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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Corrupção. A teia que levou à condenação de dois ex-presidentes das juntas de Marvila e do Beato

Antigos presidentes das juntas de Marvila e do Beato foram condenados esta terça-feira, depois de favorecerem a seleção da filha e namorada em concursos públicos.

Em 2010 e 2011, a abertura de dois concursos públicos nas juntas de freguesia de Marvila e do Beato, em Lisboa, colocou a filha e a namorada dos respetivos autarcas numa espécie de dança das cadeiras. A filha do então presidente da junta de Marvila ganhou o concurso para ir trabalhar para o Beato e a namorada o autarca do Beato foi para Marvila. Praticamente 14 anos depois, o caso encerrou: Belarmino Silva, ex-presidente da junta de Marvila, e Hugo Xambre, ex-presidente da junta do Beato, foram esta terça-feira condenados a quatro anos com pena suspensa pelo crime de corrupção passiva para ato ilícito.

Corrupção. Ex-presidentes das juntas do Beato e de Marvila condenados a quatro anos com pena suspensa

A teia que levou estes dois socialistas ao Tribunal Central Criminal de Lisboa é relativamente simples, mas nem todas as convicções do Ministério Público foram consideradas no acórdão lido esta terça-feira no Campus da Justiça. Aliás, Belarmino Silva e Hugo Xambre estavam também acusados do crime de corrupção, mas acabaram por ser absolvidos. E, além disso, também a filha de Belarmino Silva, a então namorada de Hugo Xambre e a consultora jurídica que elaborou as perguntas das provas de admissão aos concursos públicos — que era a mesma nas duas juntas de freguesias — foram constituídas arguidas, acusadas dos crimes de corrupção e absolvidas. 

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Como provado ficou que Belarmino Silva e Hugo Xambre “acordaram entre si uma troca de favores interferindo nos concursos públicos”, referiu o juiz durante a leitura do acórdão.

Os e-mails, as provas escritas e a intervenção das candidatas

Há, pelo menos, um ponto de discórdia entre a acusação do MP e o acórdão do Tribunal Central Criminal de Lisboa. E começa logo no início da história. Para os procuradores do Ministério Público, a abertura dos dois concursos públicos terá sido combinada entre os dois ex-autarcas, ambos com mandatos nas respetivas juntas entre 2005 e 2017. Mas o coletivo de juízes entendeu que não existem indícios suficientes para sustentar esta tese. Por isso, este tribunal “não deu como provado que tivessem sido os dois a determinar, por decisão própria e exclusiva, a abertura dos concursos — circunstância que, no entanto, foi aproveitada pelos arguidos”.

As evidências que mostram este aproveitamento de que fala o tribunal — e que é confirmado pelo Ministério Público — começam no envio de e-mails. Em setembro de 2010, Belarmino Silva, que estava à frente da junta de Marvila, enviou o seguinte e-mail para o autarca do Beato: “Meu caro, junto envio o currículo da minha filha, caso precisem. Ok. Um TAF”. Esta forma de despedida é, aliás, um cumprimento maçónico, em que TAF significa Tríplice Abraço Fraterno. Dois meses depois, foi a vez de Hugo Xambre enviar o currículo da namorada para a junta de Marvila.

As evidências que mostram este aproveitamento de que fala o tribunal -- e que é confirmado pelo Ministério Público -- começam no envio de e-mails. Em setembro de 2010, Belarmino Silva, que estava à frente da junta de Marvila, enviou o seguinte e-mail para o autarca do Beato: “Meu caro, junto envio o currículo da minha filha, caso precisem. Ok. Um TAF”. Dois meses depois, foi a vez de Hugo Xambre enviar o currículo da namorada para a junta de Marvila.

Nesta altura, ainda não tinha sido aberto qualquer concurso público. Aliás, isso só aconteceu no ano seguinte, em abril de 2011, com a junta de freguesia de Marvila a abrir um concurso para técnico superior na área de gestão. E volta a surgir uma nova troca de e-mails. Desta vez, com uma nova participante: uma consultora jurídica que trabalhava simultaneamente, a recibos verdes, nas duas juntas de freguesia, e que acabou por ser acusada de corrupção e absolvida esta terça-feira.

Esta técnica ficou responsável pela elaboração da prova feita aos candidatos à vaga, redigindo as perguntas, as respostas e os critérios de avaliação. A informação, no entanto, não ficou apenas consigo e foi enviada, também por e-mail, para Hugo Xambre e para Belarmino Silva, “com o assunto ‘FW:prova’ e sem qualquer texto adicional”. E terá ido parar também à caixa de correio eletrónico da então namorada de Hugo Xambre.

