Não raro, até por parte de insuspeitos mas austeros cristãos, ouço protestos a respeito de eventuais excessos mundanos e ostensivos enfeites de Natal nas nossas casas ou ruas e cidades engalanadas com vistosas e resplandecentes luzes, como que a anunciar uma grande festa.

Mas nem sempre foi assim. Não há muito tempo, quando a escuridão nocturna dependia dos astros, o sustento dependia das colheitas, a saúde dependia da sorte, a distância dependia do andar, o comércio dependia das tréguas, a luz irradiada pelo Deus Menino em cada Natal era incontestável. Tento imaginar como nesses tempos remotos, quando o escuro da noite era difícil de aclarar, se engalanavam os templos para a Missa do Galo, alumiados de velas dispendiosas e aquecidos de famílias inteiras, gente modesta. As igrejas engalanadas eram pólo de encontro dos cristãos, e o Natal tempo de consolo para os nossos antepassados, que numa trégua nos combates, trabalhos oficinais, agrícolas ou outras aflições, se juntavam a celebrar a vinda do Messias. Imagino os sombrios carreiros entre povoados, pontilhados pela luz das lanternas dos grupos de pessoas caminhando para se juntarem nas casas umas das outras. A festa fazia-se iluminada e aquecida por uma grande fogueira, com uma ceia melhorada com esmero e vinho bom.

Acredito que sob um céu estrelado e silencioso era então mais fácil a devoção à Natividade, o mistério da encarnação de Deus que do seio da Virgem Maria num recôndito estábulo vem comungar com a humanidade os seus padecimentos. Era por certo na altura mais evidente para cada um a importância da vida espiritual e da oração, fonte preciosa da esperança que move montanhas e conforta as angústias. Já as pessoas, na sua humanidade, eram intrinsecamente como nós, com as nossas dores, alegrias, angústias e esperanças.

Curioso como o improvável local do nascimento do menino Jesus foi revelado por uma estrela luminosa que guiou os sábios, reis e pastores para o Presépio. Foi com recurso a uma grande luz que se operou o mais bem-sucedido anúncio da história, que mudou o rumo da história. Mesmo que nos nossos dias a maior parte das pessoas não tenha verdadeiro interesse em conhecer o protagonista do Natal, certo será que a Natividade merece todo o espalhafato que uma incomensurável alegria naturalmente transborda e irradia, feita de cores vivas, brilhos e reflexos e… estrelas cadentes.

Natal é tempo de consolo, de tréguas, de nos juntarmos e nos fazermos presentes. Trocar sentimentos e palavras azedas por palavras benignas, o ruído por cânticos, a austeridade por festejos e luzes, são tudo coisas que estou certo farão sorrir o Menino Jesus nas palhinhas. Folguedos que, com o espírito certo, conferem nobreza à nossa dura existência. Era isso que Deus queria quando se fez carne e nasceu em Belém, com luz própria para nos ajudar a vencer as trevas.

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