“Menino, sabes o que é a Pátria?”, perguntava o Livro da Terceira Classe; mas depois não ficou para ouvir a resposta. A resposta que qualquer menino lhe teria dado é a de que a pátria é a causa daquilo que identificamos como patriotismo. Como definir, no entanto, ‘patriotismo’? A teoria quase unanimemente aceite é a de que o patriotismo é uma série de convicções ou actividades que se propagam pela atmosfera, e que impregnam os habitantes de uma determinada área geográfica. Tem porém defeitos.

À ideia de um conjunto de pessoas acreditarem nas mesmas coisas porque vivem no mesmo sítio falta sempre a explicação do modo como um sítio pode causar uma convicção. Se um sítio causasse uma convicção, todos os que nele vivessem acreditariam nas mesmas frases e possivelmente fariam as mesmas coisas. Esta noção é falsa. Um poeta romano observou que é doce e decente morrer pela pátria; mas se todos os romanos tivessem acreditado no que é decente e doce a queda do Império Romano teria tido lugar muito mais cedo, causada por excesso de patriotismo e falta de romanos. E nessa altura a sobrevivência do Império Romano terá sido causada por falta de patriotismo.

Uma ideia a meu ver melhor de patriotismo é defini-lo como equivalente da lista daquilo que cada pessoa não está disposta a fazer em relação ao que identifica como pátria, pelo menos em circunstâncias normais. Tais listas variam muito. Para alguns incluem a recusa de decisões momentosas como vender a cidade do Porto ou comprar fruta importada. No meu caso, é a ideia de mudar de nacionalidade que acho inimaginável.

Aos devotos da Terceira Classe o meu patriotismo parece de menos; como para o Rei Lear, tudo o que não seja lacrimoso lhes é suspeito. Os raros não-devotos, no entanto, invocam o argumento mais sério de que as nossas experiências e memórias são independentes da nossa nacionalidade: e, claro, são. A não ser num sentido trivial, poderia ser quem mais ou menos sou se o meu passaporte fosse outro.

Acontece porém que não é invulgar que o passaporte que temos faça parte do conteúdo das experiências e memórias que nos acontecem. O facto será trivial: mas tal não significa que nos seja indiferente. Talvez por essa razão uma mudança de passaporte seja para mim uma possibilidade ociosa, como uma liposucção ou uma ida ao Brasil: só em circunstâncias muito extremas é que a encararia. Fosse eu um menino filosoficamente inclinado teria respondido ao Livro da Terceira Classe, e com firmeza, que tinha uma ideia do que era a pátria. Mas depois não tinha ficado para a discussão.

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