Costuma-se dizer que as festas se conhecem pelas suas vésperas e, de facto, a que antecede e prepara a solenidade de todos os santos não foge à regra, embora se tenha desvirtuado e pervertido.

Com efeito, a véspera de todos os santos ou, em inglês, Halloween (a forma abreviada da expressão escocesa “Allhallowe’en”, ou “All Hallows even”, que significa ‘noite anterior a todos os santos’), é uma das mais típicas comemorações anticristãs. Também o Carnaval, com os seus excessos e desregramentos, acontece nas vésperas da Quaresma, um tempo de penitência e oração que, no entanto, o Entrudo antecede e contradiz. Se o Carnaval sempre foi de algum modo assinalado na vida social portuguesa, até pelo facto de estar associado a umas breves férias académicas, o mesmo não se pode dizer do Halloween, que é, no nosso país, relativamente recente, mas que tem vindo a ganhar espaço e expressão: raros são os estabelecimentos de ensino, também de inspiração cristã, em que a data não é assinalada com actividades que têm, na sua origem e essência, uma conotação profundamente pagã.

De certo modo, ao recordar o mundo imaginário das bruxas, feiticeiros, magos, duendes e todo o tipo de monstros, pretende-se recriar as tenebrosas trevas em que vivia a humanidade antes do nascimento de Jesus Cristo, que é “a luz do mundo” (Jo 8, 12), “que ilumina todo o homem que vem a este mundo” (Jo 1, 9). A fé é, com efeito, a luz que vence as trevas da ignorância, da superstição, da mentira e do medo, em que vivia imersa a sociedade pré-cristã. Não estranha, portanto, que as máscaras do Halloween sejam, por regra, tenebrosas: velhas desdentadas vestidas de trapos, vampiros cujos dentes afiados escorrem sangue, mortos-vivos, bruxas horrendas a voar em vassouras, etc.

Que pena causa ver inocentes crianças travestidas de demónios, maculada a sua pureza pela aparência de um mal que, embora simbólico nos seus hediondos trajes e enfeites, é real e próximo. De facto, também nos mais novos pode haver maldade, como prova um caso de há precisamente 30 anos, quando dois jovens rapazes ingleses, John Venables e Robert Thompson, raptaram, torturaram e mataram James Bulger, de três anos! Infelizmente, também consta, na Bíblia e não só, a terrível experiência de crianças enfeitiçadas, eufemismo que expressa, em termos comuns, a possessão diabólica. Essa maléfica presença, de que o filme de William Friedkin, O Exorcista, de 1973, dá conta em termos dramáticos, mas realistas, não apenas escraviza as almas de que se apodera, mas também lhes impede o conhecimento da verdade e amor que Deus é.

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Decerto, muitos pais e professores dessas escolas – não oficialmente pagãs, mas laicas – e também, infelizmente, cristãs, não têm consciência da gravidade de uma brincadeira de tão mau gosto. Entenderiam melhor a incoerência se mascarassem essas crianças de Hitlers, Himmlers e Goebbels em miniatura; ou então de Stalin, Mao-Tsé-Tung, Pol Pot e outros facínoras, não decerto melhores do que os referidos nazis.

Talvez haja quem desdramatize a questão, por entender que essas encenações são meras brincadeiras infantis, sem grandes consequências. De facto, os contos infantis sempre tiveram fadas boas e bruxas más. As aventuras de Harry Potter e dos seus amigos de Hogwards são histórias divertidas, que certamente não traumatizam as crianças, como as aventuras dos Cinco, de Enid Blyton, pelo menos antes de serem ‘corrigidas’ pelos novos polícias do pensamento politicamente correcto. Também estas engraçadas histórias tinham recorrentes referências a actividades criminosas, sem que esse facto afectasse negativamente o conhecimento moral dos leitores adolescentes, até porque, por salutar princípio, o bem acabava por prevalecer sobre o mal, e a conduta daqueles jovens heróis era pautada pelo respeito pelos valores humanos, mesmo não constando de forma expressa, tanto quanto creio recordar, referências religiosas.

