No passado dia 30 de dezembro, a CNN difundiu uma entrevista com o Senhor Ministro do Ambiente e Ação Climática, João Matos Fernandes.

Ao longo dessa entrevista, o Senhor Ministro faz afirmações graves, reveladoras de uma enorme ignorância e não menos profundo desrespeito por agricultores e produtores florestais, bem como pelo conjunto de profissionais, engenheiros agrónomos e florestais e outros, que, diariamente, apoiam as suas atividades, e bem assim como pelo conjunto de cientistas e académicos que alimentam a extraordinária evolução tecnológica que a agricultura e a floresta têm vindo a experimentar.

Não é a primeira vez que o Senhor Ministro faz afirmações demagógicas e emite opiniões, reveladoras da mais confrangedora ignorância, sobre a realidade agrícola e florestal que não conhece e teima em não conhecer. Fá-lo sempre em tom de graçola e de piada fácil, irresponsável para o lugar que ocupa, num insuportável registo arrogante de “dono da verdade e de superioridade” face a todos nós, os destituídos. Mais uma vez, nesta entrevista à CNN, o Senhor Ministro apontou armas à agricultura e à floresta, enquanto atividades económicas, e começou a dispara(ta)r.

Os subscritores deste texto entendem ser intoleráveis, por ignorantes e, consequentemente irresponsáveis da parte de um membro do Governo, algumas das afirmações feitas pelo Senhor Ministro em relação à atividade agrícola e florestal, fundamentadas na mais elementar ignorância ou em intenções menos claras (o que, só por mera hipótese, admitimos). Vejamos algumas dessas afirmações em concreto:

1 A uma pergunta sobre a revisão da PAC a qual, segundo o jornalista, terá deixado o Ministério do Ambiente de fora (sim o Senhor Ministro ficou picado!), eis a resposta: “Nós não conseguimos transformar o “linóleo” de eucaliptos numa paisagem em mosaico, (…). Isso é absolutamente essencial para termos uma paisagem próxima do tempo em que havia uma atividade agro-silvo-pastoril com uma grande dimensão, que é também o tempo em que não havia grandes incêndios em Portugal.”

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Para começar, Senhor Ministro aprenda com quem sabe o que é a “revisão da PAC”. Todos conhecemos, aliás, o ódio que o Senhor Ministro tem aos eucaliptos e aos pinheiros (e a tudo o que possa arder, normalmente, por causas humanas de incúria e fogo posto, mesmo que, quando bem gerido, gere riqueza e emprego) e o amor que tem à palavra linóleo, que terá descoberto recentemente, tantas são as ocasiões em que a utiliza.

Sabemos também que, em matéria de floresta, a única coisa que lhe interessa, Senhor Ministro, é o Carbono (também nesta matéria, Senhor Ministro, o aconselhamos a ler, com proveito, recente artigo (março de 2020) do Prof. Francisco Avillez sobre “A neutralidade carbónica e a PAC pós 2020”), e que por sua vontade impunha uma qualquer “teoria do gosto” a toda a paisagem do país. Tem o Senhor Ministro alguma noção de que o eucalipto é, em Portugal, de muito longe, a espécie florestal com menor “waterfootprint” (podemos traduzir por “pegada hídrica”, medindo a quantidade de água usada para produzir cada bem), avaliada em m3 de água consumida por cada m3 de madeira cortada, incluindo todas as espécies de folha larga como ulmeiro, carvalhos, bétula, etc. (ver “The green and blue water footprint of paper products: methological considerations and quantification” de Van Oel, P.R. e Hoekstra A.Y., july 2010, publicado pela UNESCO – Institute for Water Education)?Tem o Senhor Ministro alguma noção de que “o tenebroso e proscrito eucalipto” coloca Portugal no 4o lugar, em 22 países do mundo, como a espécie florestal com melhor pegada hídrica (só precedido da França, Chile e Brasil)? Não, certamente não tem, pois senão não tinha proferido as afirmações sobre o “linóleo de eucaliptos”, seja lá o que isso for! Noutras linhas da resposta, ficamos a saber que o Senhor Ministro gosta de silvados e de charcas como elementos de paisagem. E que é um saudosista da monocultura das paisagens agro-silvo-pastoris. Terá o Senhor Ministro também saudades da pobreza e da fome que, nesses tempos da sua saudade, povoava essa idílica paisagem? Terá o Senhor Ministro a noção de que existem pessoas que têm que comer a custos aceitáveis? Saberá o Senhor Ministro que os alimentos não nascem nas prateleiras dos supermercados (nos quais, muito provavelmente, é o único local onde os vê), nem lá caem por um qualquer passe de mágica e que os rendimentos de muitos proprietários florestais dependem da floresta que gerem? Estamos certos de que o Senhor Ministro não sabe nada disto. Ou, o que é bem mais grave e pior, sabe, e finge que não.

