Os conflitos armados sempre foram uma realidade bastante presente na história do nosso planeta. O fundamento primordial destas “interações” é, na maior parte das vezes, o alcance do poder. Existem várias noções de poder, mas a que mais se coaduna com o tema em análise é, sem margem de dúvida, a do professor Diogo Freitas do Amaral: “Faculdade de mandar e a capacidade de se fazer obedecer”.

Nestes termos percebemos que o poder não se efetiva com o simples ato de mandar, mas sim com o fruto dessa “imposição”, a obediência. Este conceito unifica todo o campo da política. Todo o facto ou fenómeno que se possa reconduzir ao conceito de poder, é um fenómeno político.

É exatamente isto que sucede, nos dias de hoje, entre a Rússia e a Ucrânia: o alcance incessante pelo poder e a sua respetiva manutenção, relegando para segundo plano valores fundamentais como o da segurança e da paz.

No dia 24 de Fevereiro deste ano, o presidente Vladimir Putin “declarou” guerra à Ucrânia. Esta tem vindo a consubstanciar-se numa série de ataques de mísseis e bombardeamentos em várias cidades Ucranianas e na invasão por parte do exército Russo, de várias cidades estrategicamente escolhidas.

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O objetivo de Moscovo é expandir territorialmente a sua área de influência sempre na esperança de voltar a reaver certos territórios que outrora integraram a URSS.

Com o termo da guerra fria, assistimos a um canalizar natural de vários países do antigo leste europeu para a “esfera de influência ocidental”. Esta aproximação ideológica/política fez com que muitos países de Leste começassem a ver abrigo em várias entidades e uma possível aliança de defesa com vista a não voltarem a cair nas “graças” das famosas repúblicas socialistas soviéticas.

O desenvolvimento destas entidades internacionais, como a União Europeia e a NATO, fez com que países da antiga esfera soviética se pudessem integrar e começar a desenvolver-se passo a passo com as restantes potências europeias e a marcar assim a sua entrada na Europa.

“As normas da Guerra, ou Direito Internacional Humanitário, estipulam o que pode e o que não pode ser feito durante um conflito armado. As convenções de Genebra e os seus Protocolos Adicionais são a essência desse conjunto de normas. Elas estabelecem limites para a guerra, oferecendo proteção aos civis e parâmetros do que se considera aceitável ou não no campo de batalha e fora dele”.

Nas guerras, assim como na política, há várias linhas “vermelhas” que não podem ser ultrapassadas. Falamos de três princípios basilares que as partes devem seguir: Necessidade, Humanidade e Proporcionalidade.

No que toca à esfera da Necessidade, temos que interiorizar que cada ataque armado deve ter como objetivo uma vantagem específica. Em relação ao princípio da Humanidade, este exige que sejam tomadas as medidas possíveis para reduzir o sofrimento humano, quer isto dizer que o ataque a civis só pode ocorrer se estivermos a falar de um efeito secundário inevitável. Por fim, o princípio da proporcionalidade, que defende a ilegalidade de ataques promovidos pelas forças armadas se o sofrimento previsto for manifestamente desproporcional em relação aos “frutos” que se retiram destes mesmos ataques.

Com base nestes princípios foram criadas leis especificas para a guerra que tutelam tanto civis como militares:

Estas “leis de guerra” tentam estabilizar, dentro do possível, todo e qualquer conflito armado. As partes em confronto, no caso em apreço a Ucrânia e a Rússia, devem tomar todas as precauções para minimizar danos a civis e aos seus respetivos bens, e não realizar ataques que não discriminem entre combatentes e civis, ou que possam vir a causar danos desproporcionais ao povo que integra esse território.

É factual que estas regras já há muito foram postas em causa pela Rússia, e nestes termos, há quatro categorias que estão sob jurisdição do Tribunal Penal Internacional: O genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.

