 1940, quando a Alemanha invadiu a França, o cônsul Português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, concedeu vistos, indiscriminadamente, a uma população judia em pânico – sem pedir autorização a Lisboa, como era suposto – salvando a vida de mais de 10,000 judeus.

Judeus e Portugal partilham uma história difícil, com muitos altos e baixos, e é por isso que a lei recentemente aprovada em Portugal de concessão do direito à cidadania portuguesa aos descendentes dos judeus forçados ao exílio há séculos é um importante passo positivo e justo na nossa relação histórica. Além disso, a conferência histórica no Knesset para a reconexão com os descendentes de judeus espanhóis e portugueses, realizada recentemente em Jerusalém, com a presença de muitos cidadãos portugueses, constitui também um importante pilar na construção de relações mais sólidas entre os dois povos.

Os povos judeu e português não partilham somente uma longa história comum, partilhamos também as mesmas raízes e o mesmo sangue. De acordo com vários estudos genéticos, cerca de 20-25% do povo português tem ascendência sefardita judaica, muitos são mesmo descendentes daqueles que foram forçados a converter-se há séculos atrás. Além disso, dezenas de milhões de Latinos e hispânicos em todo o mundo, na América do Norte e América Latina assim como na Europa, são também descendentes de judeus portugueses.

O nosso passado comum deve encorajar-nos a moldar um futuro mais positivo e próximo. Não ousamos nem queremos deixa-lo para trás; queremos antes evoca-lo para com ele formar a base para criar pontes mais fortes, afiliações e maior cooperação nos próximos anos. Isso deve começar com o reforçar de laços ainda mais estreitos entre as nossas duas nações, a República Portuguesa e o Estado de Israel.

Temos também de garantir que a nossa história comum é ensinada nas escolas, garantindo que as novas gerações são educadas sobre estes e outros eventos historicamente relevantes, muitos dos quais na verdade ajudaram a definir e dar forma a ambas as nações. Deverão também ser incentivados encontros acadêmicos e parlamentares recíprocos onde a nossa história comum seja discutida e conclusões tiradas de forma a encorajar uma maior cooperação e descoberta do nosso património comum.

Esperamos que, à medida que o povo Português se “reconecte” com a sua ascendência judaica, e os judeus se “reconectem” com sua ascendência portuguesa, isso vá servir para reforçar e fortalecer os laços entre nossos povos.

Pedro Vargas David é economista.
Ashley Perry foi Conselheiro do Governo de Israel e é Diretor da Grupo para Reconexão no Knesset e Presidente da Reconectar, uma organização que encoraja a reconexão com os descendentes de espanhóis e portugueses nas comunidades judaicas.
Publicado a 30 de Outubro de 2015 no Observador em Portugal e no Jerusalém Post em Israel