2 Ainda sobre a PAC, e substituindo-se ao jornalista …” Vamos lá ver, se me perguntar “Qual é o sector de atividade económica que do ponto de vista da preservação dos valores ambientais mais o preocupa em Portugal?”, eu não tenho dúvidas nenhumas em responder: não é a indústria, não é a mobilidade, não é a produção de energia – é a agricultura. Sim, a agricultura, porque cada vez mais usa água, e nem sempre é mais eficiente porque cada vez mais artificializa o solo com a utilização de fertilizantes, o que faz como que esta seja a única atividade económica em Portugal em que as emissões estão a crescer.

Importa-se de repetir, este portentoso disparate, Senhor Ministro? Isso é tudo ignorância ou uma mistura de ignorância e má-fé? Então a Agricultura (que mesmo que não queira é inseparável da Floresta) é a besta negra dos valores ambientais em Portugal? É ela que lhe tira o sono? Sorte a sua, pois vive numa qualquer realidade distante que lhe torna a vida fácil e a tarefa de Ministro do Ambiente e Ação Climática, inconscientemente desempenhada. A agricultura cada vez mais usa água, diz V. Excelência. Passamos a explicar-lhe: as plantas e os animais, que o Senhor Ministro consome à mesa de sua casa, são seres vivos. Como tal, sim, usam água e diz bem, usam e não consomem, (há que conhecer o clássico ciclo da água). E produzir alimentos para alimentar a população crescente deste nosso mundo, e retirar uma parte significativa dela da fome e da subnutrição é aquilo que a agricultura e os agricultores fazem diariamente, Senhor Ministro, por muito que o tente iludir com as palavras ignorantes que profere. Como tal sim, a agricultura usa água. Mas, em Portugal, país que teremos gosto de um dia lhe mostrar, para que o conheça melhor como a qualquer membro do Governo era útil, fá-lo com crescentes níveis de eficiência no uso de recursos, em concreto da água. Sim, Senhor Ministro somos dos países do mundo que melhor rega. Segundo as orientações da FAO, conseguimos produzir cada vez mais alimentos por cada gota de água que utilizamos para o efeito. Somos benchmark internacional, no uso (insistimos, no uso e não no consumo) da água em agricultura, Senhor Ministro. Compare apenas a eficiência do uso da água em agricultura com a eficiência do uso urbano e veja a diferença.

“Em Portugal, um país em que a escassez de água é uma preocupação, perderam-se 187,6 mil milhões de litros de água em 2019 enquanto esta percorria a rede de abastecimento, indica o regulador, no último (2019) Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal”. Sim Senhor Ministro esta quantidade de água perdeu-se, desperdiçou-se, por incúria dos responsáveis das redes de abastecimento e não por ação desses “abjetos, ignorantes e incompetentes” agricultores, cujas ações tanto o preocupam.

E para mantermos a atividade, à medida que se intensificam as alterações climáticas, mais teremos de regar, Senhor. Ministro, o oposto ao que assiduamente o ouvimos referir. É o uso da água que nos defende do mais que certo processo de desertificação que se intensifica. É por isso fundamental colocar a engenharia a trabalhar. É engenheiro, não é Senhor Ministro?

E continua na sua diatribe, dizendo que a agricultura “cada vez mais artificializa o solo com a utilização de fertilizantes”. Os fertilizantes artificializam o solo? Onde descobriu essa pérola Senhor Ministro? Sugere então V. Excelência que deveríamos banir a utilização de fertilizantes, é isso? Afirmação, no mínimo hilariante, se não fosse perigosa. O Senhor Ministro coloca-se, com esta sugestão, em primeiro lugar, na fila daqueles a quem passaria a ser negada a alimentação. Saiba Senhor Ministro (e nós sabemos que o Senhor Ministro o sabe bem, mas finge que não porque isso lhe é útil, vá lá saber-se porquê) que em Portugal, assim como em toda a Europa, a produção e utilização de fertilizantes obedece a regras de máxima exigência, também ambiental. Não são os fertilizantes o resultado da evolução da ciência e da tecnologia, e até da economia circular? Registe também que os agricultores e os produtores florestais, bem como os técnicos que os apoiam, não são ignorantes, como o Senhor Ministro parece querer sugerir. Utilizam o conhecimento existente e as melhores práticas no desempenho da sua atividade, são, por mais estranho que lhe possa parecer, os primeiros defensores e interessados na defesa do meio ambiente, afinal o meio em que vivem e do qual retiram os seus meios de subsistência, o que lhes tem permitido também melhorar de forma impressionante os níveis de eficiência no uso dos nutrientes, nomeadamente, repetimos, da água e dos fertilizantes. Estes, como o próprio nome indica, não artificializam o solo, fertilizam-no. De outro modo chamar-se-iam, artificializantes!