Por outro lado, é conveniente que, à medida em que crescem, as crianças tomem cada vez mais consciência do mundo em que vivem, onde abundam as referências virtuosas, mas onde também não faltam os maus exemplos. Que o mal moral seja representado por bruxas e duendes pode ser, portanto, uma legítima opção educativa, se redundar num melhor esclarecimento das crianças destinatárias.

Mais discutível é, contudo, a introdução dos menores no mundo da superstição e da magia, não apenas porque apela para realidades eminentemente negativas, mas também porque favorece uma abordagem ocultista, que contradiz a ciência e a fé que, como conhecimentos que são, têm por base a razão. A presença de um imaginário transcendente, quando não iluminado pela verdade que nos faz livres, resulta, quase sempre, numa perda crescente de liberdade. Quem crê em feitiços, maus-olhados, horóscopos, auras, datas aziagas e astros dominantes, acaba por ficar refém de medos irracionais e de supostas influências, que não só coarctam a liberdade para agir, como atenuam também a responsabilidade pessoal. Foi o caso de uma mulher que tinha uma só filha, com quem não se dava, porque, segundo ela, havia uma ‘incompatibilidade astral’!

É curioso verificar que muitos dos que dizem não ter fé têm, contudo, superstições: não passam debaixo de um escada; negam-se a tomar uma refeição em que sejam 13 à mesa; entendem que um gato preto é aziago (será racismo?!); num dia 13 não viajam, nem fazem uma operação cirúrgica (as aparições de Fátima ocorreram nos dias 13 de 6 meses consecutivos, talvez para quebrar o ridículo feitiço!); não se hospedam num quarto de hotel, ou de um hospital, que tenha esse número; têm amuletos, que esperam que lhes dêem sorte; fazem figas ante uma qualquer maldição ou coincidência suspeita; temem os maus-olhados; lêem o horóscopo; e vão à bruxa, que invariavelmente lhes diz que algumas coisas vão correr bem e, outras, mal (como se fosse possível que, numa semana de um qualquer mortal, tudo lhe corresse bem, ou mal!).

Como dizia o espanhol: não acredito em bruxas, mas que as há, há! E outro, a quem não faltava alguma perspicácia e bom humor: ‘Não acredite em bruxas: são muito mentirosas!’ No entanto, as piores bruxas não são as cartomantes encartadas, a quem só vai quem quer, mas as que andam disfarçadas de professores e educadores de infância e que, sem o consentimento, nem o conhecimento, dos pais e encarregados de educação, introduzem as crianças que lhes são confiadas num mundo de mentiras, medos e superstições, contrário à luz da razão e da fé.

Enquanto as escolas pagãs, ou simplesmente laicas, festejam os horrores do Halloween, com máscaras e desfiles de meterem medo ao susto, bom seria que os colégios cristãos mantivessem a tradição cristã do ‘pão por Deus’, ou a engraçada brincadeira das crianças que vão, de porta em porta, perguntando: ‘doçura ou travessura?’: quem não lhes conceda o doce pedido, não escapa à prometida travessura, que é sempre uma partida inocente. Também vão sendo cada vez mais os colégios católicos que sugerem aos seus alunos mais pequenos que, na véspera da solenidade de todos os santos, se vistam como eles: uma forma muito pedagógica de os familiarizar com esses nossos modelos e heróis. É igualmente muito louvável a iniciativa da paróquia de Santo António de Nova Oeiras, no Patriarcado de Lisboa, que celebra nessa data o Holywins, que significa, literalmente, a Santidade vence!

Se, como escreveu Chesterton, “para o pagão, as coisas pequenas são tão agradáveis” é porque as não tem grandes: “quando o pagão olha para o coração do cosmo, fica gelado”. Pelo contrário, os cristãos vivemos já, antecipadamente, a alegria dos santos, porque “nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura nos poderá separar do amor que Deus nos manifesta em Jesus Cristo Nosso Senhor” (Rm 8, 28.38-39). “Costuma-se dizer” – segundo o autor da Ortodoxia – “que o paganismo é uma religião de alegria e o Cristianismo uma religião de tristeza”, mas, de facto, é o contrário: “o paganismo é pura tristeza e o Cristianismo é pura alegria.”