A entrevista que Pedro Passos Coelho deu a Maria João Avillez no Observador foi escrutinada e estudada; foi examinada e esmiuçada; foi escalpelizada e dissecada. Especialmente, claro, as revelações sobre as dificuldades na relação com o esquivo CDS e sobre as desconfianças da troika em relação ao insurreto Paulo Portas. Mas, no meio de todos os comentários e análises, houve uma história cujo significado passou despercebido — incluindo, parece, ao próprio Passos Coelho. Na entrevista, o ex-primeiro-ministro recordou o episódio desta forma, sem lhe dar especial importância: “O CDS era o parceiro júnior da coligação, quer dizer, era o partido mais pequeno: tinha aproximadamente um quarto da dimensão do PSD. Um dia, disse-me o dr. Paulo Portas: ‘Bom, percebo que tu possas ser mais corajoso, mas se perderes alguma coisa tens mais por onde perder; agora, eu, se perder alguma coisa, posso perder tudo — porque o CDS é muito pequeno’. Eu disse-lhe que todos perderíamos tudo se não fôssemos bem sucedidos. Esse era o ponto”.

Na verdade, “o ponto” não era esse. Paulo Portas queria, seguramente, que no país “fôssemos bem sucedidos”. Mas, além de estar preocupado com o dia seguinte e com a semana seguinte, o líder do CDS estava igualmente preocupado com os anos seguintes — em especial com os anos que viriam depois das eleições de 2015. Passos Coelho nunca entendeu esse pequeno detalhe. Mas é inegável: Paulo Portas tinha razão. De facto, o CDS era “muito pequeno” e “perdeu tudo”: depois de ajudar a aplicar um pesado pacote de austeridade, o partido começou a ser corroído à esquerda, com os liberais a formarem um partido próprio, e carcomido à direita, com os nacionalistas conservadores e formarem outro partido próprio. Combalido e enfraquecido, o CDS acabou escorraçado do Parlamento nas eleições de 2022, como se fosse um vendilhão do templo, reduzido a uns humilhantes e degradantes 1,6% de votos.

Quando falou com Passos Coelho, Paulo Portas não estava a ser vidente, estava a ser prudente. Afinal, não era preciso recorrer a um Zandinga para antecipar o que aí vinha — bastava ler os jornais internacionais. Na Grécia, os socialistas do PASOK tinham aplicado o primeiro programa de austeridade do país em articulação com a troika e as consequências foram terrivelmente devastadoras para o partido. Em 2009, tinha tido uns vitoriosos 43.9% dos votos; em maio de 2012, passou para 13.2%; em junho de 2012, reduziu-se para 12.3%; e, em 2015, espatifou-se nos 4.7%. Ou seja: em 2009 era o maior partido do Parlamento, com 160 deputados; em 2015, era o mais pequeno, com 13.

A rebentar de curiosidade antropológica, a BBC decidiu, em 2013, mandar um repórter acompanhar um congresso do PASOK. O artigo começava, entre a melancolia e o sarcasmo, desta forma: “As longas filas vazias dizem tudo. Para um partido que está a lutar pela sobrevivência, a escolha de um enorme estádio em Atenas para realizar o seu congresso anual talvez tenha sido má ideia”. Quando o jornalista perguntou a um antigo militante do partido se admitia voltar a apoiar o PASOK, ouviu uma resposta decidida: “Claro que não. É um cadáver”.

O CDS sabe bem o que é ser visto como “um cadáver”. Como intuiu Paulo Portas, o partido não resistiu à troika. Foi recuperado agora pelo PSD e, com o eterno agradecimento de um náufrago, reúne-se este fim de semana num Congresso onde vai tentar provar que não é apenas um zombie político — vá lá, pelo menos não escolheu fazê-lo num gigantesco estádio em Atenas, optando antes por um modestíssimo pavilhão em Viseu. Os próximos tempos serão um sucesso ou um fracasso, consoante o talento dos seus dirigentes ou as circunstâncias do país. Mas serão, sem dúvida, difíceis.

Não tinha necessariamente de ser assim. Como é evidente, havia alternativas ao estoicismo obstinado de Passos Coelho. Era possível procurar um caminho que permitisse salvar o país sem o entregar ao PS durante dez anos e sem implodir e dizimar a direita. Esse caminho era estreito, mas existia, para quem estivesse disponível para o percorrer — não era inevitável criar versões domésticas do PASOK. Primeiro, Paulo Portas tentou convencer Passos Coelho a fazer isso usando argumentos políticos, como se sabe. Quando isso falhou, passou à súplica, como se percebe na história contada agora a Maria João Avillez. E, fracassando isso, recorreu à chantagem, como se viu com a manobra do “irrevogável”. Mas, a dada altura, já era demasiado tarde. Passos não entendeu. Ou não quis entender.

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