Cá estamos nós outra vez, ainda com os referendos na Irlanda ainda em mente. No artigo anterior, falei da proposta de alteração, por referendo, aos pontos 1 e 3 do artigo 41.º da Constituição da Irlanda. Agora falarei do ponto 2 do mesmo documento.

Esse segundo ponto da Constituição determina que o Estado deve reconhecer que, “pela sua vida dentro de casa, a mulher dá ao Estado um apoio sem o qual o bem comum não consegue ser alcançado”. Resultante desse compromisso, a segunda alínea do ponto 2 compromete o Estado ao esforço de “assegurar que as mães não sejam obrigadas por necessidade económica a envolverem-se no trabalho e negligenciarem os seus deveres na casa”. Isto deveria parecer outra coisa senão a definição e a proteção do papel da mãe?

Segundo o governo irlandês (liderado atualmente pelo primeiro-ministro Simon Harris, sendo que Leo Varadkar se demitiu recentemente), este artigo contém passagens patriarcais e sexistas que discriminam as mulheres. O catolicismo irlandês, que tanto influenciou a redação da Constituição da Irlanda, faz com que se explicite no documento legal superior da nação que o lugar da mulher é na casa, o que limita, logicamente, as escolhas e as alternativas económicas das mulheres. Portanto, com o fim de abandonar um texto que supostamente deixa as mulheres para trás, o governo irlandês pretendeu reformular a parte do artigo em causa da seguinte forma: “o Estado reconhece que a provisão de cuidado, por membros da família, de uns para outros e por razões dos vínculos que existem entre eles, dá à Sociedade um apoio sem o qual o bem comum não consegue ser alcançado, e deve esforçar-se para apoiar esta provisão”. A referência à mulher, nesta nova redação, desaparecia completamente. O governo e os seus apoiantes tentaram convencer os irlandeses de que a Constituição tal como ela estava (e está) redigida é misógina ou machista. Já devia estar ultrapassada, seguindo o raciocínio deles, a noção de que as “mães” devem colocar em primeiro lugar “os seus deveres na casa” e em segundo o seu direito à independência económica. Para os progressistas, o Estado não deve insistir de forma alguma na hierarquização de estilos ou modos de vida, incluindo na sobrevalorização das responsabilidades domésticas das mulheres enquanto mães e esposas relativamente à liberdade de escolha na esfera pública.

Os estudantes, investigadores e professores de sociologia, de ciência política e de outras ciências sociais estão habituados a associar a literatura feminista a uma visão desdenhosa da prevalência da mulher na esfera doméstica. Vamos todos vasculhando pelos livros de que nos falam em unidades curriculares como sociologia do género ou sociologia da família e assim nos vamos habituando, às vezes por mera moleza, a associar as conquistas e as vitórias das mulheres ao seu afastamento relativamente aos espaços domésticos.

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Na sua mais recente obra Feminismo de Liberdade: A Sua História Surpreendente e Porque Importa Hoje (Freedom Feminism: Its Surprising History and Why It Matters Today), publicada em em 2013, a filósofa feminista norte-americana Christine Hoff Sommers apresenta uma breve história do feminismo, dando destaque ao feminismo anglo-saxónico. Logo no início do segundo capítulo, sugere que o feminismo, em momentos históricos conhecidos, consistiu em “esforços combinados” que resultaram na extensão dos “direitos das mulheres das urnas para os tribunais, os locais de trabalho, a universidade e mais além”.

