Alguns dos meus colegas, que são de outros países, têm escrito sobre o que se passa no sítio de onde vêm. Ultimamente, a primeira questão que me têm colocado é “O que achas do Trump?” Com cada decisão chocante por ele tomada, as pessoas estão naturalmente a questionar-se como é possível que Donald Trump tenha sido eleito Presidente e o que significa isso para o país. Irei explicar como considero que isto tenha acontecido, seguido de algumas observações sobre o que se passa e terminando com alguns motivos para ter a esperança.

Como é que ele foi eleito?

1. Muitos americanos estão a passar por dificuldades económicas. Muitos dos empregos perdidos durante a crise financeira foram substituídos por trabalhos com salário mais baixo e com menos benefícios. Por isso agora, as pessoas estão numa situação pior em comparação ao estilo de vida da geração anterior e em termos absolutos devido à estagnação dos ordenados e aos custos muito elevados e cada vez mais altos de bens como a habitação, cuidados de saúde e ensino superior. Num país sem acesso universal aos cuidados de saúde, os problemas económicos traduzem-se diretamente em problemas de saúde, por isso os Americanos brancos estão a morrer mais novos do que no passado.

2. Trump é um ator televisivo talentoso, tendo sido anteriormente a estrela do seu próprio reality show, O Aprendiz. Ele utilizou a exposição mediática gratuita dos seus comícios eleitorais para fingir uma preocupação com o sofrimento dos americanos. Durante a sua campanha, Trump admitiu servir como um advogado para a classe trabalhadora e “limpar o pântano” (expressão idiomática para designar a extinção da corrupção) de lobistas e políticos corruptos. O argumento era que Trump é tão rico que não poderia ser comprado tão facilmente como outros políticos, e por ser um homem poderoso ou por ter uma personalidade tão dominante conseguiria fazer as coisas utilizando meios que outros mais educados ou cuidadosos não conseguiram. Prometeu oferecer cuidados de saúde aos mais pobres, reduzir o preço dos medicamentos, e não reduzir os programas de benefícios como a segurança social ou a Medicare que fornecem dinheiro e cuidados de saúde aos idosos (com base nas contribuições pagas durante as suas vidas). Ao mesmo tempo, os Democratas responderam proferindo coisas como “A América já é Grande”, o que, sendo discutivelmente verdadeiro em algumas vertentes importantes (e.g., contribuições para as artes, inovações tecnológicas, inclusão social de grupos anteriormente marginalizados), não fez com que a população mais frustrada se sentisse ouvida. Trump também se mostrou muito mais disposto a dar entrevistas televisivas do que Hillary, o que resultou num maior controlo sobre a narrativa dos media. Forneceu às pessoas explicações para as suas dificuldades, que permitiram a não culpabilização deles próprios ou dos seus empregadores, culpando em vez disso os trabalhadores mexicanos ou fabricantes chineses. Concordando ou não com ele, e muitas sem concordar, as empresas de comunicação aproveitaram o reality show gratuito que foi a sua campanha, e o lucro que a acompanhou.

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3. Existiram exemplos de coordenação desleal entre o Comité Nacional Democrático, a campanha de Hillary Clinton e os media que parecem tê-la ajudado a ganhar as eleições primárias contra Bernie Sanders. Fosse a campanha de Hillary vencer de qualquer das formas ou não, com ou sem esta ajuda extra, a perceção geral de que estariam a agir indevidamente resumiu-se na alcunha que lhe foi atribuída por Trump “crocked Hillary” (“Hillary Trapaceira”), que deve ter ferido a sua credibilidade e confiança entre os eleitores. O conceito de reatância psicológica diz que, quando as pessoas sentem não ter controlo sobre desfechos que as preocupam, tentam recuperar o seu poder. Se não sentiram que os votos contaram durante as primárias democráticas, muitas pessoas, que de outra forma votariam em qualquer democrata, procuraram recuperar o seu poder votando noutra pessoa que não Hillary, ou não votando de todo, mesmo quando isso significou a possibilidade de Trump ganhar.

4. Os EUA utilizam um Sistema de voto denominado “Colégio Eleitoral” para as eleições presidenciais, onde cada candidato recebe pontos baseados em quantos estados ganham (estados maiores valem mais pontos), e não baseado na quantidade total de votos recebidos. Na verdade, Clinton alcançou no total mais cerca de 2.9 milhões de votos do que Trump. Apesar de Clinton ter vencido em estados costeiros por uma margem considerável (Califórnia por 30%, Nova Iorque por 23%), enquanto Trump venceu em estados interiores por margens mais pequenas (Michigan por 0.3%, Pensilvânia por 0.7%). Salvo raras exceções, quem vence num estado, ganha todos os pontos desse estado, mesmo se a percentagem de diferença for reduzida.

