Somos constantemente interpelados acerca do nosso consumo de papel. No trabalho, recebemos e-mails que nos pedem para não serem impressos, apelando à nossa consciência ecológica. Em casa, a utilização de papel é cada vez menor e a reciclagem é obrigatória. Mas talvez não estejamos a discutir algo mais importante: a importância de manter o papel nas nossas vidas.

Quando o assunto é a utilização de papel, está comprovado que as mudanças de comportamento levam a resultados impressionantes. Com pequenas mudanças na redução do consumo, é possível poupar recursos e reduzir significativamente a nossa pegada carbónica. Sabemos hoje que um escritório bem concebido e sistematizado, sem papel, potencia a produtividade e a eficiência dos fluxos de trabalho.

Em boa verdade, o trabalho remoto só se tornou possível, em pleno, graças à transformação digital, com documentos digitais acessíveis, através da cloud, a qualquer altura. Já quase não há necessidade, argumenta-se, de documentação nem processos em papel — e este é, efetivamente, o caminho a seguir. O que pouco nos dizem é que não usar papel e enviar, receber e armazenar documentos eletrónicos cria a sua própria pegada carbónica.

Embora vivamos num mundo digital, existe um sentimento forte em relação ao documento impresso, especialmente para a Geração Z. Em 2018, o New York Times registou um crescimento de revistas de pequena tiragem sobre alimentação. De facto, a maioria dos fundadores das revistas tinha entre 20 e 30 anos — com os jovens editores desta faixa etária a despertarem para a paixão do objeto impresso. O artigo prossegue dizendo que a Geração Z está longe de abandonar os produtos físicos.

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Os já tão pouco falados benefícios do papel foram um tema recentemente levado aos membros do parlamento britânico pela Independent Print Industries Association (IPIA). Todos reconhecemos, em primeiro lugar, o sentimento de tocar ou sublinhar o papel — algo que pode não parecer importante, mas que é, na verdade, determinante. Vários estudos indicam que os documentos em papel provocam reações emocionais mais substanciais e que, precisamente por isso, fazem os leitores recordar mais claramente o que leem.

Como se defendeu neste debate, é melhor aprender em papel: com a informação impressa, o envolvimento do leitor é maior e a aprendizagem é mais profunda. Quando lemos em formato digital, absorvemos cerca de apenas 500 palavras, limite a que, uma vez chegados, se abrem portas para a distração. Olhar para o papel auxilia a memória e também ajuda a identificar erros; veja-se, a esse propósito, o trabalho (em papel) levado a cabo pelos revisores de texto

Outro estudo de 2016 entrevista 300 estudantes universitários em quatro países e conclui que 92 % prefere fazer os seus trabalhos de curso em papel, em vez de o fazerem em tablets ou computadores. Já um estudo de 2014 testou a capacidade de 50 leitores para recordar aspetos de um conto de 28 páginas. Metade dos participantes leu a história num Kindle e a outra metade numa versão de bolso. Os dois grupos recordavam pormenores, mas ao reconstruírem o enredo, os leitores do Kindle tiveram pior desempenho a ordenar os acontecimentos da história. Todas estas perceções são validadas cientificamente, inclusive pela União Europeia no estudo de 2020 E-READ — Evolution of reading in the age of digitisation.

Claro que a causa ambiental também está entre as grandes razões para a redução do consumo de papel. Por isso, todos somos encorajados a tornar as empresas paperless, esquecendo-se que os ficheiros digitais e o armazenamento de documentos também têm impacto ambiental. O facto é que, segundo o Statista, a maioria dos países da União Europeia tinha em 2021 uma taxa de reciclagem de papel acima dos 70 %. Infelizmente, em Portugal, ficamos aquém da média (com 66,6 %), o que nos deve impelir a fazer mais e melhor nesta área.

Certo é que, para manter ficheiros digitais, também consumimos cada vez mais energia. Os dispositivos eletrónicos raramente são reciclados e dependem da extração de materiais não renováveis. De facto, a indústria das TIC é responsável por 5 % a 9 % da utilização de energia a nível mundial, criando uma pegada de carbono significativa. Esta última poderá aumentar para 14 % das emissões mundiais até 2050. Há que considerar o impacto da digitalização, da gestão de documentos e do armazenamento eletrónico.

Também sabemos que o papel continua a ser o melhor suporte para o marketing direcionado e aquele que gera melhores resultados. As comunicações altamente personalizadas obtêm o maior retorno do investimento, são rentáveis e têm maior probabilidade de levar à ação — algo que os estudos confirmam, com 80 % dos adultos a abrir correio tradicional, 91 % a interagir com ele e 70 % a aceder à Internet depois de o ler. Verificou-se ainda que 40 % das visitas a sítios web motivadas pelo correio se converteram em compras em linha.

Nas vendas globais de equipamentos de impressão, prevê-se apenas uma pequena queda nos próximos cinco anos. De acordo com a Smithers, o mercado global de equipamentos de impressão (16,8 mil milhões de dólares em 2023) apresenta um declínio muito pequeno (16,4 mil milhões de dólares) até 2028. A análise mostra ainda que o número de impressoras digitais irá crescer globalmente, superando o analógico, até 2026. As vendas de equipamento de jato de tinta e de toner aumentarão, sendo o jato de tinta responsável pela maior parte do crescimento.

Tudo isto são motivos para acreditar que «o papel não morreu». Já para não falar de que, na eventualidade de, por exemplo, um grande apagão energético, tudo o que nos resta será o papel.