Sete motos de polícia e dois carros escoltavam a carrinha que transportava para o Hospital de São José as vacinas contra o Covid. Luzes a piscar, aparato policial dos grandes momentos e um tremendo buraco na estrada: é isto o Portugal presépio da Torre Bela, um país que grita para esconder que mendiga e em que pode faltar tudo menos o aparato.

Na herdade da Torre Bela, em 1975, o revolucionário ocupante de terras gritava ao camponês que tudo, da roupa às ferramentas, era da cooperativa. Em 2020, as redes sociais que assistem mudas à morte dos velhos em lares sem visitas nem tratamento adequado gritam “Chacina!” perante os veados abatidos numa caçada na mesma herdade da Torre Bela. Em resumo, a gritar é que se manda no povo. Em 1975 gritava-se pela Reforma Agrária. Em 2020 pelo fim da carnificina dos animais. Quanto mais se grita menos espaço há para se perguntar. por exemplo, quantas portugueses morreram por causa da recusa do Governo em recorrer aos privados para prestar os cuidados de saúde que o SNS deixou de prestar?

Em 1975 a enxada era da cooperativa. Em 2020, ninguém quer saber de enxadas. Aliás em 2020 antes de se usar a enxada há que analisar se a enxada tem as dimensões homologadas, se a enxada veio acompanhada dos respectivos selos e se o vendedor e o utilizador da enxada têm a sua situação fiscal regularizada. Em 1975 não sobrou muito tempo para cavar pois a maior parte das horas era ocupada em reuniões. Em 2020 cavar é um verbo que simboliza a decisão de milhares de portugueses de deixar o país. Não é que os portugueses não acreditem nos avanços e milagres constantemente anunciados por quem os governa, simplesmente não têm capacidade para acompanhar tanto progresso, tanto avanço e tanta conquista.

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