Foi, recentemente, apresentado um (excelente!) estudo do Health Behaviour in School-aged Children / Organização Mundial de Saúde, realizado em 51 países, que, em Portugal, inquiriu 5809 jovens dos 6º, 8.º, 10.º e 12.º anos, de 40 agrupamentos escolares. Entre muitos outros resultados, o estudo em análise acentuou um aumento significativo do sentimento de infelicidade. A deterioração da perceção de bem-estar e da saúde mental nos jovens portugueses. As dificuldades em adormecerem todos os dias. O seu sentimento de preocupação diária. A deterioração da saúde física. A forma como se medicam. O aumento do excesso de peso. O retardamento das primeiras relações sexuais. Se bem que se registe uma diminuição do uso de métodos contraceptivos.

O estudo desencadeou, desde logo, leituras imediatas no sentido de se enfatizarem todos estes indicadores e a sua relação directa com a pandemia. Mas talvez possamos a estar a ser demasiado lestos a responsabilizá-la por todos estes dados.

Em primeiro lugar, porque a pandemia ajudou a esclarecer que, apesar de tudo o que lhes foi exigido – a si próprios, às suas famílias e às suas escolas – os adolescentes têm recursos de saúde mental inequívocos.

Em segundo lugar, receio que ao ligarmos a pandemia a estes resultados, estejamos a esquecer o papel das famílias de todos estes adolescentes em relação aos seus comportamento de todos os dias. Demasiado espartilhados pelas exigências de resultados e com quantidades de tempo de trabalho e de compromissos a concorrer uns com os outros, muitas, vezes, insanas.  Demasiado fechados sobre si próprios, sobre as redes sociais e os videojogos. E, pior que tudo, muitas vezes, demasiado em “auto-gestão”, quando se trata de gerirem a relação com as regras da família, com o telemóvel ou com o dormir.

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A seguir, sem terem espaço de diálogo com os seus pais e nas suas escolas que lhes permita conhecerem-se melhor. Compreenderem muitos dos sintomas que os atormentam ou incomodam. E descobrirem formas de os resolverem, sem que vivam cercados por inúmeros “não penses nisso” ou “controla-te” que os leva a não encontrarem entre as pessoas importantes para si os instrumentos que lhes permitam pensar. E a terem ao seu dispor demasiadas “soluções” medicamentosas que desde a atenção, à ansiedade ou à tristeza merecem o aval e, muitas vezes, o incentivo da própria família.

Depois, porque se a adolescência já lhes traz tanta turbulência a nível do corpo, do que sentem, do que pensam e das relações que constroem, viverem numa atmosfera em que aquilo que lhes é exigido supera o que lhes é dado ajuda a entender a adolescência como um período onde os sobressaltos de saúde mental são uma realidade. Mas, apesar de tudo, são, também, factores de crescimento.

Não se trata, finalmente, de “normalizarmos” estas reações dos adolescentes como se não merecessem atenção e cuidado. Nada disso. Mas trata-se de nos implicarmos todos – pais, escolas e país – em discussões ponderadas e promotoras de saúde que definam formas de actuar que, muito para além da pandemia, os ajudem a ter tempo para viverem a adolescência. A terem uma escola que não transforme a entrada na universidade numa “prova de vida”.  E pais que não lhes coloquem, vezes demais, a carreira à frente da vida. Como se a adolescência pudesse esperar. E a vida terminasse aos 18. O que tudo junto – acrescido às crises ambiental, financeira, energética, demográfica e etc. – lhes dão a entender que a “crise de valores” de que falamos a propósito deles tem, sobretudo, a ver connosco. Como se isso não tivesse como consequência todo um conjunto de comportamentos que não são só deles. E não são, sobretudo, consequência da pandemia. Que não lhes permitem ter, como deviam, mais espaço para ter esperança. Para construírem sonhos e para lutarem por eles. Para terem convicções e um compromisso pessoal e político com elas. Para lutarem pelos valores e pelo amor. E, claro, para terem futuro. Que parece que nos comentários que este estudo suscitou será uma questão menor. Com quase nada a ver com aquilo em que lhes falhamos.