Para vencer a crise financeira do início do século, Portugal socorreu-se do turismo. A bem da verdade não fomos apenas nós. Boa parte da Europa viu na recepção de milhões de turistas a solução para a crise da dívida e um modo de substituir as indústrias que se deslocaram para o Oriente. A solução encontrada é perfeitamente natural e, num país como Portugal, as cidades de Lisboa e do Porto só ganharam com a vinda de tantos estrangeiros. Não é só o dinheiro que estes trazem e deixam cá, mas o efeito que a sua vinda teve na recuperação das cidades e na melhoria e modernização do comércio.

Sucede que, ao mesmo tempo que o turismo cresceu, o tema das alterações climáticas tomou conta do debate político. As razões são diversas e não me vou reter em polémicas desnecessárias, mas centrar-me no ponto para o qual pretendo chamar a atenção: a mitigação das alterações climáticas vai levar a mudanças no comportamento das pessoas, nomeadamente no turismo, no modo como encaramos o viajar de avião. Uma vez mais, não faço aqui qualquer juízo de valor, apenas saliento um facto que, muito provavelmente, se vai tornar real.

Aliás, isso já está a acontecer. Em Março, a França proibiu voos domésticos de curta distância, substituindo-os pelo uso do comboio. O motivo é que os aviões são mais poluentes que o comboio e nestes nem se perde tanto tempo nas partidas e chegadas, o que é uma mais-valia nas viagens de poucos quilómetros. O impacto da decisão francesa é muito pequeno, mas a União Europeia pretende que os países com ligações de comboio alternativas sigam o mesmo caminho que Paris. O processo vai ser lento, mas com o tempo terá repercussões. Na Europa, o interesse pelo comboio cresceu nos últimos anos e são cada vez mais os que vêem neste o meio de transporte ideal.

Naturalmente, menos passageiros nos aviões significa menos voos e menos voos traduz-se no aumento dos preços dos bilhetes. Portugal apostou no turismo barato (o que é natural dada a concorrência) e as consequências podem ser imprevisíveis. Também não é de ignorar que viajar de avião pode tornar-se mal-visto e a sua prática desincentivada. Uma vez mais não estou a fazer qualquer juízo de valor. As coisas são o que são e sabemos bem do que o politicamente correcto é capaz. Vamos imaginar que, devido ao aumento dos preços e à pressão social negativa, o número de turistas que chega a Portugal cair 20%. As consequências para Portugal não serão difíceis de prever.

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É uma possibilidade que chama a atenção para dois pontos: primeiro, se é tida em conta nos estudos para um novo aeroporto de Lisboa; segundo, se o país não deveria procurar formas alternativas de negócio. Não é desistir do turismo. É simplesmente, crescer além do turismo. Um exemplo de uma boa prática foi a instalação da Autoeuropa em Portugal. Actualmente várias empresas internacionais, muitas delas europeias, estão a fechar as suas fábricas na China e a transferi-las para outros locais. A maioria para o Vietname ou o México, países com mão-de-obra mais barata, mas a Europa ainda é destino para alguns. Em Julho do ano passado a Volvo anunciou que a abertura de uma fábrica na Eslováquia. É a primeira em 60 anos. Com bom trabalho, como se fez na década de 90, Portugal pode e deve aproveitar esta deslocação das indústrias.

Este novo fenómeno é uma oportunidade de ouro para não dependeremos quase exclusivamente do  turismo. Aproveitá-la exige rigor e boa governação. Bem mais difícil que bom tempo, calor e praias, mas com resultados igualmente promissores.