A falta de confiança na política é uma das principais características das sociedades modernas. Um fenómeno transversal e potenciador de um certo vazio, propício à dinâmica do consumo/espetáculo.

Gilles Lipovetsky, filósofo francês e autor do best-seller O Império do Efémero, afirmou em entrevista que “há algo estranho numa sociedade em que tudo tem de ser atraente e a política já não é atraente: é repulsiva.”

Mas a repulsa pode ser atraente. E viciante. Ou não fossem as atuais redes de comunicação um repositório de insultos, violência gratuita e discursos de ódio. Às quais todos voltamos. Todos os dias.

Se a sociedade do consumo assenta no valor da leveza e se a política nada tem de leve, que tal fazer política como se fosse um circo?

Em 2022, os portugueses revelaram a sua falta de confiança no Governo, no Parlamento e nos partidos políticos, através de um estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre Motivadores de Confiança nas Instituições Públicas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A mesma pesquisa revelou que as entidades merecedoras de maior confiança eram “as pessoas”, com 6,8 em 10 pontos.

Facto: ministros, parlamentares e membros de partidos são pessoas. Pressuposto: são pessoas que costumam fazer coisas desinteressantes e aborrecidas. Gente que não anda por aí a dançar no tik tok nem a gozar com o tom de voz dos adversários. Indivíduos que evitam o vernáculo e foram ensinados a deixar o fait divers para o after work.

Mas a sociedade moderna já não vive sem um bom espetáculo. Como não passa cinco minutos sem olhar para o telemóvel, à espera de um vídeo cujo conteúdo pode tornara-se viral em 20 minutos, mesmo que valha zero.

O novo consumidor de política quer comissões de inquérito pela noite fora, quer filmes de intimidação e ameaças de pugilato. Quer gritos e golpes de traição em nome da transparência. Da transparência ou da lama? Na lama todos se sujam; não há regras nem privilégios. Por norma, ganha quem tiver menos ética. O que é ótimo! A ética está tão démodé como a política.

Neste espetáculo, não importam ideias ou estratégias, sequer um plano para governar o País. É atirar três sound bytes para cima da mesa e esperar que as redes sociais multipliquem a indignação e o ódio.

A política como categoria de entretenimento não valoriza o pensamento e dispensa a sombra de um ideal. Cruz, credo, os intelectuais são tipo que vivem à custa do sistema. Fora com eles!

Para limpar tudo isto é preciso erradicar a ética e a moral, destruir acordos e matar compromissos como se fossem baratas que saem de dentro de velhos tachos.

Em suma, os portugueses não confiam nos políticos nem querem saber da confiança. É uma coisa pesada que não gera likes nem cliques – não diverte.

Por outro lado, desde que a verdade morreu, dando lugar a um teatro de sombras à laia de realidade, começa a faltar argamassa para manter a civilização de pé. Retirar a confiança da equação pode ser trágico.

Como escreveu Publílio Siro há mais de dois mil anos, “quem perde a confiança não tem mais o que perder”. Talvez desconhecesse o prazer de um bom espetáculo.