O problema é que está tudo interligado e ainda bem. Compreende-se melhor os atrasos nas decisões percebendo-se a interdependência entre o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), o Plano Ferroviário Nacional (PFN) na Área Metropolitana de Lisboa (AML), as ligações de comboio de Alta Velocidade (AV) (Lisboa-Porto, Madrid, Algarve), a 3 ª Ponte sobre o Tejo (3PsT), o Arco Ribeirinho (ARi) (entre os municípios da margem sul) e, … ui, ui …, a enredada teia de planos, competências e agentes sobre o território (autarquias e poder central) e o enxame de especialistas da enorme importância do que é rela vo. Mais do que por qualquer outra razão, a demora decorre do problema não ser fácil. Tal como na natureza (Não carece de explicação/ a luzente ligação/ da cabeça ao coraçã / e do intestino ao pulmão) e no futebol (o sucesso da equipa depende da boa articulação entre as partes e o todo), o assunto reveste-se de uma apaixonante complexidade e não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis (Descartes).

Em cima disto temos análises, sínteses e raciocínios por dedução e indução – a Wikipédia explica melhor do que eu seria capaz. Umas abundam, outras escasseiam. Retive semelhança na diferença entre andar e saltar, um casamento feliz. As análises são porventura mais fáceis e certeiras, enquanto as sínteses, como aquela que apresento no fim, são naturalmente mais falíveis. Embora atraentes, quando erradas (um engano comum é estender à globalidade uma razoabilidade parcial encontrada, pretender abarcar toda a verdade, quando lhe assiste apenas parte) conduzem-nos a grandes sarilhos, não se estranhe o travão dos prudentes. A somar (ou diminuir) a isto, a falta de dinheiro, que temos de sobra, o que não é tão grave como a falta de cabeça, razão pela qual a “limitação orçamental” é geralmente boa conselheira. Torna-se assim óbvio que um problema desta dimensão, complexidade e natureza não se resolve com um somatório de partes, vulgo estudos especializados, antes, talvez, com um desenho (palavra com a mesma raiz de desejo e parente chegada de visão ou ideia) de conjunto, sensível a tudo o que conta. Ensaiemos:

1 Polos e redes

Rede é uma preciosa palavra com inúmeros significados e muita utilização. No futebol as redes sustêm as bolas que entram quando há golo. Na Geografia e no desenho sobre o Território, as bolas são os aglomerados urbanos e a rede as ligações entre eles. O desejado equilíbrio, o jogo bonito, passa pelo reforço do papel de ambos e não pela sua diluição. As autoestradas são ó mas para ligar as cidades, mas péssimas para lá morar. O melhor do Algarve inclui Faro, Tavira ou Por mão, o busílis está na Nacional 125. Não pelas ligações que estabelece, mas pelo desarranjo suburbano que espalhou. A beleza do Minho não passa pelo ruído visual das suas ruas da estrada (Álvaro Domingos, 2010). Imagino que não seja esta a ideia que os escalabitanos pretendam replicar.

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É um pouco isto o que está em jogo quando se alvitra desviar para fora da AML o NAL. As áreas urbanas existentes distribuem-se pelo território com uma determinada hierarquia ditada pela geografia física e humana, num incalculável número de compreensíveis movimentos da natureza e das pessoas ao longo de épocas e gerações. Perturbar a hierarquia é arriscado, estúpido (todos ficam a perder) e perturbador do equilíbrio territorial existente, pois a perda de identidade é de todos o pior dos males.

Nisto a concentração urbana segue uma lógica semelhante à do futebol. Bem podemos sonhar com o regresso da Académica (Coimbra) ou do União de Leiria à primeira Liga, o caso é que, como lembra Margarida Bentes Penedo, Portugal não tem economia nem população para ter mais do que duas esplêndidas áreas metropolitanas, Porto e Lisboa.

Não vale a pena chorar, antes rejubilar. Nenhum genuíno adepto de futebol gostaria que o Porto ficasse sem rivais em Lisboa com quem se bater ao mais alto nível. O Porto começou a ter a relevância que hoje tem quando deixou de invejar a capital e fez-se à vida com a garra e a pujança que a autonomia proporciona. Resultado – foi campeão o mais das vezes. Qualquer terra tem um futuro tanto mais promissor, quanto menos pedincha ela for.

Não se faz cidade a partir dos caminhos. O muito que há a fazer em matéria de redes não passa pela sua confusão com os polos urbanos. O bem-estar geral é avesso ao espraiar da mancha de óleo.

2 Aviões e Comboios

O atraso que houve nas decisões sobre o NAL, o PFN, a 3PsT e a AV pode não ter sido má notícia para amadurecer a ideia da absoluta necessidade de pensar em ambos os transportes ao mesmo tempo. Não são dois, mas um único problema.

Dada a nossa Geografia, o aeroporto de Lisboa é indispensável para as ligações ao Mundo, mas face à crise climática e energética, mal iremos se ligações de Lisboa ao Porto, a Faro e a Madrid não passarem em breve a ser feitas maioritariamente de comboio. Podendo chegar Madrid de comboio em 3 horas por menos dinheiro, a maioria dos passageiros escolherá esta meio em lugar do carro ou avião. O objetivo europeu e português de mudar para a ferrovia de Alta Velocidade o transporte de passageiros a menos de 600 Km impõe-se por comodidade, por consciência e por necessidade.

