O convite de adesão de Portugal à NATO, entregue em 1948 ao ministro dos negócios estrangeiros, Caeiro da Mata, colocou algumas reticências a Salazar. A primeira, a possibilidade de os norte-americanos instalarem bases militares em Portugal, nomeadamente nos Açores. A segunda, o perigo de a futura NATO dar força a um processo de pendor federalista na Europa. As duas eram tão importantes para Salazar que, só depois de esclarecidas é que o presidente do conselho deu luz verde à entrada de Portugal na Aliança Atlântica.

Fui recuperar estas reservas de Salazar porque voltam a estar em cima da mesa, 75 anos depois da fundação da NATO. Um eventual alargamento da Aliança Atlântica e da UE à Ucrânia, não só dividiram Belém e São Bento durante a anterior legislatura, como as declarações de Paulo Rangel na última reunião ministerial da NATO em Bruxelas traduzem uma mudança de entendimento do actual governo sobre a matéria. Não é segredo para ninguém que António Costa discordava da adesão imediata da Ucrânia à União Europeia e preferia outras soluções intermédias, fossem a liberdade de circulação dos ucranianos na UE ou um simples incremento no apoio financeiro e militar. Também relativamente à NATO, o ex-primeiro-ministro colocou algumas reservas à adesão da Ucrânia porque receava que tal originasse ainda mais perturbações no seio da Europa.

Desde a criação da NATO que Portugal transferiu para o seio desta organização a sua dicotomia entre o continente europeu e os interesses geo-estratégicos no Atlântico, procurando não dar muita relevância a estes últimos. Salazar desejava que as grandes potências se concentrassem no combate à URSS dentro dentro da Europa e esquecessem o Atlântico. Por outro lado, o fim do império colonial português e a integração europeia traduziu-se numa alteração geo-estratégica ímpar num país há tantos séculos de costas viradas para o continente. 50 anos passados talvez fosse o tempo de conciliar os dois lados. Como?

Possivelmente, a melhor forma de o fazer será reconhecer que o apoio à Ucrânia e a sua adesão, tanto à NATO como à UE, não impedem que Portugal dê atenção aos seus interesses estratégicos no Atlântico. Na verdade, a vitória da Ucrânia nesta guerra depende da coesão do Ocidente e esta encontra-se intimamente ligada à supremacia do Ocidente no Atlântico. Há muito que os EUA alongam a doutrina Monroe ao controlo do Oceano que tanto os junta como separa da Europa. Do mesmo modo, há alguns anos que a China procura estabelecer laços com Estados sul-americanos e africanos com o intuito de abrir brechas no domínio ocidental na região.

É neste âmbito que Portugal pode fazer valer a sua influência a marcar a diferença. O apoio à Ucrânia deve ser total e passa por mais meios militares, assim como e pela sua adesão à NATO e à UE. Mas, e por muita boa vontade que tenhamos, a nossa contribuição nessa matéria é pequena, senão mesmo quase formal. Onde Portugal se pode distinguir a apresentar uma mais-valia é em garantir a retaguarda do Ocidente, ou seja o domínio do Atlântico e o apoio e a parceria com Estados como o Brasil, Angola e Cabo Verde. Ainda em Fevereiro fiz menção a este ponto e ao modo como Portugal pode contribuir para a sua concretização.

Não foi por ser um país simpático que os norte-americanos convidaram Portugal para fazer parte dos Estados fundadores da NATO. Pelo contrário, Portugal era a única ditadura no meio de onze democracias. Foi o interesse estratégico dos Açores que determinou a nossa entrada. 75 anos depois, a nossa mais-valia reside na influência e no conhecimento que temos do oceano, bem como dos Estados e povos que se encontram a sul. Aproveitá-los não se traduz apenas num proveito para Portugal, mas num ganho para a própria democracia ocidental que se confronta com o maior desafio à sua existência desde 1945.

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