Ao concurso concorreram nove candidatos, incluindo a namorada do presidente da junta do Beato, que conseguiu o lugar com uma diferença de dez valores na prova escrita em relação aos restantes oito candidatos. “O referido documento [enviado pela consultora jurídica aos dois autarcas e, posteriormente à candidata] continha 23 perguntas e respostas, sendo que as 20 primeiras coincidiam com aquelas que integravam a totalidade da prova de conhecimentos gerais”, escreveu o MP, que defendeu ainda que a candidata vencedora “teve acesso direto e integral, não só à prova de conhecimentos que iria realizar, mas também aos respetivos critérios de correção”. “E tudo isto dezassete dias antes da realização da prova”, acrescentou.

Ao concurso concorreram nove candidatos, incluindo a namorada do presidente da junta do Beato, que conseguiu o lugar com uma diferença de dez valores na prova escrita em relação aos restantes oito candidatos. “O referido documento [enviado pela consultora jurídica aos dois autarcas e, posteriormente à candidata] continha 23 perguntas e respostas, sendo que as 20 primeiras coincidiam com aquelas que integravam a totalidade da prova de conhecimentos gerais”, escreveu o MP

E um mês depois da abertura deste concurso, chegou então a vez de a junta do Beato avançar com um concurso para preencher uma vaga para técnico superior na área de animação cultural. O processo foi o mesmo: 30 candidatos, uma prova escrita e, no fim, ganhou a filha do presidente da junta de Marvila. O Ministério Público refere que a avaliação contou com “13 questões em comum com a prova de conhecimentos gerais utilizada no procedimento concursal de Marvila”.

Ainda assim, o tribunal admitiu que as três não estavam a par do plano dos dois ex-autarcas. “As duas [filha e namorada] acabaram por beneficiar dos cargos dos dois arguidos, isto é cristalino para o tribunal. Mas não ficou provado que sabiam do plano”, referiu o juiz esta terça-feira, acrescentando que “não se conseguiu determinar que as mesmas quiseram ser beneficiadas”.

Juiz Carlos Alexandre não quis levar arguidos a julgamento, mas Relação anulou decisão

Quatro dos cinco arguidos pediram abertura de instrução e o processo foi distribuído ao juiz Carlos Alexandre, que estava nessa altura no Tribunal Central de Instrução Criminal e que considerou que o processo não tinha condições para avançar para julgamento.

Primeiro, o juiz Carlos Alexandre não considerou a retificação dos tipos de crimes feita pelo Ministério Público: na acusação, o MP indicava crimes de corrupção passiva para ato lícito e, já depois de constituídos os arguidos e conhecida a acusação, pediu a alteração para crimes de corrupção passiva para ato ilícito, por se tratar de um “erro de escrita”. Depois, considerou que os crimes já estavam prescritos e que, por isso, não haveria lugar a julgamento.

"Correr-se-ia o risco, no limite, de o crime já estar prescrito ainda antes da sua consumação material ou terminação, o que, obviamente, precludiria toda e qualquer possibilidade de perseguição e punição do criminoso, conduzindo não só à impunidade, como ao total descrédito do Estado de direito, em particular dos tribunais e da administração da justiça”, escreveu o Tribunal da Relação no despacho que revogou a decisão instrutória".

O Ministério Público não ficou satisfeito com a conclusão do tribunal de instrução e avançou com um recurso para o Tribunal da Relação. E foi na Relação que o caso seguiu para julgamento, com a anulação da decisão do juiz Carlos Alexandre.

O Tribunal da Relação acabou por dar razão aos procuradores do MP, admitindo que “a existência de erro de escrita é evidente, pelo que se impõe a correspondente correção”. “É incontestável o caráter ilícito das condutas descritas na acusação e, como se disse, a acusação buscou claramente a imputação de crime de corrupção passiva para ato ilícito”, justificou.

E na parte da prescrição dos crimes também não houve concordância, com a Relação a indicar que o tribunal de instrução fez “uma errada interpretação” da lei, ao considerar que os crimes em causa “eram puníveis com uma pena de prisão até seis meses ou com uma multa até 60 dias, quando ali se estabelece uma moldura penal de 2 a 8 anos de prisão para os referidos crimes”. Aliás, o MP indicou que “o prazo de prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes de corrupção ativa é de 10 anos, contado desde a data da prática do crime”.

Numa longa explicação sobre a prescrição dos crimes de corrupção, a Relação referiu ainda que, “neste caso, o prazo de prescrição tem o seu início a partir de 1 de novembro de 2011, data em que foram alcançados os resultados por todos os arguidos: as contratações para trabalho em funções públicas das arguidas”. Não considerar estas datas “permitir-se-ia que criminosos continuassem a praticar atos de execução do crime, pagando e recebendo subornos em perfeita impunidade”.

“Correr-se-ia o risco, no limite, de o crime já estar prescrito ainda antes da sua consumação material ou terminação, o que, obviamente, precludiria toda e qualquer possibilidade de perseguição e punição do criminoso, conduzindo não só à impunidade, como ao total descrédito do Estado de direito, em particular dos tribunais e da administração da justiça”, escreveu o Tribunal da Relação no despacho que revogou a decisão instrutória”.

 
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