Como é sabido, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deu lugar à recém-criada Agência para a Imigração Migrações e Asilo (AIMA). Por sua vez, as prelaturas pessoais da Igreja católica, pelo Motu próprio de 8-8-2023, foram equiparadas, ou assimiladas, às associações públicas clericais de direito pontifício.

Já aqui se referiu o processo em curso em relação às prelaturas pessoais (Papa Francisco dinamita Opus Dei?, Observador, 30-9-2023). A propósito do 41º aniversário da Constituição Apostólica Ut sit, pela qual, a 28-11-1982, São João Paulo II erigiu a prelatura pessoal do Opus Dei, presta-se agora, a título meramente pessoal, um esclarecimento mais acessível a quem é leigo nestas matérias.

Embora o SEF seja uma instituição civil e uma prelatura pessoal seja um organismo eclesial, ambos são entidades oficiais, ou seja, meios através dos quais o Estado e a Igreja realizam, respectivamente, a sua missão. Com efeito, o controlo das fronteiras é uma tarefa que, pela sua própria natureza, corresponde ao Estado, porque dela depende a segurança e a soberania nacional. Por esta razão, não seria aceitável que esta actividade fosse exercida por uma empresa privada.

Outro tanto se pode dizer das prelaturas pessoais, que são, pela sua própria natureza, instituições pelas quais a Igreja realiza a sua principal função, que é a de anunciar o Evangelho e santificar os fiéis. A estrutura através da qual a Igreja cumpre a sua missão é o que, em termos eclesiais, se denomina hierarquia, cujos titulares, no exercício das suas funções públicas, agem em nome e representação da Igreja, e não como sujeitos privados. As prelaturas, territoriais e pessoais, os ordinariatos e as dioceses, são hierárquicas porque são a estrutura oficial da Igreja. Quando o Papa nomeia um bispo diocesano, ou um prelado, territorial ou pessoal, confere a essa pessoa uma missão canónica específica, que a exerce em nome da Igreja.

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As instituições de carácter hierárquico, como são as prelaturas e dioceses, distinguem-se das entidades associativas. Estas são expressão da liberdade de associação dos fiéis, mas estão desprovidas de qualquer representação ou mandato oficial e, por isso, não fazem parte da hierarquia da Igreja que, mesmo aprovando a sua existência e acção apostólica, com elas não se confunde. Se o presidente de uma associação aprovada pela autoridade eclesial, se pronuncia, apenas compromete a sua pessoa e a entidade que representa, mas não a Igreja.

O Opus Dei, fundado em 1928, começou por ser, como todas as instituições carismáticas, uma realidade associativa, aprovada pela Igreja, e que elegia o seu presidente geral. Quando passou a ser prelatura pessoal, perdeu o carácter associativo e privado, para se converter numa instituição hierárquica e pública: o seu máximo representante já não é eleito pelos fiéis da organização, mas designado pelo Papa, que pode não nomear o escolhido pelos fiéis da prelatura, pois só o Santo Padre pode designar um prelado territorial, ou pessoal, o titular de um ordinariato, ou um Bispo diocesano. Portanto, a institucionalização do Opus Dei como prelatura pessoal, restringiu a sua relativa autonomia: se o presidente geral era eleito, o prelado é nomeado pelo Papa.

Pelo Motu próprio de 8-8-2023, as prelaturas pessoais são equiparadas, ou assimiladas, às associações públicas clericais de direito pontifício, com faculdade de incardinar clérigos, ou seja, de ter sacerdotes próprios. Mas, assimilar as prelaturas pessoais às associações de clérigos é, juridicamente, incongruente, e incoerente com a realidade predominantemente laical e secular do Opus Dei: 98% dos seus fiéis são leigos. Também seria despropositado que uma diocese fosse equiparada a uma associação de clérigos, embora alguns dos seus membros o sejam. O carisma das instituições eclesiais deve ser respeitado, bem como a natureza própria de cada instituto: o Opus Dei, essencialmente secular e laical, não pode ser equiparado a uma associação de clérigos; como também uma diocese, um ordinariato, ou uma prelatura, seja ela territorial ou pessoal, não pode ser assimilada a uma associação de fiéis.

Se as funções exercidas pelo SEF eram, essencialmente, policiais, a AIMA não pode ser, como é óbvio, uma entidade privada. Os inspectores do SEF tinham uma formação específica, necessária para a realização da sua função e, por isso, os outros membros das forças de segurança não estavam habilitados para essa missão. O SEF passou a ser a AIMA, mas os seus operacionais continuam a ser um corpo especializado de funcionários públicos. Ou seja, a AIMA tem de continuar a ser, como o SEF, uma entidade oficial especializada num determinado serviço público.

O mesmo se pode dizer do Opus Dei, que é um apostolado especializado, pois proporciona uma formação específica para a santificação dos leigos, através do seu trabalho e família. Mas, as paróquias não têm também a missão de promover a santidade dos seus fiéis leigos?! Decerto, mas não lhes podem proporcionar essa assistência especializada, porque a chamada cura ordinária – baptismos, eucaristias, confissões, crismas, matrimónios, catequeses, etc. – esgota as suas potencialidades pastorais e, por isso, não podem facultar os meios de formação específica, que a prelatura do Opus Dei oferece aos leigos interessados em adquirir uma mais intensa formação cristã.

A questão institucional relativa ao Opus Dei não é uma questão de poder, ou de independência em relação às estruturas hierárquicas. A instituição nunca pretendeu, nem quer, ser autónoma em relação ao Papa e aos Bispos diocesanos, o que significaria a sua separação da Igreja e a sua extinção como realidade católica. O seu carisma – servir a Igreja, como a Igreja quer ser servida – é a promoção da santidade secular e laical na comunhão eclesial. Como dizia o fundador: Todos com Pedro, a Jesus, por Maria!

Embora o Opus Dei seja, por enquanto, a única prelatura pessoal da Igreja católica, não tem, nem presume ter o monopólio ou a exclusividade da santificação laical. Também não quer beneficiar de nenhum privilégio, nem ser a única entidade da sua espécie: deveria haver muitas prelaturas pessoais, que ofereçam aos leigos diferentes caminhos de santidade e de apostolado secular.

As prelaturas pessoais, previstas pelo Concílio Vaticano II, têm um imenso potencial pastoral, no atendimento das populações nómadas, como os ciganos e os artistas de circo, que não têm nenhuma diocese. O mesmo se diga dos pescadores e tripulantes da marinha mercante, que estão longas temporadas no alto mar, ou seja, num espaço extra-diocesano. Dada a mobilidade dos migrantes, que tanto preocupam o Santo Padre, a sua pastoral não pode ser territorial, mas pessoal. As famílias dos diplomatas também carecem de uma estrutura pastoral adequada à sua transumância. Recentemente, os bispos filipinos sugeriram uma prelatura pessoal que se encarregue dos milhões de seus compatriotas emigrados noutros países, onde não logram inserir-se nas igrejas locais.

A reforma jurídico-canónica das prelaturas pessoais não devia estar centrada na única instituição eclesial que, até à data, recebeu este estatuto, nem em questões de poder, tão próprias do clericalismo, mas na abertura da Igreja aos novos carismas, na sua resposta institucional aos desafios da moderna mobilidade humana e, sobretudo, na sua capacidade de implementar as proféticas novidades do Concílio Vaticano II.