A História Mundial recente está marcada por duas fases geopolíticas diferentes, sendo que nestas duas predominou uma visão economicista e sociológica do humano, em oposição por exemplo à predominância medieval da religiosidade. Primeiramente tivemos um mundo bipolar: EUA (o bloco capitalista) e URSS (bloco comunista), sendo que com o colapso do segundo assistimos a uma segunda fase em que houve uma hegemonia norte-americana, que estará no seu fim.

Existem diversas razões para explicar esta erosão: uma classe política medíocre, um ambiente de guerra-civil latente, a perda do monopólio económico que passou a ser disputado com países como a China, a incapacidade de silenciar o inimigo russo, o fortalecimento dos BRICS, a perda de credibilidade fruto de guerras instigadas por falsos motivos, que procuraram esconder os verdadeiros, como por exemplo o crime cometido no Iraque que vitimou mais de 7 mil civis, etc.

Enquanto os EUA perdem credibilidade internacional, a Europa discute a obrigatoriedade do serviço militar, numa fase em que Trump, potencial vencedor das eleições americanas, admite retirar o país da NATO, porque boa parte dos seus membros não cumprem a meta de financiamento acordada.

Podemos extrair daqui 3 pontos essenciais: Os EUA já não são uma força tão hegemónica como no passado recente, a sua liderança não é confiável para a Europa, que dela muito se encontra dependente colocando a sua segurança nas mãos dos seus humores, o que nos leva a pensar que a Europa deve se rearmar (de preferência com base em fabrico próprio) e deve reavaliar qual a melhor política de alianças que deve seguir.

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Temos assistido a um renascimento da ideia de mundo multipolar, que será tomado como o mais provável substituto da hegemonia norte-americana. Vários países hoje se levantam contra a pretensão de universalidade dos valores ocidentais, que eram, segundo Fukuyama, os decisivos e que marcariam o fim da História. A ideia de progresso histórico ou moral tem vindo a perder cartas (nela podemos colocar o comunismo).

Podemos apontar que o falhanço das sanções económicas à Rússia se deve em grande parte à incompreensão por parte do Ocidente de que existem outros países, que não possuem uma visão essencialmente economicista; sendo que o Ocidente imagina usualmente que o outro agirá segundo padrões ocidentais.

Aproxima-se o momento em que o dólar provavelmente deixará de ser a arma comercial que tem sido até hoje, o que abrirá espaço para a criação de diferentes pólos relevantes no campo das relações internacionais. Embora a civilização ocidental seja predominante, a soma de todas as outras poder-lhe-á fazer frente, como aliás está a fazer. Neste momento a administração russa pretende opor ao atlantismo, o eurosianismo, inspirado no Império Bizantino e que é segundo os seus ideólogos a Rússia que deve ser o centro do poder, de onde irradia o cristianismo oriental.

A Europa enfraqueceu-se paulatinamente em termos militares, apostando tudo na economia e deixando a segurança nas mãos do país da Coca-Cola, deixando de ser criadora e exportadora de civilização, para passar a importar o que existe de pior na cultura norte-americana (por exemplo o movimento woke). A decadência do Ocidente não se pode explicar no domínio económico, mas no espiritual, sendo que os cidadãos europeus estão cada vez mais desenraizados da matriz cultural grega e judaico-cristã, colocando o progressismo e o endeusamento da ciência (o culto ao fenoménico) em seu lugar.

Uma imagem clara disto é a das igrejas fechadas em tempos de vírus, quando antes, nem nos tempos de maiores calamidades se fechavam as igrejas, antes pelo contrário. O europeu parece estar a procurar adaptar-se a uma ausência de metafísica prestando culto a falsos ídolos, como o é a Humanidade, a soma de todos os homens, ou todos os valores materiais: Riqueza, Conforto, Consumo, Saúde.

Enquanto a Europa abandona as suas raízes, assistimos a um silencioso brotar da religião islâmica, cada vez mais representada em muitos países europeus, e um pouco por todo o Mundo, o que faz a muitos pensar que esta poderá ser a religião com mais fiéis num futuro não muito distante, trata-se de um “novo” bloco relevante, que fascinará alguns e assustará outros como mostra Michel Houellebecq na sua obra Submissão. Certo é que o Islão assume um papel cada vez mais relevante no tabuleiro multipolar.

Poderemos no futuro encontrar uma integração de tipo civilizacional (união de povos que partilham uma civilização comum) que poderá vir a ser a forma alternativa ao globalismo, sendo que o futuro da Europa é para mim um grande mistério. A ONU tem provado a sua fraca eficácia prática, e ainda que seja uma instituição ocidentalizadora e difusora do progressismo, e expectável que venha a desaparecer ou sofrer mudanças muito significativas.

Portugal hoje é em parte um doente obessivo-compulsivo, empenhado em lamentar ou apagar a sua História, tendo perdido destaque na Europa, também ela apagada, sendo que o seu futuro estará muito dependente de como se irão reagrupar as forças que eu sumariamente referi e outas que possam surgir ou ressurgir.