Portugal, um país que se aproxima dos 900 anos de existência e com as mais antigas fronteiras da Europa, é um país improvável. Das várias nações que formam a Península Ibérica, a Portuguesa foi a única que conseguiu manter a sua soberania, com a exceção do período de domínio Filipino, entre 1580 e 1640. João Paulo Oliveira e Costa, no seu excelente livro Portugal na História – Uma Identidade, atribui importância à geografia no nascimento e sobrevivência da nação portuguesa, nomeadamente o papel de algumas barreiras naturais, como a cordilheira da Serra da Estrela na defesa do território das investidas de Leão e Castela, e do mar Atlântico. O historiador identifica, no entanto, desde a fundação, em 1128, uma vontade de afirmação, que em poucos anos levou à afirmação da nação portuguesa. Apenas essa vontade, aliada a uma estratégia, pode ter impedido a conquista pela vizinha Espanha, um grande país que foi um poderoso império durante grande parte da sua história. A Espanha sempre soube que seria muito maior se conseguisse absorver Portugal. Como me dizia há uns anos um amigo espanhol, da Catalunha, Portugal é aquela pequena parte que falta à Espanha para a tornar verdadeiramente grande na Europa. Felizmente, a estratégia para preservar a nossa independência foi bem-sucedida.

Apesar das muitas críticas que os nossos governantes possam merecer, em particular ao longo dos últimos dois séculos, período que correspondeu ao afastamento em relação aos países mais desenvolvidos da Europa, há um mérito que lhes devemos atribuir: o de terem sabido preservar a soberania de Portugal. Como explica Bruno Cardoso Reis, durante muitos séculos o pensamento estratégico de Portugal esteve totalmente subordinado ao objetivo de preservar a independência de Espanha. Do ponto de vista económico, a consequência foi reduzir ao mínimo as relações comerciais com o país vizinho, dado que havia o receio de que alguma forma de integração económica pudesse colocar em causa a soberania do país. Podemos por isso dizer que um dos custos da independência de Portugal, com consequências em termos de crescimento económico, foi a exclusão do seu mercado externo natural: a Espanha. As leis económicas (modelo gravitacional) preveem que a intensidade das trocas comerciais será tanto maior quanto maior for a proximidade geográfica dos países. A Espanha seria um destino natural das exportações portuguesas e de proveniência das suas importações. No entanto, estas estavam bloqueadas devido à estratégia de impedir qualquer relação de dependência com Espanha. Assim, sem surpresa, em 1984, apenas 4% das exportações portuguesas tinham como destino Espanha. Restringir as relações económicas e comerciais com Espanha foi um importante pilar da estratégia para preservar a independência nacional.

A integração na Comunidade Económica Europeia, em 1986, para além de consolidar o regime democrático, resolveu o problema, que o acompanhava Portugal desde a sua origem, de como garantir a independência em relação a Espanha. Com a pertença à CEE e à UE, e mais tarde à área do euro, a soberania de Portugal passou a estar garantida de forma permanente. A integração europeia normalizou as relações comerciais com Espanha. Deste modo, e também sem surpresa, em 1991, aquela já era o principal destino das exportações portuguesas, representando 15% do total. Em 2000, as exportações para Espanha representavam 20% do total e atualmente representam cerca de 25%. De facto, os países da UE são os principais mercados das nossas exportações, recebendo mais de 80% das vendas de bens ao exterior.

Estes resultados, a que podemos somar a entrada na área do euro como país fundador, validam a grande estratégia do pós-25 de abril, que teve o primeiro passo no pedido de adesão à CEE em 1977, e que visava a integração plena de Portugal na Europa. Liberta da questão da independência, a estratégia podia então centrar-se no desenvolvimento do país. A meu ver, os resultados alcançados com a integração europeia validam a estratégia que foi seguida. Os maus resultados, em termos de crescimento económico e na gestão das finanças públicas, nas duas últimas décadas, não podem ser atribuídos à estratégia de integração europeia, mas sim à falta de capacidade em perceber cabalmente as implicações para a economia portuguesa de pertencer à União Europeia e à área do euro.

Como já escrevi aqui, nas duas últimas décadas a União Europeia sofreu uma profunda alteração na distribuição de rendimento entre os seus Estados membros, com dois blocos claramente definidos. De um lado, os países mais pobres, do Leste e do Centro da Europa, foram os que mais cresceram e convergiram com a média da UE: a Lituânia, a Roménia, a Estónia, a Letónia, a Polónia, a Bulgária, a Hungria, a Croácia, a República Checa e a Eslováquia. Do outro lado, os países da Sul da Europa estiveram entre os que menos cresceram e que mais divergiram da média da UE: a Itália, a Grécia, a França, a Espanha e Portugal. Ou seja, para além dos erros de política económica que foram cometidos desde os anos 90, os países a que Portugal tem ligações económicas mais fortes tiveram um fraco desempenho económico nos últimos anos e não se perspetivam melhorias significativas num futuro próximo. Se a economia portuguesa continuar dependente destes países as suas perspetivas de crescimento não serão muito animadoras.

A Europa e o mundo estão em grande mudança. Portugal tem de pensar o seu lugar no mundo e o lugar que quer ocupar no mundo. Um bom ponto de partida é a questão do livro de J. P. Oliveira e Costa: porque é que Portugal existe? A resposta passará sempre pelo Atlântico.

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