E sobre o solo, pois bem Senhor. Ministro, sem fertilizantes as culturas esgotariam os solos até “à última gota” impedindo o seu uso continuado. É na sustentabilidade e no conhecimento que se pratica uma agricultura evoluída. Acabar com o uso de fertilizantes é um exercício de negação, um retrocesso estúpido.

Conhece Senhor Ministro as conclusões da FAO sobre a capacidade de sequestro de carbono, das práticas agrícolas? Permita-nos que o relembremos na lingua utilizada pela FAO: “But soil has a terrific capacity to reabsorb much of the carbon dioxide it’s already lost, within soil and plant biomass. In fact, the Food and Agricultural Council of the United Nations (FAO) suggests that soil could sequester around 20 billion tonnes of carbon over the next quarter-century; more than 10 percent of human-derived emissions”. Publicado por Ag News em 28 de dezembro 2021.

A agricultura artificializa o solo, afirma o Senhor Ministro, e a construção civil ou as estradas quando o impermeabilizam, fazem o quê, Senhor Ministro? Ou, será, que V. Excelência também tem saudades das estradas de Mac-Adam?

Termina, o Senhor Ministro, a sua girândola de imprecações, dizendo que a agricultura (a que não pode, por muito jeito que lhe dê, subtrair a floresta) é a única atividade económica em Portugal em que as emissões estão a crescer. A estranha realidade em que o Senhor Ministro vive facilita-lhe a vida. Recordamos-lhe um extrato do Relatório da APA (cremos ser um organismo oficial credível que depende do Ministério que tutela), “Memorando sobre emissões de gases com efeito de estufa elaborado com base na submissão para a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas”, de abril de 2021, e citamos: “…mostra a preponderância do sector energia no total das emissões nacionais. Com efeito, este setor, que inclui os transportes, é, para toda a série temporal, o principal responsável pelas emissões nacionais de gases com efeito de estufa, determinando a sua evolução ao longo dos anos.” Estamos conversados quanto a emissões, Senhor Ministro e quanto ao sector de atividade económica que do ponto de vista da preservação dos valores ambientais mais o preocupa em Portugal … E contabilize, se não se importa, a Floresta (o maior sumidouro de carbono em Portugal) em conjunto com a Agricultura, pois são duas faces de uma mesma moeda, que não se separam pelo facto do Senhor Ministro “ser” das Florestas e não “ser” da Agricultura.

Uma pergunta final sobre este tema. Conhece o Sr. Ministro alguma atividade económica, que não a agricultura e a silvicultura, que sequestram e armazenam Carbono, durante e após o ciclo produtivo das culturas? Nós não!

3 E chegamos ao abacate, outro ódio de estimação do Senhor Ministro Matos Fernandes. “O abacate é um disparate! Não consigo dizer de outra forma. Eu não consigo entender como é que se apostou, e não se subsidiou, na cultura de uma fruta tropical num sítio onde há pouquíssima água, o Algarve. Não tem pés nem cabeça!”

