Carlo Collodi – ou Carlo Lorenzini, se preferirem sem pseudónimo – era até esta semana o maior génio no que a criar “aldrabões” diz respeito: criou o mais idílico de todos e um dos que mais tem feito sorrir tantos milhões de crianças desde o final do século XIX: Pinóquio.

Acontece que o sucesso não é eterno e, dado que nunca evoluiremos tanto quanto a criatividade humana, então reside neste ponto um acontecimento tantas vezes difícil de compreender: a realidade superar a ficção. Convenhamos que, tal como alguns atletas vão provando que o corpo humano é uma máquina que não vislumbra limites, Sócrates desafiou o impossível e facilmente o bateu aos pontos. Pelo meio das centenas de páginas escritas e rescritas onde Pinóquio surge com histórias mirabolantes, pensávamos estar sobre uma ficção que, sem restrições dadas à escrita de Carlo Collodi, dificilmente seria superada por um qualquer primeiro-ministro.

Porém, Portugal teima em mostrar que, se aparecer um urso pardo à porta de uma discoteca a dançar funk brasileiro, nós, então, teremos um urso pardo – ainda maior e mais gordo – à porta de um talho a cantar fado (e com mais comoção que a própria Amália). O estereótipo lusitano de inferioridade esvaiu-se em 2016, quando vimos um tal de Éder a marcar o seu primeiro golo oficial pela seleção numa final de um campeonato da Europa. Talvez fosse este o desabrochar do Quinto Império que Pessoa idealizou… Aliás, se Afonso Henriques caiu no excesso de bater na sua progenitora, ele sabia que esse gesto seria “compensado” por estar a criar um país que, 831 anos após a sua morte em diante, iria bater qualquer parada – mesmo ursos pardos em discotecas através de outros ursos pardos ou, até, o Pinóquio com o nosso Sócrates – sim, falo-vos do tão famigerado filósofo (de Paris, não o da Grécia Antiga).

E, para quem fez uma licenciatura aos domingos, a tanto custo, convenhamos que nem se safou mal a pedir e a ter aprovação de uns milhões de euros de “empréstimo” ao seu amigo do peito Carlos Santos Silva… Mas, somente, para pagar propinas, «viver uma vida sem grandes luxos» num apartamento no centro de Paris de valor de mil euros por noite e para gozar de umas férias prosaicas pelo montante módico de quatrocentos mil euros, como apurado. E por que razão nunca chegou a devolver qualquer montante a Carlos Santos Silva? Para tal, teremos de dominar alguns pressupostos de incentivos financeiros (mais até do que de amizade), para perceber que esta era uma tranche não reembolsável: uma espécie de um mecanismo idêntico ao dos apoios europeus com majoração a “fundo perdido” para apoio a ex-primeiros-ministros de nações europeias. [Voz de uma entidade divina que não se quis identificar, para não sofrer represálias do Partido Socialista: «- Não, Gonçalo, esses apoios existem, mas são de apoio à Inovação e à I&D Empresarial, e só uma parte desse montante investido é não reembolsável.»] Então, esperem lá, só o amigalhaço do Sócrates é que concede estes empréstimos fabulosos? A taxa zero? Aliás, cedência de milhões sem necessidade de reembolso? [Profere uma segunda entidade divina, com uma voz trêmula vinda do fundo: «- Isso, há! Mas só há uma pessoa no mundo além de Carlos Santos Silva… a mãe de José Sócrates.]

A cada sessão de interrogatório, José Sócrates mantém uma excelência desmedida no nível de literatura ficcionada, com um rasgo de performance que nem guionistas de novelas mexicanas seriam capazes de nos emocionar tanto. Ao que parece, segundo o que José referiu em interrogatório ao magistrado Ivo Rosa, quando as avultadas quantias de dinheiro transferidas por Carlos Santos Silva escasseavam, a mãe de José Sócrates – segundo declarações em audiência do próprio – guardava num cofre o remanescente que fazia que Sócrates não passasse dificuldades.

Uns chamam-no de aldrabão, outros de corrupto, uma outra parte tão simplesmente indigna-se pelo erário público delapidado por meia dúzia e pago, de forma invariável, por cerca de dez milhões de ursos ibéricos – ou cidadãos, como quiserem. Eu, cá, dou a minha margem de dúvida ao homem e julgo que estes fins mais diletantes das tranches de dinheiro eram apenas com a finalidade de uma boa integração num país estrangeiro, como qualquer miúdo que vai de Erasmus e gasta dinheiro em álcool para se “soltar”. Simplesmente este álcool era mais caro – e talvez não fosse álcool. E bem sabemos que ele, em Portugal, era honesto; a ponto de que, se, porventura, quisesse aldrabar um português, o negócio decorreria em Badajoz.

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