O fim da II Guerra Mundial trouxe condições propícias ao desvio da atenção dos norte-americanos relativamente ao combate ao totalitarismo nazi e a concentrarem-se mais nos seus assuntos internos. Nesta altura, os EUA pareciam, nas palavras de Sommers, preparados “para um reajustamento igualitário”. Algumas das condições sociais eram as seguintes: as mulheres viam o seu contributo para o esforço de guerra e para a produção de guerra em casa reconhecidos; as mulheres haviam entrado na força de trabalho em números sem precedentes, tendo elas passado a realizar tarefas árduas e exigentes fora do espaço doméstico. Tanto Democratas como Republicanos, liberais (ou progressistas) e conservadores, participaram, até à década de 1960, na formulação e implementação de legislação contra a discriminação sexual e de legislação laboral. Foi com esta dedicação e transversalidade que o Equal Pay Act de 1963 foi implementado pelo Congresso dos EUA, tendo passado a ser proibido pagar aos homens e às mulheres diferentes salários pelo mesmo trabalho. Essa implementação teve efeitos na configuração final do Civil Rights Act de 1964, que incluiu numa das suas alíneas, o Title VII, a proibição da discriminação sexual na contratação e na promoção laborais. Mais tarde, em 1972, o Congresso dos EUA ditou igualmente a entrada em vigor de duas leis: o Title IX equity law, que garantiu às mulheres direitos iguais na educação; o Equal Employment Opportunity Act, que expandiu o âmbito e fortaleceu a aplicação do Title VII do Civil Rights Act de 1964. À medida que todas estas leis entravam em vigor, o Supremo Tribunal Federal dos EUA  também fazia o seu trabalho em prol da harmonia entre homens e mulheres (incluindo quando todos os seus juízes eram homens e maioritariamente Republicanos): os maridos deixaram, em 1971, de poder deter o controlo total da propriedade comum; os empregadores deixaram, no mesmo ano, de poder rejeitar dar emprego às mulheres com o fundamento de que tinham filhos; os empregadores deixaram, em 1974, de poder obrigar as suas empregadas a entrarem em regime de licença parental. Estas e outras decisões jurisprudenciais foram sendo tomadas. Finalmente, em 1973, o Equal Rights Amendment (ERA), segundo o qual a “igualdade de direitos perante a lei não deve ser negada ou resumida pelos Estados Unidos ou por nenhum estado por conta do sexo”, estava quase para entrar em vigor. Isto é uma oportunidade para contrapor a visão e o legado de pelo menos duas mulheres: Betty Friedan e Phyllis Schlafly

Restando frustrações com a ainda (suposta) remanescente desigualdade na educação, no direito da família e no direito de propriedade norte-americanos, e focadas na eliminação da discriminação contra as mulheres, Betty Friedan e as suas companheiras de activismo fundaram, em 1963, o National Organization for Women (NOW). A organização foi composta tanto por mulheres próximas do Partido Democrata como do Partido Republicano que foram participando na legislação antidiscriminação sexual elaborada nas duas décadas anteriores à sua fundação. Para além destas mulheres, a organização acabou por atrair mulheres que acabariam por repugnar o conteúdo da maguns opum de Friedan, The Feminine Mystique, e, por outro lado, mulheres radicais mais novas provenientes do movimento anti-guerra (em protesto contra a Guerra do Vietname). Foi Betty Friedan que chegou a chamar à “casa dos subúrbios”, no contexto norte-americano, um “campo de concentração confortável” onde as mulheres assistiam à “morte lenta” das suas mentes e espíritos. Na sua obra principal, “A Mística Feminina” (The Feminine Mystique), publicada em 1963, Friedan atacou uma cultura pós-II Guerra Mundial que consignava as mulheres à esfera doméstica. Contudo, ela pareceu não ficar por aí, tendo chegado mesmo a atacar a esfera doméstica em si e as mulheres que a escolhiam como o centro da sua vida, ou que pelo menos a sobrevalorizavam relativamente às suas próprias carreiras. Friedan, após a publicação do livro, pôde deparar-se com respostas à altura do seu envolvimento na causa da defesa dos direitos e liberdades das mulheres. Várias cartas consideraram-na condescendente e arrogante, acusando-a de ofender o orgulho das várias mulheres que viam a casa e não a fábrica e os escritórios como propósitos das suas vidas. E quando falamos em casa ou esfera doméstica estamos a falar, é claro, da maternidade, da irmandade e da companhia de um homem que as mulheres possam chamar de marido. Uma crítica apontada a Friedan que pode chamar especialmente à nossa atenção é a (possível) falta de consideração por mulheres pobres ou de classe social baixa que aspiravam ser donas de casa, mas que não tinham outra escolha senão trabalharem a tempo inteiro (fora de casa).

