Há algo de cinemático na chuva que cai, neste momento, em solo português. Quase que divinamente coincidente com o acontecimento mais triste da história recente dos Bretões. É um facto que o clima não é algo em que este povo tenha tanta sorte como o seu aliado mediterrânico, mas apesar de este apenas constatar que as alterações climáticas se têm revelado cada vez mais proeminentes, é possível afirmar que a morte da Rainha mais famosa do mundo não deixou ninguém indiferente. Nem mesmo o próprio tempo.

Há sete décadas que o centro do poder britânico não passava de mãos, o que pode ver-se como uma vantagem para o agora proclamado Rei Carlos III, o monarca melhor preparado de sempre. Teve certamente tempo suficiente para tirar algumas notas e, esperemos, que até algumas páginas do livro de sua mãe.

Várias são as questões que emergem, a par e passo das cerimónias fúnebres, que tomam agora lugar em território inglês: recentemente, Boris Johnson opunha-se ao pedido escocês por um novo referendo em 2023, após uma saída contrariada da União Europeia. Cabe assim aos recém-chegados líderes uma nova resposta.

Embora ainda chova, o tempo escasseia. A janela de tolerância para a nova Primeira-Ministra é bastante pequena: Elisabeth ‘Liz’ Truss não chegou a aquecer o lugar e já está sob pressão para apresentar soluções sobre a crise energética que se avizinha. Carlos III será empossado Rei num um País à beira de entrar numa recessão económica, cenário semelhante ao que Isabel II encontrara em 52, com níveis de inflação a atingirem os 11%.

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Quer se queira, quer não, o que está a acontecer no Reino Unido será um marco histórico deste século. O fim de uma era, e o início de outra. E não precisamos de ser fãs da monarquia para perceber isto. Ou até mesmo da Família Real. Tal que até os Príncipes William e Harry, acompanhados das respectivas consortes (hoje pouco fãs uns dos outros), apareceram juntos em Windsor, como que um símbolo de força e união, embora a existência de uma cortina de ferro esteja bastante à vista de todos.

Não é todos os dias que se consegue celebrar um Jubileu de Platina, e Isabel II foi a primeira monarca britânica a fazê-lo. Tornou-se a governante do reinado mais longo da História, ultrapassando a Rainha Vitória por sete anos. A única monarca que a maior parte dos cidadãos do Reino Unido, e possivelmente o mundo, conheceu em vida.

Uma figura caracterizada pela sua baixa estatura, que não precisava de mais meio centímetro que fosse, para que a sua presença fosse sentida, que Churchill a descreveria como “uma figura de autoridade e surpreendente reflexividade”1, aquando dos seus dois anos de idade.

The People’s Queen, mas a sua verdadeira paixão eram os seus cães e cavalos, como Burmese, a égua que a salvou de uma tentativa de homicídio. Não fossem os seus deveres à Coroa, a sua vocação tê-la-ia chamado para Sandringham, onde presidia à Associação de Criadores de Puro Sangue. Foi também o sítio que escolheu para vários dos seus momentos de reflexão: foi em Wood Farm (uma propriedade de menor dimensão dentro de Sandringham) que Isabel II marcou o seu último Dia de Ascensão, um tributo a ambos pai (George VI) e marido (Príncipe Philip), cujo falecimento ainda seria recente.

Uma Rainha adorada por tantos, até pelos que se lhe opunham politicamente. A personificação do que é ser orgulhosamente britânico, talvez por isso se tenha tornado na monarca que gerou maior consenso perante as audiências.

Uma Rainha que não era apenas Chefe da Commonwealth, Comandante Suprema das Forças Armadas do Reino Unido e Defensora da Fé: foi a primeira mulher soberana da Casa de Windsor. A primeira monarca a visitar a Austrália e a Nova Zelândia. A primeira monarca do Canadá a abrir uma sessão parlamentar.

Uma mulher que elevou o prestígio do patriotismo inglês de tal forma que tantos ou mais são os que, apesar de não serem seus súbditos, choram o seu desaparecimento, como se de família se tratasse. A todos os que têm a sorte de poder estar em Londres neste momento, certamente este fenómeno não passará despercebido. Por cá, e pela parte que a mim me compete, prestarei a minha homenagem, embora simbólica, da forma que os ingleses consideram ser o símbolo máximo de respeito: o silêncio.

Farewell, Your Majesty. You will surely and most definitely be missed.

1 Brandreth, Gyles (2004). Philip and Elizabeth: Portrait of a Marriage. Londres: Century.