5. Historicamente, imediatamente após um membro de um partido político ser Presidente por dois períodos de quatro anos, normalmente o outro partido político ganha a presidência. Existiram apenas duas exceções a este padrão nos últimos 100 anos, seguindo as administrações de Franklin Delano Roosevelt e Ronald Reagan.

6. O “elefante na sala” é que o sucesso da retórica politicamente incorreta de Trump revelou que, infelizmente, milhões de americanos continuam racistas, sexistas e/ou xenófobos. Existiu provavelmente uma repercussão contra o primeiro presidente preto e a perceção de que Hillary estava na sua equipa e sendo mulher. Afinal, a primeira incursão de Trump na política presidencial foi iniciando uma conspiração sem fundamento sobre Obama não ter nascido nos EUA de forma a destruir a sua legitimidade (porque legalmente o Presidente tem que ter nascido no país). Alguns eleitores parecerem tê-lo recompensado pela conspiração.

Qual é a situação atual?

1. Trump está a tratar de muitos dos “problemas sociais” de foro internacional que identificou durante a campanha mas grande parte das pessoas provavelmente pensou serem tão absurdos que ele não poderia estar a falar a sério. O maior exemplo disto é a ordem executiva uma “proibição de viajar” a partir de 7 países de maioria muçulmana. A descriminação contra pessoas baseada na sua religião é ilegal, de acordo com a constituição Americana, mas isso não o impediu de tentar decretar esta política. Assinou também uma ordem executiva a reduzir o financiamento para programas de apoio internacional que realizam abortos. Também empurrou os E.U. para fora do acordo de comércio internacional T.P.P., aparentemente, em parte porque pensou que este beneficiou a China. Parece ter a intenção séria de construir um muro na fronteira com o México.

2. Trump parece não estar a tratar dos “problemas económicos” internos de que falou durante a campanha. Por exemplo, deixou de estar interessado em reduzir os preços muito elevados dos medicamentos, e, se as pessoas que está a contratar para os cargos do ministério servirem de indicador, parece caminhar no sentido da vontade de cortar programas de benefícios como a segurança social ou a Medicare. Está a preencher outros cargos nos ministérios com pessoas muito ricas e lobistas que trabalhavam para as mesmas empresas que demonizou durante a campanha, como é o caso da Goldman Sachs.

3. Tem certamente um conflito de interesses porque ele, ou pelo menos a sua família, não se desvincularam do seu negócio. Bancos aos quais deve dinheiro vão agora ser regulados pelo governo que lidera. Investiu também, alegadamente no Dakota Access Pipeline o que pode ter contribuído para o seu apoio à conclusão do oleoduto apesar da oposição ser significativa. Os membros republicanos do congresso parecem, nesta fase inicial, estar relutantes a enfrentar Trump ou desafiá-lo nestes ou noutros assuntos, o que é típico após a eleição de um novo presidente.

Existem razões para manter a esperança?

1. Os americanos estão a envolver-se na política e no ativismo em proporções maiores do que haviam feito no passado porque algumas das ações de Trump vão contra os valores de grande parte da população. Durante o fim de semana, após a “Proibição de Viajar” a partir de 7 países de maioria muçulmana ser anunciada, a União Americana pelas Liberdades Civis anunciou ter recebido 24 milhões de dólares em doações, sete vezes a quantia recebida durante todo o ano de 2015. A Marcha das Mulheres teve também mais participações do que na sua inauguração.

2. Os erros de Trump estão a obrigá-lo a enfrentar rapidamente a complexidade do funcionamento das decisões políticas, do governo e das relações internacionais. Por exemplo, Angela Merkel explicou-lhe a Convenção de Genebra. A sua “proibição de viajar” foi bloqueada por um juiz em Seattle, ainda que continue a tentar reintegrar uma versão modificada. Ou irá aprender com estes erros ou os americanos vão aperceber-se de que ele não é capaz de exercer um trabalho tão difícil, e talvez o governo federal não possa ser gerido como um negócio.

3. Se não cumprir as suas promessas económicas, muitos americanos irão virar-se contra ele e quase certamente não será reeleito. Contudo, irá demorar algum tempo até isto se tornar visível.

4. Progressistas estão a utilizar novas táticas para resistir a Trump, incluindo ameaças de derrotar membros do congresso em exercício de funções, nas suas campanhas primárias, se não votarem contra Trump. Esta é uma tática que o movimento “Tea Party” de direita utilizou para reforçar o seu poder após a eleição de Obama, e talvez sirva como uma forma de responsabilizar o congresso se pactuarem com as políticas impopulares de Trump.

Como membro executivo dos Democrats Abroad Portugal (Democratas fora de Portugal), espero que o partido Democrata seja capaz de criar uma nova visão inspiradora para competir com Trump, ao invés de resistir apenas permitindo que seja ele a definir a narrativa. Caso queira ler as minhas futuras publicações, maioritariamente sobre psicologia, mindfulness e gestão, siga-me no twitter: @andyhafenbrack.

Assistant Professor na Católica Lisbon School of Business & Economics