E pronto. De facto também nós não conhecemos nenhum abacate ou abacateiro com pés e cabeça. Em contrapartida conhecemos o Senhor Ministro, com pés, mas com muito pouca cabeça. O Senhor Ministro acha que o abacate é um disparate e, por isso, certamente, não o consome. O do Algarve, claro, porque o que é cultivado noutras paragens, utilizando quantidades idênticas de água (muitas vezes superiores, por se utilizarem tecnologias de rega muito menos sofisticadas e eficazes) e viajando milhares de quilómetros para chegar à sua mesa (essas emissões de carbono, bem mais graves, não interessam, porque não caem no nosso inventário!), esse é menos disparatado. Senhor Ministro: a água que há no Algarve é a que é, também por sua responsabilidade. Porque, teimosa e ignorantemente, considera nada dever ser feito para aumentar a capacidade do seu armazenamento (talvez por também ser da opinião da dirigente do Bloco de Esquerda, de que a água não deve ser armazenada em barragens porque se evapora), e do seu transporte a partir de geografias próximas onde a escassez é menor. Mais uma vez o Senhor Ministro trata os agricultores e os técnicos agrícolas como uns ignorantes, irresponsáveis e mentecaptos e lança um manto de maldição sobre uma atividade económica, desenvolvida, por gente séria e honesta, no total cumprimento de toda a legislação ambiental, nacional e europeia. Senhor Ministro, vale a pena registar que outras culturas, também instaladas no Algarve, algumas das quais a serem substituídas por pomares de abacate, utilizam mais água do que esse maldito fruto. Senhor Ministro, esta sua afirmação é que é mais uma que não tem “pés nem cabeça”!

E, uma vez mais lembrando o papel importante da engenharia, para quando a utilização da água do mar para atividades como o consumo urbano e humano? Para quando o uso de águas tratadas das ETARs a lavarem ruas, permitindo esses volumes serem dirigidos para a nobre (sim Nobre) atividade que é a agricultura de regadio? A que cria riqueza, contribui para a balança comercial e para as exportações, paga impostos e gera emprego.

4 Terminamos com um contributo do jornalista com a pergunta “Porque é que não acaba com isso?” à qual o Senhor Ministro responde “Oiça, o abacate não tem licenciamento ambiental e muitas vezes nem tem licenciamento agrícola. Eu também o percebo, mal de nós se quem planta couves e agora vai plantar batatas tivesse de pedir licença a alguém”.

Para o jornalista, parece óbvio que vivemos no “país dos sovietes”, qual Tintin antes da proibição. O Senhor Ministro acha que uma coisa não tem pés nem cabeça? Acaba-se com isso. Mas onde é que já chegámos, para parecer normal que um iluminado possa ditar o que se pode ou não fazer neste país? A resposta do Senhor Ministro é elucidativa daquilo que pensa que é a agricultura no nosso país: uma escolha entre plantar batatas ou couves, sem precisar de pedir licença a ninguém.

Muito, de tudo isto, Senhor Ministro, fica explicado, a partir deste seu conceito do que é a agricultura em Portugal.

Lista de subscritores

Ana Marta Cavalheiro Barbosa Gama Manoel
António Maria de Sousa de Macedo

António Neto de Saldanha Oliveira e Sousa
António Oliveira de Paula
António Rogério de Oliveira Mendes
Artur José Freire Gil
Bruno Landim Marques de Sousa
Carlos Figueiredo Neves
Carlos Pedro Trindade
Catarina Isabel Pinto
Divanildo Outor Monteiro
Eduardo Oliveira e Sousa
Farmelinda de Jesus Pombo Carvalho
Fernando Mouzinho
Fernando Gomes da Silva

Fernando Jesus Moreira
Fernando José Mota
Fernando Martins
Filipe de Almeida Cabral Pinto Ravara
Filipe Vaz

Francisco Avillez
Francisco Gomes da Silva

Francisco Murteira
Francisco S.P. de Sousa Machado Gonçalo

Filipe Rodrigues Batista
Gonçalo Vale
Henrique Damásio
João Filipe Flores Bugalho
João Jesus
João Maria Guerra Tomaz
João Soares

Joaquim Fraga
Jorge de Castro
Jorge Filipe Baptista Dias Saraiva Cardoso
José Cabrita
José Carlos Craveiro Lopes de Lobão
José Corrêa Sampaio
José Filipe Guerreiro dos Santos
José Frederico Fonseca
José Gonçalves
José Lopes
José Macário Correia
José Maria da Costa Falcão
José Paulo Pimentel de Castro Coelho
José Pereira Palha
José Regato
Luís Mira
Luís Rosado
Luís Souto Barreiros
Manuel Augusto Correia
Manuel Ferreira Lima Paim
Manuel Goulart de Medeiros

Maria Alexandra M.M. da Silva Brito
Mário Abreu Lima
Miguel António Machado Rodrigues
Miguel Vieira Lopes
Nuno Gonçalves
Pedro Pimenta
Pedro d’ Orey Manoel
Pedro Manuel do Nascimento

Vasco Reis
Vasco Sevinate Pinto