1 As políticas económicas de recuperação

O tema da recuperação das economias flageladas por crises ou infortúnios é dos mais  amados pelos economistas mas, em síntese, existem duas estratégias distintas para acelerar tal recuperação :

  • Aumentar o rendimento das famílias com o objetivo de aumentar o consumo e o optimismo dos consumidores através de redução de impostos ou do envio de cheques  às famílias, tal como se fez nos EUA em 2020 e 2021;
  • Aumentar o consumo público através dos orçamentos públicos destinados à contratação pública, fazendo assim crescer os mercados públicos e injetando liquidez nas empresas (bens, serviços, obras públicas) tal com também se está fazer nos EUA através de programas de infra-estruturação de triliões de dólares.

Em Portugal, e em geral na UE, adota-se apenas a segunda estratégia, até porque se acredita que as decisões dos consumidores públicos serão mais judiciosas do que as dos privados, o que, aliás, está por provar. Todavia, o que será singular é associar-se a segunda estratégia a uma redução de liquidez das famílias, pois não conheço autores ou bons exemplos baseados em tal opção, mas tal risco é bem real em Portugal tal como se demonstra seguidamente.

2 Os apoios comunitários

Desde a adesão de Portugal à UE, Portugal tem vindo a beneficiar de apoios maioritariamente baseados nos três fundos estruturais e que muito têm contribuído para o nosso desenvolvimento, bem me recordando da década de 90 em que fui gestor do PRODEP (Educação), conseguindo-se, em poucos anos, recuperar o atraso de décadas.

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Todavia, importa ter presente que Portugal é já das economias europeias em que os mercados públicos são mais prevalecentes, podendo-se estimar a percentagem de empresas para as quais os contratos públicos são maioritários acima de 50%, pelo que o enorme aumento da contratação pública suscita quatro preocupações que se discutem seguidamente.

3 Economia excessivamente dependente do Estado?

Convém recordar que o programa que estará a terminar, PORTUGAL 2020, correspondeu a um período de seis anos, tendo-se atingido execução próxima de 60% a que corresponde execução anual próxima de 2,5 mil milhões de euros. Nos próximos anos vão-se somar as execuções terminais deste programa, o PRR baseado na Next Generation da UE e o próximo programa comunitário 2021-2027 pelo que estimo em mais de 6 mil milhões de euros de apoio anual a executar. Ora, tal aumento disruptivo não criará excessivas dependências em relação ao Estado, associadas aos restantes problemas conhecidos, que originam enviesamento e perturbação do normal funcionamento da economia de mercado?

4 Qual a exequibilidade?

A opção pela contratação pública exige que os aparelhos da administração pública, das autarquias, das empresas públicas, etc., sejam capazes de triplicar a sua capacidade de contratar, o que implica consultar mercados, preparar especificações, estabelecer critérios de avaliação, adotar os procedimentos de formação de contratos mais apropriados, adjudicar propostas, celebrar contratos e executá-los. A Comissão Europeia aprovou uma recomendação (2017/1805 de 3  de outubro) no sentido de se dar prioridade à formação de “public procurers” e de se profissionalizar a sua carreira, mas tal repto foi totalmente ignorado em Portugal pelo que será agora previsível que as capacidades se agigantem subitamente? Acresce o problema da litigância, pois mais de 10% ou 15% dos contratos adjudicados por concurso público transitam para os tribunais e as entidades adjudicantes persistem em não utilizar as disposições legais que permitem socorrer-se dos instrumentos de arbitragem. Será apenas desconhecimento?

5 Qual a injeção de recursos nas empresas nacionais?

Como é bem sabido, vivemos no mercado da UE, pelo que qualquer concurso público tem natureza internacional o que implica que muitos poderão ser ganhos por empresas sediadas noutros Estados o que, aliás, pode ser de plena justiça. O problema é que tais empresas são tributadas noutros Estados que podem ter regimes fiscais mais favoráveis, já que Portugal tem vindo a aumentar a carga tributária, e podem ter maiores economias de escala sendo, portanto, o risco de ir injetar recursos noutras economias especialmente elevado se o critério de adjudicação for o preço mínimo. Ora, a má notícia é que, segundo o valioso relatório do regulador (IMPIC), tal percentagem é de 90% em 2019.

6 Qual o aumento de impostos?

Convém ter presente que a execução de fundos comunitários exige, em geral, contrapartida nacional e que não são elegíveis numerosas despesas, tais como custas associadas a litigância nos tribunais. Ou seja, os apoios também geram aumento de despesa não financiada. Durante o Portugal 2020, a taxa de tributação aumentou em mais de 2%, pelo que é real o risco de agora aumentar em mais de 4% para o mesmo período, o que significaria maior crescimento do setor público, mas também maior empobrecimento dos Portugueses e a adoção da estratégia inversa à da baseada no aumento da liquidez das famílias: redução do seu rendimento líquido. Não se conhece economista que defenda tal opção.

Em suma, os próximos anos contêm importantes oportunidades. mas também riscos bem reais.

Declaração de interesse: o autor é Presidente da APMEP-Associação Portuguesa dos Mercados Públicos.