Portugal está nu, desprovido de rumo e desgastado de esperança.

Esta constatação é passível de ser confirmada facilmente, basta para tal predispormo-nos a assistir, de fio a pavio, a um qualquer espaço noticioso, de um qualquer canal televisivo, basta para isso fazermos um inusitado scroll nas redes sociais para assim sentirmos o pulso ao caos em que está imerso o país.

A amálgama de notícias que são difundidas, a informação que circula e nos assalta a cada instante, depressa nos envolve num ambiente surreal, num negrume avassalador, onde passou a ser raro ouvir algo positivo ou normativo associado ao país e ao seu quotidiano.

Enegrece-nos a greve infindável nas escolas com professores no limite, à beira de um abismo motivacional, e alunos no mais absoluto abandono educativo que, certamente, irá produzir efeitos aflitivos no futuro de toda uma geração de cidadãos e consequentemente no país.

Enegrece-nos a crise nos transportes ferroviários, com a errática CP a transformar a vida das pessoas comuns num verdadeiro inferno diário.

Enegrece-nos a estratégia esquizofrénica adoptada para a TAP, uma empresa que tem vivido à custa dos contribuintes e refém de corporações sindicais, atolada numa intervenção volátil e inconsequente, ora perseguindo a privatização, ora querendo a nacionalização, ora querendo de novo a privatização.

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Enegrece-nos o estado da justiça e as dificuldades que lhe são acrescidas, diariamente, por constrangimentos vários, mais recentemente pela paralisação da sua espinha dorsal, os oficiais de justiça.

Enegrece-nos as notícias que têm vindo ao conhecimento público sobre idosos maltratados em instituições, cujo funcionamento depende de conveniente licenciamento e fiscalização do Estado, o que, claramente, não parece estar a funcionar como requerido para evitar situações graves, as quais, julgo, deveriam ser alvo de processos crime e não simplesmente contraordenacionais.

Enegrece-nos o estado anémico do SNS, com dificuldades crescentes e inequívocas na resposta à população, cujos profissionais são cada vez mais o espelho do burnout, da desmotivação e do descontentamento.

Enegrece-nos o estado geral da administração pública que culmina na degradação da qualidade dos serviços prestados e passa pela insatisfação generalizada dos seus agentes.

Enegrece-nos um governo, pese embora respaldado por uma confortável maioria parlamentar, sem qualquer ambição reformista de relevo e cuja acção governativa se reveste unicamente de avanços e recuos absolutamente incompreensíveis e prejudiciais para o país.

Enegrece-nos uma oposição política à acção governativa que não convence o eleitorado do seu valor, nem tão pouco lhe faz chegar a confiança necessária para que lhe seja confiado o sentido de voto.

Enegrece-nos assistir ao crescimento de um partido político vazio e boçal, que não sobreviverá ao seu líder, mas que, ancorado ao populismo e vivendo parasitariamente de descontentamento e revolta, desvirtua a cada passo princípios democráticos tidos como basilares.

Enegrece-nos a galopante erosão social do país.

Enegrece-nos o aferido pela Comissão independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa e ainda mais as ilações que daí retirou a Igreja, tanto na responsabilização dos ditos abusadores, como na consequente resposta que deu às vítimas.

Enegrece-nos a pobreza envergonhada da população, com dificuldades várias, desde o acesso à habitação condigna à mera compra de bens essenciais.

Enegrece-nos a falta de recursos para conseguir assegurar que se cumpra um futuro digno para as gerações vindouras.

O país precisa de se virar para si mesmo, de se reinventar, de se alavancar através das suas mais-valias, de se vestir de um rumo que sirva o bem-comum e não os meros interesses instituídos sejam eles politico-partidários ou outros, que mais não têm feito do que despojá-lo de tudo e colocá-lo a nu.