O investimento chinês na REN e na EDP, iniciado em 2011 ao abrigo das privatizações previstas no Memorando de Entendimento com a Troika, não foi considerado no que respeita à segurança. Naquela época, as consequências securitárias dos investimentos chineses não eram uma prioridade em Portugal, nem tão pouco na Europa. Não existia sequer um mecanismo de escrutínio do investimento estrangeiro (em Portugal só foi estabelecido em 2014; o regulamento europeu surgiu apenas em 2019). Inclusive, a EDP já detinha ativos significativos nos Estados Unidos e Washington não levantou problemas.

A autoridade nacional de regulação do setor, a ERSE, certificou, em 2014, a REN como operadora independente da rede de transporte do Sistema Elétrico Nacional em regime de separação relativamente à produção e à comercialização elétrica. Considerou não existir risco de conflito de interesses com a presença de outro investidor estatal chinês na EDP, a maior produtora e comercializadora elétrica nacional, após parecer da Comissão Europeia no mesmo sentido, porque os acionistas chineses, embora do mesmo Estado e maioritários em cada uma dessas empresas, não detinham o controlo individual da REN, nem da EDP. Esse era o critério previsto na Diretiva Europeia para a Eletricidade em vigor nesse período, bem como na versão atual.

O investimento chinês nestas duas empresas portuguesas precedeu o início da atual reflexão sobre este novo grande investidor. A tentativa da China Three Gorges de adquirir o controlo da EDP em 2018 encontrou já um cenário internacional muito distinto de 2011, identificando-se, por exemplo, o risco de ser obrigada a alienar os importantes ativos da EDP nos Estados Unidos. Decorria uma clara mudança na postura ocidental em relação à China, com o devido reconhecimento deste país como um competidor fundamental.

A consciencialização das consequências securitárias e geopolíticas da dimensão económica percorreu um longo e gradual caminho na União Europeia (UE) até que, em 2023, é definida uma estratégia europeia para a segurança económica, visando, implicitamente, os riscos do investimento chinês.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em Portugal, as relações com a China ou a própria segurança económica não são ainda temas priorizados, ficando, consistentemente, ausentes do debate público e político. Aproveitando os bons exemplos de outros Estados-Membros, inclusive da nossa dimensão, como a Finlândia, e da própria Comissão Europeia, urge a Portugal definir a sua estratégia para a China e, de modo mais abrangente e em respeito pela nossas ligações históricas, para a região do Indo-Pacífico, como fizeram os Países Baixos.

Os resultados do investimento chinês no nosso setor elétrico distinguem-se entre preocupações de segurança económica de longo-prazo e benefícios económico-financeiros de curto-prazo.

O alienamento da esfera do Estado das funções de gestão real e planeamento, atribuídas à REN, representou uma redução significativa da capacidade de desenvolvimento estratégico do próprio Estado português. A negociação da recuperação das referidas funções seria um passo fundamental, e de reduzido custo relativo, para assegurar a mitigação das preocupações de segurança associadas ao investimento chinês em Portugal e para a própria segurança económica portuguesa, recuperando o Estado capacidade no campo da informação e do planeamento. De modo abrangente, a capacidade de informações estratégicas é uma pedra basilar para o Estado, ainda para mais no âmbito da segurança económica. De facto, a Estratégia europeia para a Segurança Económica acaba por ter nesta dimensão uma das suas principais falhas, a inexistência de um serviço europeu de informação económica. Esta é uma área onde existe potencial de cooperação entre a UE e a NATO. Também neste aspeto, a promoção da segurança económica nacional terá sempre de ter no Serviço de Informações de Segurança (SIS) a sua peça chave.

A presença dos investidores chineses foi uma mais-valia para o desenvolvimento estratégico destas empresas portuguesas. A confiança gerada pela concretização bem-sucedida destes investimentos favoreceu a vinda de mais investidores da China, potenciando a capacidade de Portugal para atrair investimento. Para os acionistas chineses a participação na REN e na EDP, em especial pelo acesso a novos mercados e pelo know-how em negócios internacionais, contribuiu para a sua procura pela liderança global nas vertentes energéticas específicas das empresas chinesas em questão. Não podemos ainda esquecer a relevância do setor energético na grande disputa tecnológica global e nas grandes transições em curso.

Como pequena economia com fortes debilidades estruturais, Portugal não pode simplesmente afastar investimento estrangeiro por motivos geopolíticos. Se a estratégia que Portugal definir para a China representar uma mudança para uma postura mais alinhada com a estratégia ocidental de segurança económica, será essencial existir uma compensação de países aliados, como aconteceu na Lituânia, para compensar os custos associados.

Caso, seguindo o que aparenta ser o consenso político contemporâneo, a estratégia visar a incrementação efetiva da cooperação Portugal-China, a sua definição será igualmente um grande contributo para a sustentabilidade das relações bilaterais, não só por mobilizar recursos e para articular os vários órgãos do Estado, como também para clarificar, internacionalmente, a posição nacional. Representaria um importante movimento diplomático, o qual é imprescindível às relações com uma economia com as características da economia chinesa.

Nota: Recomendações do livro Segurança Económica Portuguesa: o caso do investimento chinês no setor elétrico para o relacionamento com a China no atual quadro geopolítico de crescente rivalidade entre grandes potências.