Phyllis Schafly, uma conservadora católica que chegou a candidatar-se ao Congresso dos EUA duas vezes, foi essencial, segundo um número substancial de historiadores, para a implementação do ERA. Na década de 1960, na mesma em que publicou uma obra sobre o candidato presidencial Barry Goldwater, A Choice Not an Echo, tornou-se uma figura nacionalmente referenciada pela sua defesa do conservadorismo norte-americano, associado às causas que defendia, ao mesmo tempo que era esposa e mãe de seis filhos. Schlafly revelou a sua oposição ao ERA num discurso seu feito numa livraria no estado de Connecticut, nos EUA. O ERA, segundo ela, seria destrutivo se alguma vez viesse a entrar em vigor. Noutras ocasiões mais tardias, ela explicou melhor a sua posição: segundo ela, a maioria das leis que haviam tratado os homens e as mulheres de maneira diferente já tinham sido revogadas ou tinham caducado. Não nos devemos esquecer da sua apologia do Equal Pay Act, pelo Title VII do Civil Rights Act de 1964 e de grande parte das decisões tomadas pelos tribunais norte-americanos na sua época, tendo admitido que ela própria, mãe e mulher com carreira, havia beneficiado desses avanços. Contudo, Schlafly não se tinha deixado convencer pelo ERA: os objetivos dessa lei já haviam sido alcançados por leis e decisões jurisprudenciais anteriores, sendo que a maior parte das leis que o ERA pretendia revogar já haviam sido eliminadas ou neutralizadas. O texto do ERA poderia ser interpretado como o grande último passo no sentido da igualdade de oportunidades. Mas não para Schlafly. Ao invés disso, Schlafly viu no ERA o possível início de uma sociedade completamente nova, na qual as autoras de uma literatura feminista que promovia visões depreciativas quanto à prevalência das mulheres na esfera doméstica se poderiam regozijar de ver as suas ideias e sugestões serem concretizadas e aplicadas. Schlafly tinha em mente feministas como Friedan, que viam as donas de casa como submetidas a um “campo de concentração” e as chamava de “cadáveres ambulantes”. Schlafly reparou que essas feministas não tinham como alvo a desigualdade legal e social entre homens e mulheres, mas sim o estilo de vida de milhões de mulheres norte-americanas. E as suas posições e intervenções estavam em sintonia com o pensamento de várias mulheres do seu país: enquanto as defensoras da “liberação das mulheres” (Schlafly chamava-lhes “libbers”) consideravam “a casa como uma prisão e a esposa e mulher como escrava”, Schlafly afirmava que estas feministas mais ardentes não conseguiam compreender como é que milhões de mulheres norte-americanas queriam ser esposas, mães e donas de casa e se sentiam “felizes nesses papéis”. Num episódio do programa Firing Line de William F. Buckley Jr., em 1973, quando o apresentador lhe perguntou o que poderia haver de “subversivo” no texto do ERA, Schlafly respondeu que a lei, sob a aparência da defesa do avanço nos direitos das mulheres, consistia verdadeiramente na imposição de uma agenda radical a uma nação inteira e desatenta. Mais precisamente, a lei denegria as donas de casa, passaria a exigir que os estados financiassem abortos, eliminaria qualquer forma de “segregação de género” (como as escolas unissexo e os piqueniques feitos entre as mães e os filhos) e, o que viria a chocar mais, viria a sujeitar as mulheres ao serviço militar. Uma das representantes da NOW, Ann Scott, foi obrigada a admitir que Schlafly tinha razão quanto à possibilidade de alistamento militar das mulheres concedida pela eventual entrada em vigor do ERA: se as mulheres fossem cidadãs plenas, e qualquer cidadão norte-americano deve ser sujeito ao alistamento militar, então prevê-se que as mulheres usufruam dos direitos, mas que cumpram também com os deveres de cidadania. A ideia de que as mulheres passassem a poder ser sujeitas ao alistamento militar ao lado dos homens era, nas décadas de 1970 e de 1980, inaceitável para a maioria dos norte-americanos.