No que à AML diz respeito, identificar vantagens numa localização para o NAL por já se encontrar servida de proximidade a linhas de comboio e autoestradas enquanto outras não, dificilmente passa no teste da boa visão ao longe. Mal iríamos se o avanço dos aviões atrasasse os comboios e a articulação entre ambos.

Algo semelhante acontece no futebol quando se avança com a contratação de uma superestrela desbaratando o trabalho de equipa. Os bons resultados surgem com a interajuda no coletivo e com um balneário saudável que inverta a tendência de cada um puxar p’ró seu lado.

A coesão territorial passa por aperfeiçoar a mobilidade (interligando a intermodalidade – ferrovia, rodovia e via aérea/ energias/ curta, média e longa distância/ transportes públicos privados/ etc.) em Portugal e atribuir titularidade ao talentoso comboio, de longe o jogador com maior potencial de crescimento face à transição energética que se avizinha.

3 Custos

Pago por este, por aquele ou por nós, o NAL tem um custo. Um tal benefício sem custos para o contribuinte, simplesmente não existe. Pela própria natureza da vida empresarial, a bondade comercial do grupo de investidores num lado é semelhante à dos grupos presentes num outro, jogam segundo as mesmas regras. Não há almoços grátis. Reconhecer esta paridade de interesses convoca o realismo necessário às melhores decisões e negociações.

4 Financiamento

Aqui devia calar-me, pois percebo pouco do assunto (Como desgraçadamente atesta a m/ conta bancária), mas concedam-me lembrar que num país que conheceu o Fontes, o Pacheco, o Ferreira do Amaral e o Jorge Coelho, cada geração encontrou sempre suficiente massa cinzenta para descortinar uma maneira de financiar as necessárias infraestruturas.

Também no futebol houve sempre equipas a fazer boa figura lá fora mesmo antes de haver o atual fairplay financeiro.

5 Conclusão. Uma ideia para deitar fora ou talvez não

Quando, face à confusão das antigas medidas (pés, palmos, polegadas, que variavam de região para região consoante a anatomia dos príncipes) pediram a académicos o estabelecimento de uma unidade que pudesse ser universalmente aceite, os sábios da altura tiveram a brilhante ideia de a relacionar com o maior objeto que então se conhecia. Até há poucas tempo ainda se aprendia na escola que o “metro” era igual à décima milionésima parte de um quarto do meridiano da Terra. Percebe-se a lógica, quanto maior a dimensão do objeto de referência, maior rigor e abrangência para a desejada unidade de medida. Quanto maior o problema, mais necessidade de distanciamento para o abarcar com largueza e profundidade (largueza e profundidade que os atuais écrans e curtas mensagens desfavorecem).

Reconhecida a relação do aeroporto com o ordenamento do território, a AML, o PFN, a AV e a 3PsT e que um problema desta complexidade requer um desenho de conjunto, só encontro no Estuário do Tejo o paralelo de vida e abrangência com potencial suficiente para servir de base a qualquer equilibrado projeto no amável bico de obra da Área Metropolitana de Lisboa. Não há em toda a região nada tão vivo e inclusivo como o Estuário do Tejo para conferir sen do, mobilizar energias, reunir consensos e apaziguar as almas. Sintra tem o seu encanto, a Amadora, Almada e Alverca também, mas se procurarmos um elemento comum agregador dificilmente escapamos à atração das águas.

Enquanto o rio foi a estrada, o centro de Lisboa andou pela Baixa. Mal as rodas ganharam pneus, subiu pelas avenidas acima. Logo que a Vasco da Gama permitiu circular à volta, o centro da região passou a ser o Mar da Palha.

O reconhecimento desta centralidade como Genius Loci da AML teria a bondosa utilidade de diferenciar as boas das más soluções consoante preservem ou contrariem este espírito do local. Exemplos: 1) Sendo que Alcochete, Rio Frio ou Poceirão integram a AML, qualquer destas localizações para o NAL seriam bem-vindas, ao contrário de outras afastadas do centro. 2) Não há palavras para descrever o acerto do Arco Ribeirinho Sul (ver artigo de Teresa Almeida, presidente da CCDR LVT no Expresso), que prevê regeneração urbana de Almada a Alcochete, um projeto 5 estrelas pelo seu perfeito encaixe neste espírito 3) Que concluir da benfazeja proliferação das frentes ribeirinhas de um lado e outro senão o acerto de colocar o Mar da Palha no centro? 4) Entre a 3PsT de Xabregas ao Barreiro ou uma alterna va próxima da Vasco da Gama, qual preservaria melhor o Estuário do Tejo? A que trespassa o estuário a meio ou a que o contorna lateralmente em anel com a 25 de Abril, preservando o centro como tal?

6 Regressa, bom senso, que fazes muita falta.

Voltando às propostas de localização do NAL longe da AML, socorro-me da amizade tripeira para esperar que os alfacinhas respondam como os do Porto fariam caso lhes vendessem a ideia de transferir o aeroporto de Sá Carneiro de Pedras Rubras para a Águeda ou Viana do Castelo. Divirto-me só de imaginar o pé de vento que se levantava. Imagino as gargalhadas que se ouviriam da Baixa à Cantareira, se lhes dissessem que era sem custos para os contribuintes e como se rebolariam no chão ao ver que os municípios de Mealhada e dos Arcos subscreviam a ideia disso ser o melhor para o país.

Felizes os do Sul que não perdem o Norte. E os do Norte que se abrem ao Sul.