Um crime de guerra é uma violação do Direito internacional perspetivado na convenção de Genebra e no Estatuto de Roma. Neste caso, crimes de cariz sexual desencadeados por soldados russos contra mulheres e raparigas ucranianas, morte desalmada de civis e destruição de propriedade, tortura ou tratamento desumano (experiências biológicas), deportação ilegal, e acredito que outros, silenciados e não divulgados pela comunicação social. Todos estes cenários espelham claras e evidentes violações de direitos humanos por parte das tropas russas.

Tantos crimes foram cometidos que os conselhos de direitos humanos da ONU lançaram uma investigação aos abusos desencadeados por parte das tropas russas na Ucrânia, reforçando ainda o isolamento da Rússia na própria organização.

A resposta por parte de alguns Estados Membros deixa muito a desejar, como o voto contra da China e da Eritreia. A delegação chinesa alega que o voto favorável na investigação em questão se iria refletir num ato de “adicionar lenha à fogueira”.

Interessante é o facto de alguns aliados russos, como Cuba e a Venezuela, preferirem abster-se a opor-se a uma medida política que pressiona ainda mais a situação de Moscovo no plano internacional.

A conceção de uma guerra “justa”, teorizada por muitos juristas e filósofos, é uma ideia cada vez mais distante. A legitimidade do uso da força justa, admissível e com fundamento lógico, foi relegada para segundo plano, assim como a maior parte das normas de Direito Humanitário que tutelam situações trágicas como a que decorre nos dias de hoje.

Cabe ainda aludir à atuação do próprio Tribunal de Haia. Este foi, de certo modo, disfuncional, pois volta a pôr em evidência a ideia de que apesar de certos criminosos cometerem determinadas ilegalidades, é ineficaz em realizar uma condenação digna e proporcional. Também se mostra pouco eficaz no sentido da implementação/aplicação da lei internacional.

Percebemos assim que é muito difícil levar personalidades como Putin ao tribunal de Haia, porque nem essa condenação seria suficiente para o deter. Não quer isto dizer que este tribunal não seja funcional em alguns registos, e o exemplo mais pragmático disso é a guerra dos Balcãs, na qual se mostrou bastante mais eficaz.

A Europa é um dos seis continentes do mundo. Há 50 Estados soberanos internacionalmente reconhecidos com os seus territórios nela situados e que integram inúmeras organizações internacionais como o Conselho da Europa, ou mesmo o Instituto Europeu de Patentes.

Sendo uma preocupação central de toda a Europa, o bem-estar da pessoa humana e o respeito pela sua dignidade são pilares essenciais deste sistema.

Com o decorrer dos anos, o sistema europeu que tutela os direitos humanos foi cobrindo todos os tópicos fundamentais necessários para a manutenção da paz e para o incremento do respeito e civismo entre toda a comunidade mundial. Todos estes direitos ditos fundamentais estão a ser postos em causa pela Rússia.

O sistema europeu de direitos humanos é considerado o sistema de proteção mais antigo e serviu de base para os regimes regionais subsequentes. O principal objetivo deste sistema é defender e proteger juridicamente os Direitos Humanos previamente estabelecidos em acordos internacionais nos países que integram o sistema.

Uma das principais duvidas que se levanta a respeito desta matéria é a de saber se a lei internacional de direitos humanos continua aplicável na Ucrânia. Muitas teorias surgiram e apontam para a positiva. Alegam que os direitos humanos permanecem em vigor e continua a ser aplicados inclusive durante conflitos armados e ocupações, aos quais também se aplicam as leis de guerra.

Não podia discordar mais. Basta analisar a legalidade da forma como Vladimir Putin declarou guerra à Ucrânia. Cabe-nos perceber se esta guerra é enquadrada nos trâmites e nos parâmetros de Direito Internacional.

Todo e qualquer estudante de Direito está familiarizado com o conceito da forma e formalidade, seja de um ato público ou da compra e venda de um imóvel (se não puder ser validamente celebrado ao abrigo do princípio da liberdade de forma ou do consensualismo).