Segundo o historiador e cientista político norte-americano Ross Douthat, num artigo intitulado “O Significado de Amy Coney Barrett” (The Meaning of Amy Coney Barrett), o feminismo conservador é criação do sucesso do movimento feminista no seu sentido mais global, podendo ser uma corrente “distinta, coerente e influente”. O feminismo conservador é adaptativo, emprestando muitos contributos do feminismo que encheu as ruas e as prateleiras de bibliotecas e livrarias dos EUA e de alguns países na Europa Ocidental durante a década de 1960. O feminismo conservador não deixa de ter como ponto de partida aquilo pelo qual mulheres como Ruth Bader Ginsburg, uma das mais importantes juízas do Supremo Tribunal Federal dos EUA, e outras feministas liberais lutavam: igualdade perante a lei e outros requisitos de justiça. Isso passava pela: supressão de todos os obstáculos à ambição e ao talento feminino, existentes e por vezes promovidos nas ordens sociais antigas, tal como o Estado Novo (português); oposição incondicional ao sexismo e à misoginia. Segundo Douthat, as feministas conservadoras deverão concordar que a obtenção destas conquistas e estas tomadas de atitude não seriam possíveis em muitos países do Ocidente na primeira metade do século XX. Contudo, o feminismo conservador defende igualmente que “as vitórias do feminismo foram algo desproporcionais, que foram mais benéficas para as ambições profissionais do que para outras ambições humanas”. Este feminismo também defende que “a sociedade que elas (as vitórias do feminismo) forjaram perdeu o seu balanço não só no equilíbrio entre trabalho e vida, mas também noutras áreas – sexo e romance e casamento e criação de filhos, com os sexos cada vez mais alienados uns dos outros e com demasiadas crianças desejadas, mas nunca nascidas”.

Uma curiosidade é que Douthat, no mesmo artigo, insere Phyllis Schlafly no “anti-feminismo”, que seria o núcleo do conservadorismo (norte-americano) de mulheres dos anos 70”. Este anti-feminismo andaria em torno de pelo menos dois argumentos: o impulso para o avanço feminino era desnecessário ou destrutivo; concedia às mulheres coisas de que realmente não precisavam e que lhes retirava proteções indispensáveis, especialmente àquelas que se dedicavam à maternidade.

Schlafly, achando que a aprovação do ERA seria uma carta branca à agenda radical de Betty Friedan, da NOW e do feminismo radical, começou a fazer iniciativas, tal como a publicação mensal da newsletter The Phyllis Schlafly Report. Outra dessas iniciativas foi a distribuição de exemplares de um dos manifestos da NOW, Revolution: Tomorrow is NOW. Esse manifesto deu conhecimento aos seus leitores do que é que a organização defendia na realidade: a NOW parecia incomodada com mulheres dedicadas à caridade e ao serviço comunitário, observando que essas atividades “reforçam o estatuto de cidadãos de segunda-classe das mulheres”. Durante os debates em que Schlafly participou, crianças transportavam cartazes com as seguintes palavras: “por favor não mandem a minha mãe para a guerra”. Uma edição de um jornal do Colorado teve como manchete “Illinois women oppose the ERA – libbers go home” (“Mulheres do Illinois opõem-se ao ERA – liberais, vão para casa”). O ERA, enquanto emenda constitucional, não chegou a ser ratificado por três quartos dos estados que compõem os EUA (38 dos 50), tendo sido o Indiana o último a ratificá-la, em 1977. Aliás, alguns estados que haviam ratificado o ERA tentaram voltar atrás na sua decisão, como o Idaho, o Kentucky e o Tenessee. Significa que a campanha anti-ERA, para a qual Schlafly foi imprescindível, teve os resultados que pretendia: o ERA não chegou a entrar em vigor. A campanha pró-ERA terminou em 1982. Schlafly e as mulheres que a acompanharam conseguiram explicar aos norte-americanos que o que estava por detrás do ERA não representava as mulheres norte-americanas. No final, uma emenda ou qualquer outra lei que se baseasse numa reivindicação pela igualdade total entre homens e mulheres, incluindo a igualdade na suscetibilidade de alistamento militar, jamais seria bem recebida pela sociedade norte-americana. O caminho em frente seria a busca de uma igualdade que permitisse às mulheres e aos homens lidarem com as suas imutáveis diferenças.

