Depois de, na passada segunda-feira, ter aqui sugerido livros de autores estrangeiros para o Natal, chegou hoje a vez de autores nacionais. Felizmente, temos este ano vários livros portugueses de rara qualidade para oferecer e ler no Natal — e todos eles exprimem um pluralismo tranquilo, em marcado contraste com o primitivismo tribal. Começo por uma obra académica de homenagem a uma grande académico: Manuel Braga da Cruz.

O livro reúne mais de sessenta contributos — na forma de ensaios e de testemunhos — sobre a obra e sobre a personalidade marcantes do homenageado (Universidade Católica Editora, 2020). Manuel Braga da Cruz foi Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, fundado pelo saudoso Adérito Sedas Nunes. Dirigiu a revista Análise Social durante mais de uma década, fundou e foi o primeiro presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política, tendo ainda sido Reitor da Universidade Católica durante três mandatos (o primeiro reitor leigo, por sinal). A homenagem pessoal que lhe é agora prestada é acima de tudo uma homenagem à ideia perene de Universidade — como lugar da busca pluralista da Verdade, do Bem e do Belo — que Manuel Braga da Cruz sempre defendeu e de que foi exemplo inspirador.

Outra obra académica de relevo é História da Filosofia Política, (Editorial Presença, 2020), sob coordenação de João Cardoso Rosas, professor de Filosofia Política na Universidade do Minho. Como é referido na abertura, “pela primeira vez em Portugal, um grupo de [19] docentes e investigadores [de cinco instituições portuguesas e quatro estrangeiras] decidiu juntar esforços para elaborar de raiz uma História da Filosofia Política.” O resultado foi um muito estimulante convite ao estudo da tradição pluralista ocidental de conversação a várias vozes, diferentes e muitas vezes rivais, — na comum procura da Verdade, do Bem e do Belo.

Ainda no plano académico, mas também com dimensão ensaística, temos mais um notável livro de António Barreto: Três Retratos: Salazar, Cunhal, Soares (Relógio d’Água, Junho/Setembro de 2020). É um livro que dá que pensar, como em regra é o caso com as obras de António Barreto. Aqui ficam as palavras finais:

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“Salazar baniu a liberdade. Cunhal utilizou-a. Soares cultivou-a. Dos três se dirá para todo o sempre que foram o que foram porque a população, o povo, os seus conterrâneos e as instituições o quiseram ou deixaram. Com medo ou com voto. Activa ou passivamente. Com obediência, resignação ou entusiasmo.”

Ainda a este propósito, vale a pena referir o livro Olhe que não, olhe que não, coordenado por José Pedro Castanheira e José Maria Brandão de Brito (Tinta da China, 2020). Aqui são recordados os dois debates televisivos de 1975 entre Mário Soares e Álvaro Cunhal — e fica enfaticamente patente a escolha entre o pluralismo democrático de Mário Soares e o monismo autoritário de Álvaro Cunhal.

José Miguel Sardica é o autor do muito inspirador estudo biográfico sobre Alfredo da Silva e a CUF: Liderança, Empreendorismo e Compromisso (Principia, 2020). Antecipando a celebração dos 150 anos do nascimento de Alfredo da Silva, que serão assinalados a 30 de Junho do próximo ano, o livro recorda a vida e a obra de um dos maiores empresários e empreendedores portugueses, incluindo a história da CUF e do  grupo Mello.

Falando de empreendorismo, é incontornável o livro de Aníbal Cavaco Silva [Uma experiência de social-democracia moderna, Porto Editora, 2020] sobre os 10 anos da sua governação (1985-1995) — quando Portugal passou de 55,7% da média europeia do PIB per capita, em 1985, para 68,3% em 1995 (uma convergência real que só foi ultrapassada pela Irlanda e que não voltou a repetir-se).

Cavaco Silva é também um dos autores dos ensaios em língua inglesa de homenagem a Jorge Braga de Macedo — que foi um dos seus Ministros das Finanças e também como ele professor de economia na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Católica. O livro intitula-se Economic Globalization and Governance: Essays in Honor of Jorge Braga de Macedo, e é coordenado por Luís Brites Pereira, Maria Eugénia Mata e Miguel Rocha de Sousa (Springer, 2020).

Ainda sobre empreendorismo, temos um vigoroso e muito estimulante livro de Adolfo Mesquita Nunes: A Grande Escolha: Mundo Global ou Países Fechados (D. Quixote, 2020). É simplesmente notável a energia do autor em defesa da “mão invisível” do mercado livre, na tradição do saudoso Adam Smith, como principal motor do crescimento económico e da melhoria das condições de vida do maior número.

Post Scriptum 1: Parabéns e obrigado a Isabel Soares por presidir ao relançamento da nobre Fundação Mário Soares, agora intitulada Fundação Mário Soares e Maria Barroso. A dívida de gratidão da democracia liberal portuguesa ao casal Mário Soares/Maria Barroso é simplesmente infinita. Faço votos de que a Fundação possa continuar a ter o maior sucesso na recordação e preservação de um legado de pluralismo, equilíbrio e moderação que a todos nos honra, nos comove  — e deve continuar a inspirar.

Post Scriptum 2: Parabéns e obrigado a Marcelo Rebelo de Sousa, por finalmente ter anunciado a sua re-candidatura a Presidente da República. Alguns de nós teremos gostado menos, outros terão gostado mais, do seu estilo muito pessoal, por vezes demasiado pessoal, de exercício do mais alto cargo da nossa democracia. Mas o traço marcante e decisivo foi a sua recusa em ser presidente de uma facção particular contra outra. Essa imparcialidade do Presidente da República corresponde inteiramente ao que é definido pela nossa Constituição democrática, liberal e pluralista. E essa imparcialidade é ainda mais crucial nos tempos de primitivismo tribal em que vivemos. O Presidente deve ser um árbitro imparcial que garante a concorrência leal entre partidos rivais, não deve ser o líder de uma facção particular. Estou confiante de que o bom senso dos portugueses (como aprendi a confiar com Mário Soares) voltará a premiar o sentido de equilíbrio e moderação.