Durante 71 longos anos, entre 1929 e 2000, o México foi governado pelo mesmo partido. O partido mudou de nome: primeiro chamou-se Partido Nacional Revolucionário, depois Partido da Revolução Mexicana e por fim Partido Revolucionário Institucional, que se imortalizaria na sigla PRI. O partido mudou também de líder: não só porque as inescapáveis leis da natureza o obrigaram a isso, mas também porque o rodízio no topo fazia parte do seu plano de eternização de poder. O partido mudou ainda de componentes: começou por ter uma forte base campesina e foi sendo cada vez mais influenciado pelas classes médias urbanas. O partido mudou, por fim, de políticas: foi sendo mais estatista ou mais liberal consoante as décadas. O PRI foi tudo e o seu contrário, avançou e recuou, saltou e agachou-se, mantendo apenas uma constante na sua atuação ao longo do século XX: permanecer no poder.

Quando for grande, o nosso PS quer ser o PRI. Só entre 2015 e 2023 — em 8 anos, não em 71 — o PS mudou radicalmente de política de alianças e de opinião em relação a muitos temas. O mais simbólico é, obviamente, a TAP.

Em 2015, depois de a companhia ser privatizada no governo de Pedro Passos Coelho, António Costa garantiu, prometeu e jurou que, no minuto em que tivesse poder, iria reverter essa traição à pátria e às caravelas. Em dezembro desse ano, já depois de ter sido eleito, gritou, berrou e vociferou que retomaria a maioria do capital da TAP mesmo que para isso precisasse de quebrar a espinha dos accionistas privados. Em fevereiro de 2016, assinou um acordo com os accionistas da TAP e anunciou que o Estado tinha recuperado, orgulhosamente, o controlo estratégico da empresa, utilizando a célebre e despropositada metáfora segundo a qual “os aviões da TAP são as nossas caravelas de há 500 anos”. Em 2020, o governo cumpriu o seu sonho de se livrar de David Neeleman e ficou com mais de 70% da empresa. E no ano seguinte, usando a pandemia como argumento, tomou conta do que restava. E agora, como se sabe, admite privatizar a totalidade da empresa. Nestes oito anos, a evolução da participação do Estado na TAP foi dos 34% para os 50%; dos 50% para os 72,5%; dos 72,5% para os 100%; e, possivelmente, dos 100% para os 0%.

Esta semana, o ministro João Galamba foi ao Parlamento explicar que é tudo totalmente normal e absolutamente consistente. Segundo ele, variações que vão dos 0% aos 100% não resultam de “mudanças de posição” — está em causa, apenas, um “reconhecimento das circunstâncias”. Portanto: o PS de António Costa tornou-se especialista em mudar sem sair do mesmo sítio.

Há mais: esta semana, o PS orgulhou-se muito do facto de conseguir ser a oposição de si mesmo. Perante a nova vida de Pedro Nuno Santos como comentador televisivo, um deputado socialista filosofou: “Os livres pensadores fazem-nos bem. Então o foco está entre o atual primeiro-ministro e o futuro? Há um incumbente e um challenger e depois há também um tipo que é Luís Montenegro…”. E a verdade é que também Pedro Nuno Santos consegue mudar sem sair do mesmo sítio. No Parlamento, chumbou a recuperação integral do tempo de serviço dos professores — mas, na televisão, defendeu-a. Na televisão, declarou-se contra a privatização da TAP — mas já avisou que, se o assunto for ao Parlamento, votará a favor. Esta semana, um deputado do PS resumiu o novo posicionamento de Pedro Nuno Santos da seguinte forma: “Quer ser o rebelde disciplinado que defende o PS”. Realmente, se o PRI pode ser, ao mesmo tempo, “revolucionário” e “institucional”, por que não há de PNS aspirar a ser simultaneamente “rebelde” e “disciplinado”?

O PS é tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo: governo e oposição; nacionalizador e privatizador; “rebelde” e “disciplinado”. Só lhe falta mesmo conseguir ficar ininterruptamente no poder durante os 71 anos do PRI. Mas não se preocupem, ele chega lá: deem-lhe tempo.

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