Segundo o grupo irlandês pró-direitos das mulheres The Countess, o artigo 41.º da Constituição Irlandesa protege as mulheres que optem por se dedicar maioritariamente às tarefas de casa em detrimento de uma carreira. Para a associação, é um direito constitucional que está consagrado e não uma obrigação. A nova redação do artigo 41.º, não hesita esta associação em afirmar, seria o triunfo de um ataque à maternidade, caso tivesse sido aprovado em referendo. A associação recorre a dados (de 2019): segundo o Central Estatístics Office (departamento de dados da República da Irlanda), das mulheres que ficam em casa para acompanharem os seus filhos durante os seus anos mais precoces, cerca de 94% são mães, pelo que é inegável a importância da relação entre a mãe e o filho, assim como a necessidade de não romper este vínculo. Este grupo pronuncia-se também sobre uma política pública: de modo que uma mulher receba o Jobseekers Allowance (Empréstimo para Candidatos a Emprego), um subsídio muito semelhante ao nosso muito recente Suplemento Renumerativo Solidário, tem de demonstrar ao Estado (irlandês) que está activamente a procurar trabalho até à oitava semana posterior ao parto, condição cuja não satisfação priva as mulheres de continuarem a receber esse subsídio ou suplemento. Os critérios de aplicação do Jobseekers Allowance, segundo a The Countess, informam sobre “a alma do governo atual e as suas verdadeiras visões sobre a maternidade e o papel das mães”. A organização The Countess também se auxilia numa sondagem realizada entre 2023 e este ano pelo Insituto Iona, segundo a qual: 69% das mães (irlandesas) preferem ficar em casa com os seus filhos em vez de irem trabalhar, caso recursos monetários não estejam em causa; 76% das mães (irlandesas) concordam que as mulheres que trabalham em casa são subvalorizadas pela sociedade; 70% das mães (irlandesas) assumem que não se sentem valorizadas pela sociedade pela sua dedicação à maternidade.

A proposta de alteração à Constituição foi rejeitada por 73.9% dos irlandeses que, no Dia Internacional da Mulheres, se dispuseram a dar luz verde ou vermelha às ambições do executivo irlandês e dos seus sustentáculos progressistas. Neste caso, a luz vermelha pareceu ser reluzente. Os irlandeses, assim como os norte-americanos (de outrora, pelo menos), não parecem muito tolerantes a iniciativas de guerras culturais. Na Irlanda, as diferenças entre homens e mulheres parecem ser vistas com naturalidade e qualquer racionalização de tentativas de impor um igualitarismo bacoco não sobrevivem à última palavra do povo. Na Irlanda, as mulheres e os homens têm as mesmas oportunidades. Foi pedido às elites progressistas irlandesas que não impedissem as mulheres de se comportarem segundo a sua natureza e que continuassem tranquilas. Tranquilas por saberem da existência de um artigo na Constituição Irlandesa que poderão continuar a invocar contra qualquer tentativa do Estado Irlandês de forçá-las a integrar o mercado de trabalho contra a sua própria vontade. Assim que os sexos se libertam de quaisquer leis saloias e controladoras, eles se tornam livres e se exprimem da melhor forma que conseguem. No mês passado, os irlandeses informaram os progressistas e os seus aliados presentes em muitos movimentos do feminismo radical (que não é o feminismo original, longe disso) que as suas ambições de transformação abrupta de uma sociedade e de uma nação inteira serão escrupulosamente vigiadas. Por enquanto, pelo menos.

O que se passou no mês passado devemos à história excecional do feminismo conservador. Este feminismo, que a maior parte dos movimentos que se proclamam como defensores dos direitos das mulheres ignoram ou fingem de conta ignorar, é que verdadeiramente tem vindo a representar todas as mulheres que sofreram durante séculos e séculos de história. É pela igualdade de oportunidades, e é com a mesma convicção que se opõe a um liberalismo desenfreado que não respeita a propensão das mulheres para actividades distantes da rotina e do ambiente concorrencial e frio das fábricas, dos escritórios, dos quartéis e dos terrenos de combate, onde o tempo para a família e as condições para a provisão de cuidados aos filhos, especialmente nas suas vertentes mais sentimentais, são muito limitados. Quer seja para proteger as mulheres da guerra, quer seja para as proteger das forças de mercado que as movimenta para fora do único espaço em que se podem responsabilizar pela realização de tarefas domésticas, que passam pela socialização, o cuidado e a proteção das crianças e pela socialização e estabilização dos maridos, as representantes do feminismo conservador e os seus aliados estarão presentes, de uma forma ou de outra. Não se trata de impedir as mulheres de entrarem no mercado de trabalho e de se envolverem nas forças de mercado, mas sim de não serem puxadas pelos mesmos em situações de desespero e de carência económica. E é isto que todos os dias o feminismo conservador, o feminismo autêntico e genuinamente interessado na emancipação das mulheres, nos deve recordar.

Uns preferem chamar-lhe feminismo conservador. Outros optam por chamar-lhe anti-feminismo. O que interessa é que o seu espírito e as suas mensagens não deverão ser esquecidas. Os irlandeses não esqueceram.