Sendo a guerra, abstratamente falando, um conceito muito sensível e que depende de muitas variantes, tendo em conta as sequelas fatais que pode vir a causar, esta requer a assinatura de uma declaração formal de cada um dos lados. Nestes termos, partimos do pressuposto de que qualquer conjunto de países que se queira envolver num conflito armado, seja de que cariz for, irá assinar uma declaração de guerra.

Uma declaração de guerra consiste num ato formal proferido pela autoridade máxima do país que abre as hostilidades para que sejam adotadas medidas de emergência. Depois disto, torna-se oficial a possibilidade de um contacto bélico entre duas ou mais nações.

Depois de oficializada, ambas as partes devem seguir um determinado código de atuação anteriormente referido, as leis de guerra. Se assim não fosse, no limite, as maiores potências mundiais poderiam criar o caos a nível mundial com o uso desadequado de armas nucleares e de muitas outras que existam, mas não sejam de conhecimento público.

Desta feita, oficialmente não podemos classificar este confronto bélico entre a Ucrânia e a Rússia como uma “guerra”, na medida em que o requisito formal não se encontra devidamente preenchido.

Há, no entanto, várias atuações desencadeadas por ambas as nações que costumam ser associadas a declarações de guerra: posicionamento estratégico de tropas em regiões de fronteiras, o uso da força física contra as imediações territoriais de outro país, o ataque à instabilidade governativa de uma nação, etc.

Esta atuação tem várias consequências práticas, mas a que causa maior perplexidade é sem dúvida alguma a descredibilização que está a ser inevitavelmente associada à ideia de estabilidade do Direito Internacional.

Em suma, o que se retira deste trágico acontecimento é que o poder na ordem internacional é anárquico, e é muito difícil haver uma comunhão de um sistema de aplicação/implementação de leis com uma modalidade anárquica do poder.

O que nos cabe perceber: de que maneira é que se conjuga um sistema que se rege pragmaticamente pela anarquia (na ordem internacional), com um sistema dito de Direito (universal). Haverá uma hierarquia? Os EUA, sendo a maior potência internacional, e por ter um maior “hard power”, pode fazer valer a sua vontade, a todo o custo, em relação aos demais países?

Em matéria de Direito Internacional, todos os países são iguais perante a lei. Nestes termos, irá a Rússia ser penalizada? Ou a influência económica associada fará com que esta não seja responsabilizada pelos danos causados?

A mesma ilação pode ser refletida nos termos do Direito Interno. Como é que um país conjuga um sistema político anárquico com um sistema político de Direito Nacional?

Nestes termos é evidente que Vladimir Putin quebrou regras na sua busca incessante e orgulhosa pelo poder. Não só pôs em causa a estabilidade do Direito Internacional, que por si só devia ser uno e coeso, como passou por cima de várias entidades reguladoras de segurança com manifestações de carácter ameaçador – “alertar a NATO” do risco de guerra nuclear – e ainda descredibilizou, através de todas as situações conhecidas, o Sistema Europeu de proteção dos Direitos Humanos.

Não podia concluir um tópico de tamanha importância sem fazer alusão à Responsabilidade Internacional, neste caso Penal, que devia ser colocada na Rússia. Trata-se de responsabilizar individualmente quem pratique crimes internacionais. Esta modalidade de responsabilização tem como objetivo punir aqueles que infringem os mais altos valores de Direito Internacional, mas também proteger a pessoa humana enquanto sujeito passivo de Direito Internacional Público.

Os traços fundamentais da responsabilidade penal internacional são, precisamente, os que mencionei anteriormente e que foram evidentemente violados pela Rússia: é necessário um comportamento humano e voluntário, que seja considerado uma afronta ao mais alto nível do DIP, numa perspetiva criminalmente punitiva.