Sim, já se sabe que por estes dias em Portugal, país de que a extrema-esquerda faz parte da solução de governo desde 2015, se vive em tumulto mediático a eleição de um deputado que é apresentado como sendo de extrema-direita. O ambiente é o do costume e já se viu noutros locais: qualquer um que agora queira passar por bom cidadão tem de declarar a sua preocupação com a entrada de André Ventura no parlamento. Numa espécie de reflexo pavloviano logo se ouve por todo o lado e de todos os lados a rejeição do novo deputado. Consegue-se ainda com tal clima que não se abordem as preocupações que levaram milhares de pessoas a dar-lhe o seu voto. (As reportagens efectuadas nesta semana nos locais onde o Chega obteve bons resultados são exercícios de uma arrogância sem limites!)

Também temos o Presidente que ora pode estar tão doente que não sabe se se vai recandidatar ora avisa que a legislatura vai depender da economia mundial. A isto juntou-se a prestação entertainer do Livre com a sua deputada que não queria ser discriminada por ser gaga e agora quer mais tempo para falar no parlamento precisamente por ser gaga (curiosamente o Livre não pediu mais tempo nos debates da campanha).

Pode dizer-se que tudo isto se esperava. Sim, é verdade. Mas também é verdade que para lá desse previsível espalhafato se sente no ar aquele ambiente falsete que, em Outubro de 2015, acompanhou as negociações entre o PS e a PàF. Nos primeiros momentos instalou-se uma espécie de desconcerto: o PS declarava as reuniões com o PSD e CDS “inconclusivas”, ao passo que os encontros com Bloco de Esquerda e PCP eram descritos como positivos e produtivos. Para mais a delegação do PS abandonava de cara cerrada as reuniões com o PSD e CDS, pelo contrário arvorava sorrisos doces após o encontro com os comunistas e bloquistas.

Como os socialistas nunca tinham assumido com clareza perante o eleitorado que estavam disponíveis para governar com bloquistas e comunistas e muito menos se sabia que, desde o próprio Domingo das eleições, António Costa articulava com o BE uma solução de governo, todos estes episódios das  impropriamente chamadas negociações pareciam um puzzle com peça trocadas. Pouco depois o cenário desfazia-se e nascia a geringonça.

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Algo de semelhante está a acontecer de novo, com a diferença que o faz de conta agora é à esquerda: para telespectador-eleitor ver, Costa negoceia com o BE mas o que acontece nessas reuniões pouco conta para o desfecho das negociações. Afinal o PS esta à espera de Rui Rio. E valha a verdade faz bem em esperar. Por muito que os socialistas procurem dificilmente arranjarão alguém que lhes possa proporcionar aquilo que Rio lhes garante: alterar o regime.

Como Rui Rio explicou: “O país precisa de reformas estruturais na justiça, no sistema político, na segurança social, na descentralização, e essas reformas não se fazem sem os dois maiores partidos”. Ao que Carlos César respondeu com esta frase que deve ter accionado vários alarmes na sede dos bloquistas: “O PSD é um partido referencial da vida política portuguesa e a sua voz também deve ser ouvida”.

Portanto o PS governa com a extrema-esquerda que é o mesmo que dizer que as escolas funcionarão como uma introdução ao acampamento de Verão do BE; que o estatismo pode continuar a matar o SNS (esta noite a urgência pediátrica do Hospital Garcia da Orta esteve fechada); que as taxas e impostos continuarão a esbulhar os portugueses… Tudo isso, podem os socialistas ficar descansados, receberá do dr. Rui Rio aquele silêncio enfastiado que o caracterizou até perceber que tinha de fazer campanha eleitoral não para vencer o PS mas sim os que se lhe opunham dentro do PSD.

Ele, Rui Rio, está lá para os grandes assuntos. A saber, uma reforma do sistema político que só interessa aos políticos; uma reforma da justiça que acabará com o PS a fazer papel de defensor da independência dos tribunais de tal forma são atrabiliárias as teses de Rio nessa matéria; uma reforma da segurança social  que obviamente o PS de Costa não quer nem pode fazer e por fim aquilo que realmente será feito porque ambos os partidos ganham com isso: a descentralização, ou seja a regionalização.

Em 2015, o BE e o PCP permitiram a um PS derrotado ter maioria para ser governo. Em 2019, Rui Rio pode permitir ao PS mudar o regime.